31/01/13

7 Bravíssimos Generais Angolanos 7 (mais duas empresas de segurança): Codiciosa Investida Censória contra "Diamantes de Sangue", Rafael Marques, Bárbara Bulhosa e a Tinta da China


Ao que parece, não basta ao regime de Luanda investir em grande na comunicação social portuguesa, visando transformar uma fracção crescente dos seus órgãos em antena do Estado angolano para a Europa. Dir-se-ia que, sem restabelecimento da censura neste rosto da Europa, os interesses angolanos não se consideram devidamente protegidos. É o que ilustra, dispensando mais comentários, esta peça publicada pelo esquerda.net:

A responsável editorial da Tinta-da-China foi constituída arguida depois de ter sido ouvida pelo DIAP. Bárbara Bulhosa considera que o processo instaurado por sete generais angolanos e duas empresas de segurança, por causa do livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola do jornalista Rafael Marques, é uma “tentativa de intimidação”.

"Interpreto este processo como uma tentativa de intimidação não só ao Rafael Marques (...) mas também à Tinta-da-China (a editora do livro) e, principalmente, parece-me que é um precedente perigoso porque é uma intimidação a todos os jornalistas e todos os editores ao investigarem matérias mais sensíveis que possam envolver altas figuras do Estado angolano. É uma forma de os pressionar a não avançarem", afirmou Bárbara Bulhosa em declarações a jornalistas, segundo a agência Lusa.

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Ainda sobre a questão do euro, vale a pena ler com a máxima atenção esta crónica de Viriato Soromenho Marques no DN

Ainda sobre a questão do euro — ou seja, da questão soberania versus federalismo —, vale a pena ler com atenção esta crónica de Viriato Soromenho Marques. Podemos pensar, sem dúvida, que as tarefas da democratização do poder político e, nessa perspectiva, a repolitização da economia política dominante, exigem infinitamente mais do que a "solução" que o Viriato apresenta. Mas isso não deverá impedir-nos de ver que a efectiva integração europeia que VSM preconiza, seria um quadro muito mais favorável do que o actual, para já não falarmos do quadro que resultaria de uma ruptura soberanista com o euro e de novos passos em frente rumo à implosão da UE  à conquista pelos cidadãoa comuns de capacidade de participação activa e governante, conjugada com a luta contra o austeritarismo da oligarquia "neoliberal".  Com a devida vénia, aqui fica a transcrição integral da crónica, cujo título é "Na Encruzilhada":

Numa entrevista recente ao Público, João Ferreira do Amaral (JFA) dissipou as ilusões do famigerado "regresso aos mercados". O economista que aconselhou o País a não entrar na Zona Euro (ZE) chamou a atenção para os fatores estruturais que impedem uma esperança racional, e não narcótica, no futuro da economia e da sociedade portuguesas. O plano de resgate foi efetuado a partir de receitas do FMI, inadequadas para um País que não tem soberania monetária; as medidas de desvalorização interna (aumento da carga fiscal e perda de salários) não só não aumentam a competitividade como corroem o mercado interno e aumentam o desemprego (que poderá escalar até 20%); até a melhoria da nossa balança comercial poderá ser afetada por uma valorização do euro, caso os sinais de estabilização da ZE se aprofundem. O País precisaria, portanto, de recuperar a soberania sobre a emissão de moeda e a taxa de câmbio. A inflação e a desvalorização cambial podem ser dolorosas, mas necessários remédios, para combater a dívida e para aumentar a competitividade da nossa economia. Concordo com o diagnóstico, mas discordo da terapia. Nesta encruzilhada, Portugal depende sempre de outros. A "saída ordenada" da Zona Euro, proposta por JFA, parece-me mais improvável do que a perspetiva, tão difícil quanto necessária, do completar da UEM, com a legitimação democrática e constitucional de um verdadeiro governo europeu, dotado de orçamento próprio e de uma política económica comum, que complemente e corrija a ótica estritamente nacional dos governos estaduais. No aprofundamento federal da União encontraremos aliados em todos os países, incluindo na Alemanha. O regresso forçado a uma moeda própria é o que teremos de mais certo, se este Governo, dopado pela austeridade, continuar a confundir sonambulismo com determinação.


30/01/13

Os assentados de Milton Santos, prudentes a um passo da vitória: a resistência organiza-se, solidariedade precisa-se (9)


Chegou ontem à noite ao assentamento Milton Santos a notícia de que o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região decidiu favoravelmente a medida cautelar que pedia a suspensão da liminar de reintegração de posse do terreno. A ação, impetrada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), impede que a Usina Ester e o grupo Abdalla recorram ao uso de força policial para retirar as famílias do assentamento até que a questão da matrícula de propriedade do terreno seja resolvida.

O prazo para que as famílias evadissem o terreno iria se esgotar hoje. Por isso, a terça-feira foi, até à chegada da notícia, um dia de preparativos para a resistência. Militantes independentes e de diversas organizações, entre elas o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), chegavam para se somar às famílias, mas aguardavam ansiosamente toda e qualquer notícia vinda das instâncias judiciárias.

Paralelamente, as famílias organizavam conversas com o intuito de retomar a produção de alimentos, que já vinha parada desde que o processo de luta se intensificou com a notificação do despejo. Apesar da ameaça constante, os pequenos produtores entenderam, desde a última plenária realizada na ocupação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que era hora de rearticular as atividades, uma forma de não se deixar derrotar pelo clima de incerteza com que jogam a Usina e os agentes governamentais.

Ler esta peça completa no Passa Palavra.

A imprensa estatal egípcia em boas mãos

Fathi Shihab-Eddim, assessor presidencial de Morsi, encarregado da nomeação das direcções dos jornais que são "propriedade pública" no Egipto, declarava em 2010, e aparentemente não se retratou desde então, que o Holocausto foi um mito inventado pelos Aliados e pelos EUA durante a Segunda Guerra Mundial.

(Via Filipe Nunes Vicente)

Do "europeísmo manco" do BE segundo o Passa Palavra

Absolutamente prioritária a leitura do excelente artigo "De que serve um europeísmo manco?", assinado pelo colectivo do Passa Palavra, que a revista online do mesmo nome, hoje publica, contendo uma análise serena, mas sem contemplações, do "europeísmo manco" do BE, bem como das suas relações paradoxais com o PCP, geradoras de múltiplas e recorrentes injunções contraditórias ou duplos vínculos, sem dúvida não menos profusamente paralisantes.

Centrando-se embora na "questão europeia", o artigo tem ainda ocasião de recordar, de passagem, outros vícios de fundo que parecem, até prova (isto é, radical transformação interna) em sentido contrário, comprometer fatalmente a credibilidade das proclamações do BE quando tenta apresentar-se como força alternativa à economia política dominante.

Tudo isto faz com que me pareça útil retomar aqui, à laia de contributo e convite para o debate dos problemas absolutamente vitais abordados pelo Passa Palavra, parte de um post que aqui publiquei em Novembro passado —"…Para que serve, então, o BE?"— e cujas conclusões a leitura do texto "De que serve um europeísmo manco?" corrobora sob todos os aspectos mais relevantes.


(…) o BE distingue-se pela indefinição perante a questão europeia, o que, entre outros efeitos mais graves para o cidadão comum, equivale a uma auto-condenação à irrelevância numa matéria política fundamental.

O mal deve ter raízes profundas na história e no modo de existência actual do partido, porque reproduz, na realidade, a mesma indefinição que o caracteriza quanto às questões fundamentais da democracia e das alternativas à economia política dominante. Com efeito, ao mesmo tempo que denuncia as limitações do sistema representativo e que repudia o vanguardismo leninista, que leva o PCP a declarar-se como a direcção histórica e a consciência organizada dos trabalhadores, seu dirigente e seu guia, o BE rende-se na prática ao sistema representativo, organiza-se e hierarquiza-se em função das suas exigências, e não apresenta quaisquer propostas de democratização do exercício do poder alternativas — quer dizer, caracterizadas por lutas que visem, a começar pelo modo como se travam, a extensão da participação governante dos trabalhadores e cidadãos comuns nas deliberações e decisões que os implicam.

Para que serve, então, o BE? Dir-se-á que, apesar de tudo, talvez seja nas suas fileiras ou na sua área que se situam muitos que não se satisfazem nem com as propostas dos partidos de governo nem com as soluções autoritárias e hierárquicas de tipo, digamos assim, "leninista". Mas a justificação é fraca, sobretudo tendo em conta que, na actuação do BE, a recondução das aspirações democráticas difusas à cena política dominante, e à sua economia do poder, tende a primar — e, ao que parece, cada vez mais — sobre a busca de novos caminhos.



Discutir alternativas



A mais recente edição da revista Jacobin contém um artigo longo, mas muito interessante, intitulado The Red and the Black. Nele são discutidos os contornos do que poderia ser um sistema económico alternativo ao Capitalismo, bem como o processo de transição. São comparados vários sistemas económicos, incluindo de cariz centralista e participativos como Parecon.

Alguns extratos:

"Radicals have a habit of speaking in the conditional. Underlying all their talk about the changes they’d like to see in the world is the uneasy knowledge that our social system places rigid limits on how much change can be accomplished now. “After the revolution…” is the wistful, ironic preface to many a fondly expressed wish on the Left.

Why, then, are radicals so hesitant to talk about what a different system might look like? One of the oldest and most influential objections to such talk comes from Marx, with his oft-quoted scorn toward utopian “recipes” for the “cookshops of the future.” The moral of the quote, supposedly, is that a future society must emerge from the spontaneous dynamics of history, not from the isolated imaginings of some scribbler.

(...)

29/01/13

Ainda sobre o "escurinho": duas observações importantes

O teor racista da tirada de Arménio Carlos pelo Rick Dangerous:


«uma vez que a troika não traz ouro incenso e mirra, a única razão para a comparação é mesmo o facto de serem 3 e um ser preto. E por isso, o Arménio Carlos só se lembrou de fazer a comparação porque um deles é preto. E por isso, é uma comparação racista».

E uma lembrança muito oportuna do Party Program sobre a hipocrisia dos que defendem o Arménio Carlos da maneira mais pateta possível:

«No mínimo preocupante é também ver como pessoas que há menos de um ano acusavam os estivadores de ser o Einsatzkommando de Leixões por cantarem o hino nacional achem agora isto normal e uma tempestade num copo de água».

27/01/13

Um ponto no i do "escurinho" e outro no do alegado racismo de Arménio Carlos

Como saberão muitos dos poucos que me lêem, considero que a hegemonia do PCP e da direcção da CGTP é desastrosa e portadora de graves riscos, precisamente porque as suas concepções de alternativa e as formas de organização que praticam perpetuam a reprodução da hierarquia, da distinção entre governantes e governados, da dominação classista. Sendo assim, se admitirmos que o "escurinho" foi, na boca de Arménio Carlos, uma expressão de racismo — do que não estou, em abono da verdade, tão seguro como a Joana ou o Bruno —, o que nos deveria alarmar, mais do que o racismo de Arménio, seria a passividade da assembleia dos manifestantes. Com efeito, vai sendo tempo, se queremos de facto abrir caminho à autonomia e à igualdade democráticas, de deixarmos de achar natural e inocente a "servidão voluntária", a menoridade ou a aquiescência dos dominados aos representantes sindicais ou a outros legítimos superiores. E o ponto é que, se Arménio Carlos foi racista, então foi-o também, pelo menos por cumplicidade, toda a assembleia que não o apeou instantaneamente do palanque ao ouvir a sua profissão de racismo.

Sobre os estragos do mau tempo


Conversa com Stéphane Julien y Marie Xaintrailles, publicada na revista La Bataille socialiste (http://www.bataillesocialiste.wordpress.com) e, em Espanha, na revista Transversales (http://www.trasversales.net/index.php3 )

¿Los movimientos indignados son una “nueva forma de lucha de clases”? Son, en verdad, una forma de lucha vinculada al periodo actual de la lucha de clases. Estos movimientos despiertan a la sociedad y a los explotados más conscientes ante los peligros del movimiento del capitalismo, ante la necesidad de superar la clásica letanía de la reivindicación inmediata para plantearse preguntas sobre el porvenir de la sociedad.
Antes de abordar estos nuevos movimientos y la situación actual, Charles Reeve aborda las luchas obreras en China y la crisis capitalista actual en una amplia perspectiva, en continuidad con la fase que ha sido denominada “keynesiana”, planteándose en qué modo este nuevo periodo en el que hemos entrado va a implicar una modificación cualitativa de las luchas sociales.

Has escrito varios libros sobre el capitalismo de Estado chino. China se ha convertido en una potencia comercial en el capitalismo mundializado. Algunos lo explican por la no convertibilidad de su moneda y su régimen represivo. Sin embargo, hay luchas obreras o, al menos, eso se dice. En ausencia de sindicalismo independiente, ¿son siempre huelgas salvajes o la situación es más compleja? ¿Son siempre luchas reducidas a una sola empresa o existen formas de coordinación o de extensión a sectores productivos o ciudades?

Para empezar… puede haber sindicalismo independiente y huelgas salvajes. Una huelga es salvaje en relación a la estrategia de la burocracia sindical, aunque ésta sea independiente de los partidos. Yun sindicato independiente que funciona según el principio de la negociación y la cogestión se opone a toda acción autónoma de los asalariados que pueda molestar a su naturaleza “responsable” y “realista”. La huelga salvaje es una acción que muestra que los intereses de los trabajadores no coinciden necesariamente con los objetivos del sindicato, institución negociadora del precio de la fuerza de trabajo. A la inversa, ha habido en la historia del movimiento sindical, en EEUU y Sudáfrica por ejemplo, huelgas salvajes por objetivos reaccionarios, a veces incluso racistas.
En China la situación es, ciertamente, compleja. El sindicato único (ACFTU, All China Federation of Trade Unions) está ligado al partido comunista y ha jugado el papel de policía de la clase obrera durante el maoísmo y después. Después de la “apertura” (al capitalismo privado) se ha convertido en una gigantesca máquina de gestión de la fuerza de trabajo al servicio de las empresas, incluyendo a las empresas extranjeras en las Zonas Económicas Especiales. Está totalmente desacreditado entre los trabajadores. Se le percibe como la policía y como un apéndice de la dirección de las empresas. Desde hace algunos años,

Nova etapa na luta dos assentados de Milton Santos: a resistência organiza-se, solidariedade precisa-se

A nova fase da luta dos assentados de Milton Santos continua a ser noticiada e analisada no Passa Palavra

25/01/13

Uma revolução cada vez menos Revolucionária

Manifestantes exigem "pão, liberdade e justiça social" no aniversário da revolução egípcia.

A evolução da situação no Egipto constitui um exemplo típico dum processo potencialmente revolucionário das estruturas políticas e sócio-económicas existentes, que progressivamente vai-se reduzindo a uma mera troca de personagens no seio duma oligarquia que mantém intactos os instrumentos que utiliza para oprimir.

Morsi Slams New Lid on Labour Rights

"Workers played a pivotal role in the mass uprising that led to former Egyptian president Hosni Mubarak’s downfall. Now, two years on, the same labour movement that helped topple the Arab dictator is locked in a stalemate with the government and employers over long-denied labour rights and untenable working conditions.(…)
 

Trabalhadores dos transportes de Atenas desafiam a requisição civil

Polícia de choque invade metro de Atenas para acabar com greve (Rádio Renascença):
Ainda não tinha amanhecido quando a polícia de choque grega entrou no metropolitano de Atenas e avançou sobre os trabalhadores que desafiavam a ordem do Governo de acabar com a greve e regressar ao trabalho. (...)

O Governo grego determinou, na quinta-feira, a requisição civil para terminar com a greve que há uma semana estava a provocar sérias perturbações no trânsito da capital grega.


Os trabalhadores do metro decidiram paralisar, porque recusam o esquema de salários unitário decidido para o sector público, que baixará as suas remunerações. Em solidariedade, os trabalhadores dos caminhos-de-ferro e dos autocarros marcharam esta sexta-feira pelas ruas de Atenas.

De acordo com a lei de emergência, os trabalhadores podem ser detidos e ficar na prisão até cinco anos se desobedecerem a uma requisição civil.
Athens: all public transport on strike despite ‘civil mobilization’, Jan 25/2013 (Keep Talking Greece):
No public transport means, no blue buses, trolley, metro, tram, urban train HSAP and proastiakos are expected to operate tomorrow Friday, January 25th 2013, despite the government decision to proceed to ‘civil mobilization’ of Athens metro workers – or better say: because of that…


The strike was called by several workers’ unions including the Workers’ Centre of Athens, a union of retail workers under the private sector unions umbrella GSEE. Also retail workers will be on work stoppage 12 o’ clock noon until 4 p.m.

More strike have been announced for the next days by:

Proastikos: on strike from Friday, Jan 25, until Monday, Jan 28.

Blue buses: on strike form Friday, Jan 25, until Tuesday, Jan 29.

Meanwhile the Transport Ministry send 2,500 ‘civil mobilization orders’ to police assigned to distribute them to all STASY workers (Athens Metro, urban train and tram). Metro workers declared they would not accept the orders.

According to the law, those refusing to comply with the civil mobilization orders will be detained and appear before a court judge.

23/01/13

Do direito(s) dos iguais à política da paisagem

O post do camarada Miguel Madeira aqui publicado há dias foi ocasião para mim de algumas reflexões preliminares, que talvez possam contribuir para redefinir o debate em torno, não tanto do "animalismo", que me parece dialogicamente pouco prometedor, como da "questão ecológica". Trata-se, muito esquematicamente, do seguinte.


Só a igualdade - mormente no exercício do poder e no governo colectivo - garante e institui direitos iguais (entre os que se instituem como iguais). Os restantes direitos, são-no de condições ou espécies protegidas, e a atribuição que desses direitos seja feita aos não-iguais confirma a sua situação de menoridade temporária (crianças) ou inferioridade persistente (animais ou grupos segregados e submetidos a um governo de cujo exercício são excluídos).

A primeira tarefa da democratização, em matéria de direitos e do direito, é pois assegurar a igualdade dos cidadãos no exercício (deliberações, decisões, etc.) do poder que os institui como sujeitos e objectos de direito(s).

Tal não significa que, sendo-nos interna, carne da nossa carne, a paisagem do que nos rodeia, seja indiferente o modo como nos relacionamos com o que nela antecede a sociedade e a história ou resta aquém e além delas e que decerto seria catastrófico para nós tratarmos indiscriminada e globalmente em termos não mais do que utilitários ou instrumentais.

Com efeito, recordando uma intuição de Merleau-Ponty, poderíamos dizer que a paisagem acima referida não é sujeito nem objecto, mas o seu tecido conjuntivo, no qual somos, os humanos, um acontecimento ou criação singular, e do qual somos parte - e ser parte significa aqui recriar activamente, saibamo-lo ou não, aquilo em que participamos.

Enfim, tudo isto nos levaria muito longe, mas creio que é a partir do que deixo enunciado como ponto prévio que uma sociedade democrática discutiria o problema, ou que devem discuti-lo os que estão apostados na democratização dos direitos e do direito enquanto instituição social-histórica incontornável.

Compêndio da ganância



Neste relatório, da Agência Europeia do Ambiente, e noticiado no jornal Público, é catalogado de modo detalhado um extenso rol de situações em que a ganância inerente ao sistema de exploração que nos oprime, vulgo Capitalista, resultou em desastres ambientais e para a saúde humana. Muitos dos quais poderiam ter sido evitados caso os primeiros sinais do que aí vinha tivessem levado à implementação do princípio da precaução. Em vez disso, o que se assistiu foi a campanhas de encobrimento, intimidação e propaganda. Está provado. Mas nada mudou. Os mesmos actores e as mesmas técnicas continuam a actuar e a ser utilizadas impunemente. Só mesmo uma mudança radical de sistema sócio-económico, que coloque o bem-estar colectivo como objectivo primeiro e último, definido democraticamente por todos os envolvidos, poderá permitir escapar às novas catástrofes que se avizinham.

Assentados de Milton Santos ocupam Instituto Lula em São Paulo : a resistência organiza-se, solidariedade precisa-se (6)

Os assentados do Milton Santos e seus apoiadores iniciaram uma nova etapa na luta para evitar o despejo de suas terras e suas casas. Além de manterem ocupado há uma semana o prédio do Incra-SP, os manifestantes ocuparam também o prédio do Instituto Lula, no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo, com o intuito de exigir que o ex-presidente, responsável por assentar as famílias em 2006, intervenha junto ao governo federal para que seja assinado o decreto de desapropriação por interesse social da área. (Via Passa Palavra)

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Greve da fome pelos assentados de Milton Santos: resistência organiza-se, solidariedade precisa-se (5)

Mais informações sobre a luta do assentamento, via Passa Palavra.

Um grupo de ativistas acaba de iniciar uma greve de fome, em favor da luta do assentados do Milton Santos, na frente do Gabinete da Presidência da República, situado na avenida Paulista, em frente ao metrô Consolação.

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22/01/13

Da panela para o lume



Este post do Nuno Teles é muito importante. Chama a atenção para uma estratégia que estará a ser cozinhada pelo (des)governo português com o objectivo de evitar uma segunda intervenção da troika a partir de meados de 2014, que inevitavelmente levaria à queda deste (des)governo. Tal estratégia passa pelo re-financiamento da dívida pública através de emissões de títulos do tesouro indirectamente apoiadas pelo Banco Central Europeu (BCE), por via do seu programa de re-compra de dívida pública. Acontece que este "apoio" arrasta consigo a obrigatoriedade de implementação dum "programa de ajustamento" delineado pelo BCE. Ora, tendo em conta as posições do BCE relativamente às dos seus parceiros de troika (FMI e Comissão Europeia), tal programa só poderá consistir no aprofundamento das medidas que estão a destroçar os laços sociais e económicos que nos ligam, lançando milhares no desespero.

21/01/13

O "final de semana" dos assentados de Milton Santos: a resistência organiza-se, solidariedade precisa-se (4)

Via Passa Palavra, mais informações sobre a ocupação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pelos assentados de Milton Santos.

A moeda que vale um milhão de milhões de dólares



Discute-se por estes dias nos EUA a possibilidade do governo emitir uma ou mais moedas (em platina) com um valor facial de um milhão de milhões de dólares cada uma. De seguida depositaria essa(s) moeda(s) na Reserva Federal, na prática obrigando esta a pagar qualquer credor do governo dos EUA até ao montante assim depositado. Esta via pouco ortodoxa resulta do facto de apenas a Reserva Federal ter o direito de criar dólares sob a forma de notas ou bits (ie. electronicamente), sobrando para o governo dos EUA apenas a capacidade de emissão de dinheiro sob a forma de moedas (em montante regulado pelo Congresso dos EUA, excepto no que respeita à emissão de moedas de platina, que habitualmente possuem carácter apenas comemorativo). O governo dos EUA também pode emitir títulos de dívida, mas na prática apenas até um certo montante, regulado pelo Congresso dos EUA. Como o governo dos EUA possui um déficit operacional, a sua dívida tem aumentado continuamente, originando complexas batalhas políticas no Congresso, que tem uma das câmara (a dos Representantes) dominada pelos eleitos pelo Partido Republicano, sempre que o montante máximo efectivo de endividamento (debt ceiling) autorizado ao governo precisa de ser aumentado (o que terá de acontecer daqui a poucos meses).

O que mais interessa salientar nesta situação é o contraste entre a capacidade ilimitada de emissão de dinheiro por parte da Reserva Federal, entidade parcialmente controlada por representantes dos bancos (privados) com sede nos EUA, e os limites existentes a essa emissão por parte do governo dos EUA, em princípio representante do interesse público. No seio da União Europeia (UE), se por um lado o Banco Central Europeu (BCE) é formalmente controlado por representantes dos governos dos Estados da UE que participam na união monetária por via do euro, por outro, segundo os tratados que constituem esta união, não só não pode comprar directamente dívida emitida por esses governos (algo que a Reserva Federal pode relativamente a dívida emitida pelo governo dos EUA) como não admite qualquer possibilidade de emissão de moeda legal (legal tender) por parte desses governos. Portanto, numa situação em que o BCE se torne, de facto, representante dos interesses do sistema bancário (privado), como na verdade sempre aconteceu desde a sua constituição, o controlo efectivo do sistema financeiro e económico, como resultado da capacidade de emissão de moeda (directamente, ou sobre a forma de dívida), acaba por estar mais firmemente nas mãos da oligarquia europeia do que no caso dos EUA.

O que está em causa é relembrado de modo muito simples no artigo referido no início deste post: 

"(...)Lincoln was assassinated, however and,the greenback program was quickly discontinued. Repeated popular attempts to revive it failed. In 1872, according to Lynn Wheeler in Triumphant Plutocracy: The Story of American Public Life from 1870 to 1920, New York bankers sent a letter to every bank in the United States, urging them to fund newspapers that opposed government-issued money. The letter read in part:

"Dear Sir: It is advisable to do all in your power to sustain such prominent daily and weekly newspapers . . . as will oppose the issuing of greenback paper money, and that you also withhold patronage or favors from all applicants who are not willing to oppose the Government issue of money. Let the Government issue the coin and the banks issue the paper money of the country. . . . [T]o restore to circulation the Government issue of money, will be to provide the people with money, and will therefore seriously affect your individual profit as bankers and lenders."

Bank-created money (which now includes electronic money) could be rented at a profit to the people. The “people’s money” was limited to coin, which today composes less than one ten-thousandth of M3, the broadest measure of the money supply.

Lincoln’s assassination and the abandonment of debt-free greenbacks effectively marked the exchange of one type of slavery (race-based) for another (wage- and debt-based). As a result, the American government and American people are so heavily mired in debt today that only a radical overhaul of the monetary system can free us."

"Ecologistas" e "defensores dos direitos dos animais" - não é a mesma coisa

É possivel que, nos próximos tempos, eu escreva mais alguma coisa sobre estes assuntos (ou talvez não, porque muito provavelmente haverá temas mais urgentes e importantes nos próximos tempos).

Mas, como preâmbulo ao que eu talvez vá escrever, vou tentar esclarecer um ponto em que por vezes me parece haver alguma confusão - "ecologista"/"ambientalista" (eu gosto mais do primeiro nome, embora o segundo esteja mais na moda) e "defensor dos direitos dos animais" (ou mesmo do "bem-estar animal") não é a mesma coisa. Inclusive, na polémica sobre o Zico, li algumas referências a "ecologistas", quando, que eu saiba, nem a Liga para a Protecção da Natureza, nem a Quercus, nem as outras associações do género se pronunciaram sobre o assunto.

Bem, e então qual é a diferença? A mim, parece-me que a grande diferença é que os "ecologistas" são "colectivistas" e os "defensores dos direitos dos animais" são "individualistas": isto é, os "ecologistas" preocupam-se com a preservação da natureza, de determinados habitats, das espécies ameaçadas, etc.; já os "defensores dos direitos dos animais" tendem a preocupar-se com o bem-estar e/ou com os "direitos" de cada animal como individuo. Em principio, um "ecologista" não terá qualquer problema com a morte de um animal que não pertença a uma espécie em perigo, coisa que muitos "defensores dos direitos dos animais" (que ao longo do post designarei como "animalistas") abominarão.

Diga-se que a posição "animalista" tem contradições lógicas que a "ecologista" não tem - é perfeitamente possivel defender a preservação dos linces enquanto espécie e aos mesmo tempo a dos coelhos enquanto espécie, etc.; afinal, a preservação das presas é condição necessária para a preservação dos predadores, e normalmente a existência de predadores não põe em perigo a existência das presas enquanto espécie. Já defender os "direitos" de cada lince individual e ao mesmo tempo de cada coelho individual levanta contradições filosóficas, já que a sobrevivência de cada lince implica o sacrifício de coelhos; os "animalistas" tentam resolver o problema argumentando que só os humanos têm que respeitar os "direitos dos animais", mas isso é expulsar a "excepcionalidade humana" pela porta da frente e voltar a metê-la em casa pela porta das traseiras.

Além disso, os "animalistas" têm que fazer uma distinção entre "animais dotados de direitos" e "outras coisas que não tem direitos", coisa que a posição "ecologista" (mais preocupada com o equilíbrio natural no seu todo) não tem fazer - essa distinção parece fácil comparando um chimpanzé com um rosmaninho, mas já é mais complicada se formos comparar uma esponja com uma amiba. P.ex., há uns tempos, o esquerda.net publicou um artigo sobre os "direitos dos animais" em que a autora, usando uma taxonomia de escola primária de meados do século passado, dizia que animais eram todos os seres que não fossem vegetais nem minerais - ficamos assim a saber que fungos e bactérias (que não são vegetais nem minerais) são "animais" (essa "definição" também implicaria considerar os protozoários como "animais", mas isso talvez seja menos disparatado, já que efectivamente há semelhanças entre protozoários e animais - por alguma razão têm lá o "zo").

Finalmente, há uma questão em que as alas mais radicais do "ecologismo" e do "animalismo" tendem, na prática, a ser opostas: a glorificação que alguns ecologistas radicais fazem das sociedades de caçadores-recolectores pré-agrárias com a apologia que, cada vez mais, os "animalistas" fazem do vegetarianismo. Em teoria essas duas posições não são contraditórias (poderíamos ter uma sociedade pré-agrária que fosse apenas recolectora, não caçadora, alimentando-se apenas de frutos silvestres) mas na prática são-no, já que objectivamente a passagem das sociedades primitivas às sociedades agrárias tornou-nos muito mais vegetarianos.

Dando um exemplo concreto, nenhum "vegan" concordaria com Edward Abbey (considerado por muitos como o inspirador do movimento ecologista radical Earth First!) quando este escreveu "The real work of men was hunting meat. The invention of agriculture was a giant step in the wrong direction, leading to serfdom, cities, and empire."

[Na prática, suspeito que muitas mais espécies animais foram extintas por agricultores quase-vegetarianos do que por caçadores carnívoros; afinal, estes últimos têm interesse em preservar as suas presas e por isso tendem a estabelecer regras comunitárias para impedir a caça ou pesca excessivas, enquanto os primeiros não têm qualquer problema em destruir os habitats selvagens para expandir as suas culturas - basta ver quem quase extinguiu o bisonte norte-americano: não foi o povo que os comia]

18/01/13

Breve notícia sobre "Epílogo e Prefácio (um testemunho presencial)" de João Bernardo


Há não muito tempo ainda, publiquei neste blogue, uma chamada de atenção para um texto excepcional do João Bernardo, intitulado Ponto Final. Nessa altura, não chegara ainda ao meu conhecimento um texto anterior, de 2009, publicado na revista História Social da Unicamp, Epílogo e Prefácio (um testemunho presencial). Mas acabo de o descobrir ao acaso de uma pesquisa bibliográfica, empreendida entre duas páginas de uma tradução de Diderot, na noite de ontem, e apresso-me, como quem cumpre uma obrigação inequívoca, a recomendar ao viandante que visite estas páginas a sua leitura com o vagar que baste, apesar do entusiasmo que espero que o tome, que o caso não é, como sói dizer-se, para menos. Aqui fica uma pequena amostra para quem duvide:

(…) no capitalismo desenvolvido as derrotas nunca são um esmagamento, mas uma recuperação, operada mediante a perversão dos temas da luta e a inversão do funcionamento das instituições nascidas nessa luta. Os trabalhadores haviam reivindicado o fim do monopólio do conhecimento técnico pelos gestores e haviam mostrado na prática que eles mesmos eram capazes de gerir, começando por gerir as lutas desencadeadas fora dos sindicatos e depressa passando a administrar empresas ocupadas, que podiam mesmo, como em Portugal em 1974 e 1975, representar grande parte do aparelho produtivo de um país. E o que sucedeu? O capitalismo mostrou-se capaz de inserir essa capacidade de gestão nos mecanismos de exploração. Resumido ao essencial, foi assim que se passou do fordismo ao toyotismo. Por seu lado, os estudantes haviam reivindicado a extinção da velha universidade e o fim da divisão clássica do conhecimento, a abertura do ensino superior à classe trabalhadora. E o que sucedeu? Extinguiram-se os últimos traços da universidade de elite e os gestores do sistema académico deram-nos uma universidade de massas vocacionada para ministrar cursos técnicos a uma mão-de-obra qualificada. O trágico é que não foram só os outros a fazê-lo, fomos nós mesmos. Os engenheiros e os administradores de esquerda, que haviam sofrido a influência do movimento estudantil radical, contribuíram poderosamente, nalguns casos decisivamente, para planificar a reorganização toyotista, tal como os professores de esquerda, em cuja cabeça ecoavam os temas da contestação estudantil, auxiliaram a reforma capitalista da universidade, quando não a superintenderam.

É ambíguo falar de derrota e de vitória, porque as há de infinitas variedades. É-se derrotado de uma dada maneira e os vencedores triunfam de uma dada maneira, por isso a vitória de uns tem indelével a marca da derrota dos outros, e sucede às vezes que o peso de certos vencidos sufoque os vitoriosos. Mas o que irremissivelmente perece são os sonhos e os objectivos que não foram realizados e animaram a luta até ela ser subjugada. Hoje restituíram-nos a utopia como vómito. E o que num plano organizativo é o virar do avesso de instituições que, nascidas na luta, passaram a servir o seu exacto contrário, no plano da linguagem é a adulteração das palavras. O lucidíssimo Jean-Paul Marat dedicou um dos capítulos de Les Chaînes de l’esclavage a esta perversão semântica, que nunca dá às coisas os seus verdadeiros nomes. E enfileiradas as palavras, temos a adulteração das ideias. Que Foucault e o multiculturalismo sejam entronizados como expressão directa do Maio de 68 é uma operação do mesmo teor da executada pelo marechal Floriano quando mandou dar o seu nome à cidade cuja rebelião ele mesmo aniquilara.

É, com efeito, quase impossível exagerar a importância deste escrito que enuncia e propõe tudo o que é necessário enunciar e propor em termos políticos como alternativa ao processo de barbarização com o qual o João Bernardo mostra que, para onde quer que nos viremos, estamos efectivamente confrontados. O inventário, não exaustivo, mas mais do que suficiente, que este "testemunho presencial" consegue o prodígio de condensar nuns quantos parágrafos, propõe-nos qualquer coisa como a pergunta "Senão agora, quando?", que serve de título ao singular "romance histórico" de Primo Levi, conferindo-lhe um carácter de urgência, bem vistas as coisas, e presentes embora todas as distinções a fazer, do mesmo teor. É que, se podem ser múltiplos os desfechos que virão a consumar esse processo de barbarização, caso não surjam forças capazes de interromper o seu desenvolvimento auto-sustentado, não deixa também de ser verdade, como a lucidez do João Bernardo nos obriga a reconhecer mais claramente, que não há alternativa à legião das barbáries possíveis que não passe pela democratização das actuais relações de poder, e pela reactivação na acção da nossa existência quotidiana e comum da vontade — só ela afinal e entre todas verdadeiramente razoável — de assumirmos, enfim, as nossas responsabilidades governantes. Ou se se preferir, como Sophia quis dizê-lo, "o gesto criador (…) [d]o nosso rosto voltado para o dia".

Assentamento Milton Santos: a resistência organiza-se, solidariedade precisa-se (3)

Representantes do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] compareceram com a tarefa de arrefecer os ânimos da luta, mas a visita parece ter tido efeito contrário

 O Passa Palavra continua a difundir grande quantidade de informações sobre a luta do assentamento Milton Santos, e a multiplicar os apelos à solidariedade, esforçando-se ao ao mesmo tempo por promover a reflexão sobre a importância das paradas directa e indirectamente em jogo.

 Juntamente com o link para mais uma peça informativa e crítica do colectivo (permitindo aceder também a outros textos), aqui fica um vídeo com o depoimento de um dos assentados.

Emenda: Onde se lê, no último parágrafo do texto,  "depoimento de um dos assentados" deverá antes ler-se: "interpelação por um dos assentados do director do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)".


 

17/01/13

Democracia y Punto



Democracia y Punto é como se chama o programa do Partido del Futuro, também conhecido por Partido X. Recém-constituído, assume-se como veículo para alargar a reflexão sobre o sistema político na sequência das muitas discussões havidas no seio dos movimentos que resultaram das manifestações iniciadas a 15 de Maio de 2011 em Espanha. O facto do colectivo de pessoas que o animam terem decido assumir-se como partido político, já legalmente registado, é também uma forma de pressão sobre o sistema, ameaçando-o com uma dissolução por dentro (ao mesmo tempo que a ameaça de dissolução por fora se mantém) caso não se reforme no sentido pretendido.

Para já Democracia y Punto contém quatro medidas:

Referendo obrigatório e vinculativo
Elaboração participativa de legislação
Direito ao voto real e permanente
Transparência na gestão pública

Algumas são semelhantes a propostas que apresentei antes: Referendo por Iniciativa Popular e Quatro Propostas para uma Democracia (mais) Real.

A partir de 29 de Janeiro, e até 10 de Fevereiro, existirá um website onde poderão ser propostas alterações às medidas que constam de Democracia y Punto. Uma estratégia de acção subsequente já está delineada. A dinâmica é essencial para a construção duma alternativa capaz de desafiar e mudar o sistema.

Assentamento Milton Santos: a resistência organiza-se, solidariedade precisa-se (2)

A ocupação do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agraria] em defesa do assentamento Milton Santos teve seu segundo dia marcada por atividades político-culturais. Mais informação sobre a luta em curso em "Incra ocupado: 2º dia", no Passa Palavra.

16/01/13

A ordem reina na comunicação social: Alfredo Barroso "removido" da SIC Notícias


Aqui fica, sem comentários — pois não me parece ser mister entendimento melhor do que o comum para tirar as conclusões que se impõem — o texto que, no Traço Grosso, o próprio Alfredo Barroso assina a propósito da sua "remoção" da SIC Notícias.

«REMOVIDO» DA SIC NOTÍCIAS

Caros amigos (poucos), simpatizantes (alguns) e conhecidos (muitos),
.
CUMPRO o «doloroso dever» de participar – para gáudio de quem detesta as minhas opiniões e não me pode ver nem pintado – que fui, no dia 2, «removido», por telefone, do programa «Frente-a-Frente» da SIC Notícias, no qual participava desde o ano de 2004.

Digo «removido», porque me parece ser um bom compromisso entre o termo «dispensado» (politicamente correcto) e os termos «despedido» ou «corrido» (politicamente incorrectos). Justificações da «remoção»:

i) necessidade de «renovar» a lista de «paineleiros», naturalmente «remoçando-a» (presumo que um velho rezingão como eu será substituído por um daqueles moçoilos geniais que agora dirigem o PS);

ii) deixar de pagar as participações no «Frente-a-Frente» (150 euros cada uma), porque a SIC Notícias está paupérrima e passará a aceitar apenas «voluntários» (claro que tiveram o cuidado de não me perguntar se eu queria ser um deles…).

Terminam assim 17 anos consecutivos de colaboração com órgãos de comunicação social do grupo «Impresa»: oito anos e meio como cronista do EXPRESSO, de que fui removido no auge da invasão do Iraque; outros oito anos e meio como colaborador da SIC Notícias, de que fui removido no auge da «guerra» declarada há poucos dias pelo «megafone» de Vitor Gaspar, Pedro Passos Coelho. Suponho que é uma «guerra» contra a esmagadora maioria dos portugueses, que continuam a empanturrar-se de bifes todos os dias…

Mas é claro que não deixa de ser exaltante imaginar a satisfação que esta notícia irá causar em figuras tão proeminentes como a augusta vice-presidente (da AR) Teresa Caeiro, o austero advogado José Luís Arnaut ou o venerável empresário Ângelo Correia – que se recusavam a enfrentar-me há já alguns meses com o beneplácito dos responsáveis pelo programa.

Não ignoro, todavia, que o gáudio não se confina ao chamado «arco do poder», nos seus três tons habituais: cor de laranja azeda, azul cueca e cor-de-rosa fanada. Também vai entrar de roldão em alguns órgãos de comunicação social do regime, politicamente correctos, onde não faltam opinadores tão chatos ou peneirentos como «intocáveis», e digníssimos «pilares» do statu quo que não apreciam dissidências políticas nem franco-atiradores (a não ser quando haja escândalo que aumente as audiências e/ou os leitores).

A única coisa que se me oferece dizer, sem me rir, neste momento, é a seguinte: quando se perde poder ou a aparência dele, por mais ínfimo que seja; quando não se tem a protecção de um partido, ou de uma «igreja», ou de uma associação «cívica» semi-clandestina, ou de um grupo de pressão, ou de um «sacristão», ou de um «patrão», ou de um «padrinho», etc., etc., etc. – o «lonesome cowboy» escusa de armar ao pingarelho, e não tem outro remédio se não o de meter a viola no saco e ir para a caça aos gambozinos.

Saudações democráticas,

Alfredo Barroso 

O poder real da familia real inglesa

Secret papers show extent of senior royals' veto over bills (The Guardian):
The extent of the Queen and Prince Charles's secretive power of veto over new laws has been exposed after Downing Street lost its battle to keep information about its application secret.

Whitehall papers prepared by Cabinet Office lawyers show that overall at least 39 bills have been subject to the most senior royals' little-known power to consent to or block new laws. They also reveal the power has been used to torpedo proposed legislation relating to decisions about the country going to war.

The internal Whitehall pamphlet was only released following a court order and shows ministers and civil servants are obliged to consult the Queen and Prince Charles in greater detail and over more areas of legislation than was previously understood.

The new laws that were required to receive the seal of approval from the Queen or Prince Charles cover issues from higher education and paternity pay to identity cards and child maintenance. (...)

"This is opening the eyes of those who believe the Queen only has a ceremonial role," said Andrew George, Liberal Democrat MP for St Ives, which includes land owned by the Duchy of Cornwall, the Prince of Wales' hereditary estate. (...)

The guidance states that the Queen's consent is likely to be needed for laws affecting hereditary revenues, personal property or personal interests of the Crown, the Duchy of Lancaster or the Duchy of Cornwall.

Consent is also needed if it affects the Duchy of Cornwall. These guidelines effectively mean the Queen and Charles both have power over laws affecting their sources of private income.

The Queen uses revenues from the Duchy of Lancaster's 19,000 hectares of land and 10 castles to pay for the upkeep of her private homes at Sandringham and Balmoral, while the prince earns £18m-a-year from the Duchy of Cornwall.

O caso Aaron Swartz





[Via Esquerda Republicana]

15/01/13

Assentamento Milton Santos: a resistência organiza-se, solidariedade precisa-se

Prolongando o Apelo à Solidariedade ontem divulgado, aqui fica o link para mais um artigo do Passa Palavra sobre o assentamento Milton Santos (o artigo contém vários links que dão acesso a mais informações e documentos).


Cerca de 120 pessoas, entre assentados e apoiadores do Assentamento Milton Santos, ocuparam um pouco depois das 4 horas da manhã do dia 15 de janeiro o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agraria) na Rua Doutor Brasílio Machado, 203, Santa Cecília, na região central de São Paulo. Foram estendidas lonas e faixas na entrada do prédio e os funcionários que chegavam para trabalhar estavam sendo dispensados. Perto das 8h começaram a chegar os primeiros funcionários do corpo técnico do Incra, que também foram impedidos de entrar.

Os assentados já estenderam seus colchões e pertences em um andar do prédio.

Já há seis meses as famílias estão convivendo com a insegurança, diante da ameaça de perderem suas casas e, ao contrário do que aconteceu em outros momentos, desta vez a posição dos manifestantes é manter-se em ocupação até que a presidenta Dilma assine o decreto de desapropriação.

Também acompanham a ocupação alguns representantes do acampamento Luiz Gustavo, situado na região de Colômbia, próximo a Barretos. Eles exigem que o Incra acelere o processo de indenização do terreno, sob o risco de 110 famílias serem desalojadas nos próximos dias.

Atualizações

As circunstâncias da ação de hoje

A ação de hoje acontece como tentativa de estabelecer um canal de pressão mais direto sobre o governo federal.

Apesar de o Incra vir sofrendo um processo de enfraquecimento de suas funções, a própria mudança de orientação na prática de reforma agrária do governo coloca este órgão no centro das atenções.

*

A ocupação do prédio mantem-se total por prazo indeterminado. Substituindo a sua atividade ordinária, outras estão sendo pensadas com o intuito de estreitar os laços com outras organizações e parceiros na cidade de São Paulo. A idéia é abordar a questão do Assentamento Milton Santos dentro de um contexto mais amplo, vivenciado por outras experiências de luta social, marcado pelo avanço das formas de expropriação da classe trabalhadora.

Ler mais

14/01/13

Apelo de solidariedade às famílias do assentamento Milton Santos


Aqui fica, via Passa Palavra, um apelo à solidariedade com a comunidade do assentamento Milton Santos (São Paulo, Brasil), cuja conclusão se sublinha: Apelamos para que apoiadores da causa, jornalistas e observadores de direitos humanos voltem a sua atenção para o caso e não deixem que outra barbárie se repita.


14 de janeiro de 2013

A comunidade do assentamento Milton Santos vive uma situação urgente e extremamente delicada.

O assentamento Milton Santos é uma comunidade consolidada há 7 anos, por 68 famílias que batalharam na luta pela reforma agrária e construíram suas casas e suas vidas mantendo plantação e produção de alimentos na região de Americana, São Paulo. No entanto, desde julho de 2012, os moradores do Milton Santos vêm sofrendo pressões para saírem das terras nas quais foram legalmente assentados pelo presidente Lula e pelo Incra, em 23 de dezembro de 2005.

Em meados do ano passado, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) foi intimado a cumprir uma reintegração de posse solicitada pela família Abdalla, antiga proprietária do terreno que teve parte de sua propriedade confiscada, na década de 1970,  por conta de dívidas que mantinha com o Estado. Ignorando o longo e doloroso processo de consolidação da comunidade de pequenos agricultores – que conta inclusive com apoio de diversos programas governamentais – o Desembargador Federal Luiz Stefanini autorizou a ordem de despejo.

Desde então, várias tentativas se seguiram no sentido de reverter a situação. Conversas com representantes do governo e ações de protesto foram realizadas, mas nenhuma delas trouxe a garantia que as famílias precisam para voltarem às suas vidas e continuarem a sua produção.

No início desse ano, no dia 10 de janeiro, o Incra foi oficialmente comunicado da decisão judicial, que estabelece o prazo de 15 dias para as famílias se retirarem do terreno. Conforme o documento, a partir do dia 24 de janeiro a ação de despejo pode ser executada com o uso da força policial. E, de acordo com o histórico da região, é muito provável que esta ação seja feita de forma altamente truculenta.

Os assentados não têm nenhuma alternativa, por isso prometem lutar até as últimas consequências para que possam continuar vivendo tranquilamente em suas casas, com suas plantações, na comunidade onde já estão há 7 anos e pela qual empenharam toda a vida. Por isso, reivindicam que a presidenta da república, Dilma Rousseff, assine o decreto de desapropriação da área por interesse social, a única medida que resolveria o problema de forma definitiva.

A situação no local é extremamente tensa. É urgente difundir o que está acontecendo com o assentamento Milton Santos e apoiar a luta dessas famílias que correm o risco de serem jogadas na rua a partir do dia 24 deste mês. Apelamos para que apoiadores da causa, jornalistas e observadores de direitos humanos voltem a sua atenção para o caso e não deixem que outra barbárie se repita.

Saiba mais sobre o caso:


assentamentomiltonsantos@gmail.com

www.assentamentomiltonsantos.com.br

http://www.facebook.com/AssentamentoMiltonSantos


Coletivo de Comunicação do Assentamento Milton Santos

12/01/13

"Separados" escreve-se "tudo junto" - I

Que a desmobilização da classe trabalhadora se operava em torno de princípios de fragmentação colectiva no campo político e simbólico-ideológico já se sabia. Como se verá, complementarmente ao seu fraccionamento soma-se uma reinserção dessa classe social em novos moldes sociabilitários e comunitários. Portanto, o processo de retracção política, social e cultural da classe trabalhadora nas últimas décadas é aqui perspectivado à luz dos processos de fragmentação e de unificação numa comunidade de práticas empreendedoristas.

A primeira parte deste artigo pode ser lida aqui.

O irracionalismo e as campainhas de Pavlov: um exemplo


 
Nos últimos dias ocorreu no 5 dias mais uma polémica um tanto ou quanto paradigmática de sectores da esquerda portuguesa. A propósito de um concurso de blogues, o Renato Teixeira apelou ao voto naquele blog recorrendo a um vitral com Marx, Engels, Lenine e… Trotsky. Não vou comentar a figura do Trotsky que aparte a sua criatividade nos primeiros anos do século XX (vd. primeira versão da revolução permanente) e da épica "História da Revolução Russa", não me inspira propriamente admiração ou simpatia. Aliás, para quem se interessa sobre as concepções que Trotsky praticou nos primeiros anos da Revolução soviética e em que as experiências de militarização do trabalho foram só um aspecto entre outros basta ler a obra “Terrorismo e comunismo”, em especial o capítulo intitulado “Problemas da organização do trabalho”.

Mas o que me interessa realmente comentar e identificar são três aspectos de como a esquerda nacionalista e trauliteira aborda as questões políticas, o património das várias correntes e a materialidade dos processos sociais e políticos. E, a este título, as respostas na caixa de comentários são cristalinas sobre o que realmente motiva os stalinistas na sua actuação quotidiana.

1) Em primeiro lugar, toda a discussão que a esmagadora maioria dos comentadores levou a cabo é puramente iconoclasta. Isto é, a discussão política é substituída pelos insultos e pelo valor facial da imagem de um qualquer “renegado” que tanto podiam ser figuras tão diferentes como o Trotsky, o Malatesta ou o Makhno. Basta aparecer a “fuça” de uma qualquer persona non grata para que as campainhas de Pavlov toquem… Uma discussão de café sobre futebol consegue ser mais racional e sensata.

2) Por outro lado, a abordagem às figuras históricas e aos processos políticos do passado (e do presente) é claramente sectária e fanática. Quando os comentadores se atiram enraivecidamente só porque se colocou a imagem de alguém que não cabe na curta caderneta de cromos dos sectários isso só demonstra uma atitude de cega guarda ao seu Graal. Como comecei por apontar acima, nem se trata aqui do Trotsky, mas dos urros proferidos pelos que orgasticamente rejubilam com assassinatos e perseguições. Se esta gente estivesse no poder ficaríamos a saber qual o destino da esquerda anti-burocrática.

3) O cruzamento da abordagem iconoclasta com a sectária resulta numa ausência de reflexão sobre o que realmente foi a economia e a política da URSS e das experiências socialistas. Para os stalinistas a análise histórica confunde-se com a geopolítica e com a glorificação da liderança suprema de Stáline. Como a riqueza foi produzida, apropriada e distribuída ou como funcionaram os mecanismos de tomada de decisões políticas, nada disso lhes interessa. Como nada lhes interessa que as experiências no Leste se alicerçaram na repressão das iniciativas democráticas e de controlo da produção pelos trabalhadores.
O irracionalismo chega para preencher os buraquinhos daqueles cerebrozinhos de queijo.

11/01/13

A Dívida

Não será coincidência que os famosos 4 mil milhões de euros por ano que o actual (des)governo do Estado português quer cortar no montante que re-distribui pela sociedade, sob a forma de serviços públicos, seja muito semelhante ao valor que ao Estado português vai ser exigido para pagamento da sua dívida, em resultado da rectificação (com o apoio do PS) pelo Parlamento da República Portuguesa do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (vulgo "pacto orçamental"). Esta ligação deve ser constantemente realçada, impondo a discussão da real necessidade de pagar essa dívida (ou qualquer outra) como elemento central de qualquer abordagem à questão que nos querem impor.

É por isso muito importante o trabalho que tem vindo a ser efectuado no seio da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida, cujo primeiro Encontro Nacional terá lugar no próximo dia 19 de Janeiro.


Um dos oradores convidados é Nick Dearden, membro da Jubilee Debt Campaign, que defende a anulação, pura e simples, da dívida (em particular no que respeita aos Estados com menos recursos à sua disposição). Esta ideia tem também sido defendida por David Graeber, um dos organizadores originais da ocupação de Zuccotti Park em Nova Iorque que deu origem ao movimento Ocuppy. David Graeber defende o cancelamento total de toda a dívida (ler o seu artigo intitulado "After the Jubilee" no número 3 da revista Tidal), algo que já teve lugar várias vezes ao longo da história humana, como amplamente documentado no seu livro Debt: The First 5000 Years (ver também este artigo). Este livro tem tido um forte impacto nas discussões sobre a melhor estratégia a seguir perante a ascendência, um pouco por todo o mundo, da servitude que decorre da dívida. Revisões bastante extensas podem ser encontradas aqui, aqui e aqui. Dum ponto de vista mais político, o livro também mereceu a atenção de alguns colectivos, como o libcom: I e II.

Um texto de David Graeber, intitulado "The Greek debt crisis in almost unimaginably long-term historical perspective", que antecipa os temas que posteriormente iria abordar no livro mencionado pode ser encontrado no livro Revolt and Crisis in Greece, cuja leitura recomendo.

10/01/13

Um pequeno apontamento sobre o relatório do FMI

Muito se tem comentado sobre o relatório do FMI[pdf]; confesso que não o li, apenas dei uma olhada numas páginas. No entanto, do pouco que li, há algo que me merece uma crítica:
Another key concern is the extensive use of overtime, particularly in the health sector. The relatively high salaries in the health sector reflect overtime compensation (for work beyond the 35 hour public sector work week). In 2011, Portugal had the lowest average regular working hours per year among OECD countries (Figure 3.6), and government employees were paid 60 million hours of overtime. During the last decade, the health sector alone accounted for 35–45 percent of total annual overtime, and overtime pay represents over 1/3 of the total salary of doctors and explains the relative high levels of compensation (Figure 3.7).22 To address these issues, the Ministry of Health has proposed to increase the work week to 40 hours (equal to the private sector) and change work arrangements at hospitals. While this change is limited in scope, and only applies to part of the public sector, it sends a clear signal for improving equity vis-à-vis the private sector.
                 (página 23)

O horário típico dos médicos do SNS é de 42 horas, não de 35 (alguns têm horário de 35, mas creio que são uma pequena minoria), logo não me parece que o problema das horas extraordinárias na saúde (que é, ao que sei, é essencialmente devido às horas extraordinárias dos médicos) seja derivado de os funcionários públicos trabalharem 35 horas em vez de 40.

08/01/13

Convivio multicultural

Muçulmanos e católicos franceses unem-se contra o casamento gay

O túnel veio para ficar

A aproximação do fim do período de submissão à troika, em Junho de 2014, é uma mantra que o actual (des)governo repete cada vez mais insistentemente. Quer assim tentar-nos convencer que (já) não vale a pena interromper o processo iniciado com a assinatura do Memorando de Entendimento, e que está próxima a altura em que recuperaremos a "soberania" perdida, em particular a nível orçamental.

Nada mais falso.

E estas duas notícias recentes provam-no:

Nova Lei de Enquadramento Orçamental consagra Regra de Ouro para impedir Défices Excessivos

UE quer condicionar fundos estruturais à execução de políticas de competitividade

A Lei de Enquadramento Orçamental foi alterada de modo a incorporar na legislação portuguesa as regras acordadas no Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (vulgo "pacto orçamental"), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2013.

Por força do novo Tratado, os orçamentos nacionais dos Estados­‑Membros participantes devem ser equilibrados ou excedentários. Esta finalidade será dada por atingida se o défice público estrutural anual não exceder 0,5% do PIB nominal. Se tal não acontecer será aberto automaticamente um procedimento por défice excessivo, e o Estado‑Membro em causa terá de estabelecer "programas de parceria orçamental e económica". Estes programas incluirão uma descrição pormenorizada das reformas estruturais que tais Estados­‑Membros terão de pôr em prática para garantir a correção efetiva e durável dos respetivos défices. Os programas serão submetidos à aprovação do Conselho e da Comissão e a sua aplicação será acompanhada segundo as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Ainda, enquanto o objectivo de equilíbrio orçamental não for atingido, terá de haver ajustamentos anuais não inferiores a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), e a taxa de crescimento da despesa pública, líquida de medidas extraordinárias do lado da receita, não pode ser superior à taxa de referência de médio prazo de crescimento do PIB potencial, tal como definido no Programa de Estabilidade e Crescimento.

O limite da dívida pública (relação entre a dívida e o PIB) é (re-)estabelecido em 60% ficando cada Estado-Membro obrigado a reduzir o valor acima dos 60% a uma taxa média de um vigésimo por ano, numa média de três anos. Ora, dado que no caso do Estado Português o valor em causa é cerca de 100 mil milhões de euros, este terá de reduzir o valor da sua dívida em 5 mil milhões de euros por ano! Tendo quer o pagamento dos juros quer a amortização da dívida pública prioridade em relação a qualquer outro tipo de despesa.

Relativamente aos fundos estruturais, a ideia é condicionar uma importante parte destes (dos quais o Estado Português tem recebido cerca de 4 mil milhões de euros por ano) à assinatura dum contrato conducente a implementação de "reformas estruturais" e ao "reforço da competitividade", que todos já sabemos bem o que significa...

e, claro, "em contrapartida, os líderes adiaram para as calendas gregas a ideia defendida por Herman Van Rompuy, presidente do Conselho Europeu, de dotar a zona euro de um orçamento específico, separado das contas a 27, para apoiar os seus Estados membros em caso de choques assimétricos."

O túnel é negro e assim permanecerá enquanto a revolta não destruir as paredes escondidas pela escuridão.

07/01/13

Algumas notas muito breves sobre o sistema financeiro – II

As empresas capitalistas só funcionam recorrendo ao crédito como modo de financiamento das suas actividades quotidianas. Isso sempre aconteceu neste modo de produção e muito mais do que um antagonismo entre o sector financeiro e o sector industrial existe, de fato, uma complementaridade. Claro que existem oposições e certamente rivalidades. Mas essas rivalidades também ocorrem entre empresas industriais do mesmo ramo económico ou entre o capital industrial e o comercial, etc.

A questão fundamental das teses que defendem esse pretenso antagonismo entre a finança e a produção é que a economia produtiva não cresceria fruto do garrote que a primeira colocaria sobre a segunda. Ora, a verdade é que os investimentos produtivos transnacionais necessitam de um volume maciço de capital-dinheiro que só pode ser colocado através do sistema financeiro. Na realidade o sistema financeiro existe em função da aplicação e da expansão dos negócios e dos investimentos produtivos, mobilizando a uma escala realmente transnacional enormes volumes de capital-dinheiro. Considerar que a financeirização teria impedido o crescimento da economia produtiva nas últimas décadas é esquecer que esta cresceu de um valor aproximado de 15 para quase 70 triliões [na escala longa] de dólares, isto em apenas 30 anos.

Por outro lado, na sequência de um longo artigo que estou a preparar para publicação noutro espaço, a consulta que tenho vindo a levar a cabo de material do FMI, do Banco Mundial, do BCE, do BIS (Bank for International Settlements), etc. sobre o modo como a classe dominante perspectiva os instrumentos financeiros e como ela perspectiva a relação entre finança e produção demonstra totalmente o contrário do que as teses produtivistas preconizam. Com efeito, o que os relatórios existentes e que já compilei demonstram é precisamente o inverso do que a esquerda nacionalista apregoa. Por um lado, os instrumentos financeiros são vistos como uma forma essencial de alocação de capital-dinheiro para incrementar os investimentos e, por sua vez, a produtividade do trabalho. Por outro lado, como uma forma de regulação (ou tentativa de regulação) do grau de incerteza inerente ao processo económico, daí a multiplicação de instrumentos de securitização e de cobertura dos investimentos. Ou seja, as críticas que os capitalistas fazem a instrumentos financeiros são sempre à opacidade com que se desenrolaram alguns dos negócios antes da crise e não à sua utilização e sua oportunidade. Ora, o que os economistas chefes e economistas principais de todos os organismos transnacionais de organização institucional apontam é que tem de haver uma maior regulação de instrumentos que, por si só, já são destinados a regulação financeira. E aqui há dados muito interessantes do modo como os gestores percepcionam os derivados. Onde a esquerda histérica vê neles meros objectos de especulação e de jogo de casino, os capitalistas e os gestores vêem-nos (e aplicam-nos) como instrumentos de regulação e de tentativa de controlo da incerteza relativamente às flutuações económicas.

Ora, esta parece-me ser uma ideia fundamental para desmontar as teses fantasiosas do juro como categoria pretensamente arbitrária e ditada pela "vontade e maldade" dos bancos. Pelo contrário, o mundo da finança repercute uma intenção clara de tentativa de controlo e de coordenação global (dentro de cada empresa e a nível nacional e transnacional) dos mecanismos económicos. Onde a esquerda nacionalista tem visto nos mercados financeiros um conjunto de Shyllock’s desejosos de carne e sangue da "economia produtiva", a realidade parece apontar para os instrumentos financeiros como tentativas de redução do risco económico, logo, como instrumentos complexos de aumento dos ganhos de eficiência na aplicação de investimentos produtivos. Claro que como tudo numa economia movida a crédito existe um risco associado. Senão não existiriam crises económicas... Todavia, os derivados e afins existem, pelo contrário, para controlar o risco inerente.

Em resumo, "produtos" financeiros que aparentam ser exclusivamente especulativos são, na verdade, instrumentos muito parecidos com os seguros. (Têm diferenças técnicas importantes, mas para o que nos importa penso que a parecença pode ser elucidativa). São, portanto, instrumentos que ajudam os capitalistas a regularem as oscilações dos mercados e a garantirem que os capitais aplicados em investimentos não se percam na sua totalidade, no caso de falência. Claro que esses derivados levantam problemas. Mas a questão da sua relação com a reprodução alargada do capitalismo e da sua dinâmica produtiva coloca-se novamente. Por cada dois anos de crise financeira, eles permitiram um crescimento económico de outros 30. Evidentemente à custa da exploração da força de trabalho, exploração que tem ficado completamente de lado pela esquerda nacionalista ou, igualmente pernicioso do ponto de vista político, concebida como um mero saque dos bancos sobre os “produtivos”.

Em suma, a finança interliga-se profundamente com a produção e não a obstaculiza. Ao invés é o que permite gerir o sistema capitalista de produção num plano territorial e sectorial muitíssimo mais vasto e com uma tentativa de controlo das expectativas de negócio. O que se entende regularmente por especulação é uma ninharia comparado com o papel muito mais importante de regulação global do sistema financeiro que permite a expansão da produção (e da exploração económica). Assim, o sistema financeiro existe não apenas em função da produção capitalista mas opera muito mais como tentativa de coordenação e de alocação global do que como espaço de especulação (que também o é).

Por conseguinte, a crítica da finança não pode deixar de lado a crítica às relações de trabalho no capitalismo sob pena de os críticos da agiotagem o reconstruírem em novos moldes, independentemente das cores das bandeiras ou das palavras de ordem. Quando tal remodelação do capitalismo ocorreu não se tratou de um novo governo ou de um simples ajuste das políticas económicas. O nome político dessa remodelação assente numa aliança nacionalista entre trabalhadores e sectores industrialistas das classes dominantes foi um: fascismo.

05/01/13

Algumas notas muito breves sobre o sistema financeiro – I

Um comentador (Rui Santos) colocou no meu último post uma interpelação importante a propósito do que chamou de “semelhança estrutural” entre a forma como várias correntes perspectivam a fracção ou sector do capital financeiro no conjunto da economia capitalista.

Rui Santos defende no seu comentário que não é possível (ou seria muito difícil) defender uma semelhança estrutural entre a posição que correntes nacionalistas à esquerda têm apresentado sobre o capital financeiro e a posição que as correntes mais à direita apresentam sobre o mesmo assunto. Neste assunto em específico os extremos do campo político tocam-se não porque o ditado assim o diz (até porque ditado nenhum garante seja o que for), mas porque partilham fundamentos teóricos substantivos. E o que quero dizer com isto? Em suma, o problema para a esquerda nacionalista e para a direita nacionalista na actual economia não estaria nas formas de produção do excedente económico mas na especulação financeira. Ou no que alguns têm chamado de “feudalismo financeiro”, “economia de casino” ou simplesmente “roubo”. Portanto, para os que apenas concentram esforços na crítica à finança tudo estaria bem se o dinheiro deixasse a produção em paz e se os “agiotas” fossem menos gananciosos. Portanto, de um modo muito linear, a finança seria uma coisa e a economia seria outra. Ou dito por mim de um modo menos pueril e colocando as coisas nos seus devidos termos: para os defensores da tese do antagonismo produção versus especulação o capitalismo seria óptimo se não existisse a banca a impedir o normal funcionamento da “economia real”. No fundo, tudo se passaria como se a produção de mercadorias a partir da exploração da força de trabalho fosse uma “economia natural”. Esta sim permitiria “os ganhos lícitos na criação das riquezas” ao passo que a anterior estaria impregnada de "parasitismos" e pelo "despotismo do dinheiro", conforme escreveu o mais duradouro ditador fascista europeu do século XX.

Por conseguinte, que este enunciado da valorização da economia produtiva contra o que acham que é a pura especulação seja colocado no âmbito dos judeus (caso da extrema-direita nazi) ou no âmbito do IV Reich alemão da Merkel ou da colonização dos plutocratas europeus (esquerda nacionalista), esse aspecto da personificação parece-me ser secundário para o que está aqui em discussão.
Ora, no meu entender, esta tese do pretenso antagonismo da produção relativamente à especulação é politicamente grave o suficiente para que se ache que tudo isso não teria passado de mera coincidência semântica. E nem vou sequer aprofundar os exemplos da circulação de dezenas de milhares de membros entre o Partido Comunista Alemão e as SA (como Jean-Pierre Faye documentou) ou da transferência de apoiantes e de votantes entre Partidos Comunistas e partidos neo-fascistas (França, Itália, etc.). Não se trata de identificar abusiva e mecanicamente os partidos de raiz leninista ao fascismo mas de lembrar como a partilha de teses nacionalistas (e correlativamente produtivistas e anti-especulativas) permite que temas, pessoas e propostas políticas circulem entre extremos do panorama político.
E aqui vejo-me chegado à interrogação que o Pedro Viana coloca no seu último post: «os sistemas capitalistas existem em diferentes declinações. E que estes sistemas têm sofrido, nas sociedades ditas ocidentais, uma evolução nas últimas décadas da qual resultou uma concentração de Poder nas mãos daqueles que controlam o sector financeiro». Ora, parece-me que o caríssimo Pedro continua a subdividir a esfera financeira da esfera produtiva neste ponto apesar de correctamente lembrar a existência de interesses da primeira na segunda. Todavia, não aborda a existência recíproca da indústria na finança de que os exemplos dos bancos criados directamente pelas empresas industriais ou da preponderância que grandes conglomerados de origem industrial tiveram na expansão dos mercados dos eurodólares nas décadas de 70 e 80 e na aposta crescente em actividades ditas financeiras (General Motors, Chevron, General Electric, etc.). Mas nem é tanto isto que me interessa discutir.

Na realidade, o mais relevante nesta questão suscitada pelo que escreveu o Pedro Viana tem a ver com o que é que realmente define o sistema financeiro. Mas esse será o tema do próximo post…

01/01/13

Uma entrevista reveladora

Compreendo a preocupação do João Valente Aguiar com a crítica que, acusando o sector financeiro de ser a fonte de todos os males que ocorrem nas sociedades ditas ocidentais, acaba por menorizar outras formas de exploração e subordinação características dos sistemas capitalistas. Sendo da opinião de que de maneira nenhuma devemos enveredar por essa via, optando antes por elucidar o que é comum aos diferentes processos de exploração dentro do sistema capitalista, de modo a que se torne claro que este não é um sistema reformável (em particular, que não é simplesmente com um maior controlo do sector financeiro que teremos uma sociedade mais democrática, justa e igualitária), não deixo de achar que é também importante ter presente que os sistemas capitalistas existem em diferentes declinações. E que estes sistemas têm sofrido, nas sociedades ditas ocidentais, uma evolução nas últimas décadas da qual resultou uma concentração de Poder nas mãos daqueles que controlam o sector financeiro (que não poucas vezes também possuem interesses na indústria). Se queremos elaborar uma estratégia capaz de produzir uma mudança sistémica, temos de conhecer a fundo as características do sistema que presentemente nos subjuga.

Esta muito interessante (e longa) entrevista feita a Michael Hudson por Dimitris Yannopoulos (Athens News), em Setembro de 2012, e que recentemente encontrei, permite compreender melhor a situação em que nos encontramos. Apesar de, como acima critiquei, nela não se encontrar uma crítica sistémica do capitalismo, sendo até patente alguma simpatia do autor pelo que denomina de capitalismo industrial.

Alguns extratos da entrevista, para quem não quiser ou tiver tempo para a ler por inteiro:

"The hope of banking in the 19th century was that banks would make productive loans to finance industry. This promised to be something new. In the past, banks had made loans to ship and market goods once they were produced, but not to finance new capital investment by producers. Investment always had been self-financed out of savings. The new idea of industrial banking was for loans to be invested to earn profits, out of which to pay the interest and the principal back to the lenders.

No such productive lending occurred in antiquity or the feudal period. And as matters have turned out, instead of allying itself with industry, banking has moved into a symbiotic relationship with real estate, mineral extraction, oil, gas and monopolies to lend against economic rent. This technical term is defined as unearned income, obtained by charging prices in excess of cost value. Economic rent has no counterpart in the cost of putting means of production in place. It is created by special legal privilege to install tollbooths on roads, education systems and other basic needs. Land is provided by nature. The only “cost” is the price of buying the right to charge rent on it. Owners aim to charge as much as they can, without regard for how this may affect overall economic growth and balance.

Banks have the privilege of creating credit and charging it. Most credit is extended to buy property or rent-seeking privileges already in place, not new capital investment. It is easier for investors to buy a privilege to extract charges without producing anything. So banks back the ability of their customers to make money without new capital investment. The easiest way to do this is to make loans for real estate at increasingly debt-leveraged, bank-inflated prices. The time frame of banks is too short-term to develop production facilities, mount a sales campaign and develop markets for new goods.

Classical economists from the Physiocrats down through the Progressive Era a century ago explained why land rent, natural resource rent and monopoly rent should be the source of tax revenue for cities, states and nations. But instead of extending credit to increase tangible capital investment, about 80 percent of bank credit in the United States and most English-speaking countries is to buy real estate. Instead of extending loans to build factories to employ people, bankers look simply at what can be pledged as collateral on which they can foreclose. Buyers pledge their rental income to pay interest to the banks. The more the tax collector shifts taxes off property onto wages, profits and sales, the more rental income is available to pay banks – for even larger loans. This is why banks back untaxing real estate and deregulating monopolies, to maximize the economic rent that can be paid as interest.