Uma declaração prévia: considero as eleições democráticas um momento politicamente importante. Do mesmo modo que acho que a democracia europeia, e a portuguesa numa escala muito superior, têm concretizado uma acção sistemática de esmagamento da democracia participativa pela componente representativa. Acho que hoje em dia direita e esquerda, mais ou menos radicais, coincidem numa perpectiva exclusivamente centrada no Parlamento, como se aí fosse de facto o coração da democracia. Os "partidos parlamentares" são quem dá ordens nos partidos portugueses e, como se tem visto por exemplo na Inglaterra, em todos os países. Afinal, os partidos são estruturas top to bottom e isso é fatal do ponto de vista democrático.
Neste últimos dias, marcados pela derrota anunciada da esquerda parlamentar, surgem declarações surpreendentes. Afinal a vitória da direita, desde que por maioria relativa, é mais uma grande oportunidade para a esquerda. Quem o diz é Ana Drago, com chamada à primeira página do jornal i. No PS, segundo o mesmo jornal, contam-se as facas. Alguma vez elas terão deixado de ser contadas, apetece perguntar? Desta vez é Francisco Assis quem faz saber que não irá disputar a liderança. Uma declaração que equivale a uma manifestação da mais absoluta descrença na vitória do PS. Quem ainda acredita que a direita não vai ganhar as eleições, apesar do carácter mais ou menos martelado das sondagens?
Como é que isso é possível depois de tanta austeridade, depois de tanta crueldade na distribuição assimétrica dos custos dessa austeridade, depois de tanto aumento da desigualdade?
Pois, a CDU vai aumentar o número de deputados e o BE também. O BE dado como acabado pode até triplicar o número de deputados. O PS, mesmo este PS de Costa e Centeno, vai ser o partido mais votado. Juntos somarão mais de 50% dos votos expressos, configurando uma maioria de esquerda.
No entanto, esta esquerda é incapaz de desenhar e de construir um Governo de unidade. Pelo contrário tornou-se perita a transformar derrotas em vitórias e em enormes oportunidades que nunca concretiza, porque não quer. Esta esquerda padece de um mal insanável. Um dos lados desta esquerda especializou-se a fazer o papel do lado esquerdo da austeridade e da política neoliberal. Esse lado é representado pelo PS. O outro lado, que já foram dois, especializa-se cada vez mais numa postura de protesto, para o que lhe bastam os cerca de 20% que, com maior ou menor dificuldade, lá vai arrabanhando.
O problemas estará nas lógicas nacionalistas que dominam PCP e Bloco e na política de direita que caracteriza o PS. O que ditará a derrota do PS, tal como determinou a derrota do Labour de Miliband, é a aproximação ao projecto político da direita, a menos de alguma retórica mais ou menos esquerdista. É a essência centrista e mesmo de direita desse projecto, o seu carácter "responsável", como gostam de dizer, quer na forma como se relaciona com o sector do trabalho, quer na forma como entende o papel que o Estado deve desempenhar na economia. É o seu carácter pretensamente moderno, quando essa modernidade, como denunciava Corbyn uns dias atrás, se apoia nas velhas ideias dos economistas austríacos que geraram, na primeira metade do século passado, o embrião do neoliberalismo. Mas a direita irá acusar Costa de ter cedido à esquerda e de ter retirado o PS da área da governação. O mesmo argumento que usaram em Inglaterra e que usam contra todos os PS´s. Falso argumento, no entanto.
A direita vai ganhar. Governará com maioria relativa e sobreviverá alguns meses. Distribuirá prebendas, irs´s, benefícios fiscais, sobretaxas e etc. Preparará o próximo acto eleitoral no qual tentará a maioria absoluta mais facilmente.
Esta esquerda não é uma alternativa porque não consegue mobilizar os cidadãos, porque tem da política uma perspectiva dirgista e carreirista. Porque se divide entre o protesto e a cedência, abdicando de ter uma voz própria, abdicando de reconhecer aos cidadãos o direito à cidade, o direito a participarem na construção da política.Os deputados eleitos por esta esquerda no dia a seguir às eleições, assoberbados com "responsabilidades", passam a desprezar/ignorar os cidadãos, esgotada que foi a sua função de eleitores, e barricam-se por detrás das grossas paredes do Parlamento. Muitos nunca mais passam pelo distrito em que foram eleitos, que aliás visitaram fugazmente por dever de ofício. Alguns podem gabar-se de nunca terem baixado ao nível do concelho, ao longo da sua proveitosa carreira parlamentar.
Votei sempre e desta vez não deixarei de o fazer. Embora me falte cada vez mais a paciência para ir votar em pessoas que não sei quem são, embora apareçam muitas vezes na televisão, que nunca vi com o minimo de empenho numa única das causas relevantes para região em que tenho vivido. Cada vez mais falta-me a paciência para aceitar que os partidos escolham fulano de tal ou fulana de tal para o lugar de deputado e ignorem o Joaquim e o Manel que andam há décadas a dar o corpo ao manifesto, apoiando os activistas, as causas sociais, trabalhando nas colectividades, para tudo se acabar no dia das eleições. O que por aí se faz de "directas" não altera nada ao que aqui escrevi.
01/10/15
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2 comentários:
José Guinote,
Não entendo essa linguagem da "maioria" e das "minorias", uma ficção numérica criada pelos teóricos do sistema representativo. Até nós nos deixamos manipular por essa retórica. Afinal quem nos governa não é sempre uma monoria, legitimada minoritariamente, ou estou enganado?
Nas minhas contas, sem necessitar de evocar os argumento de Albert Libertad e Ricardo Mella, o sistema representativo está assente numa ficção, basta saber fazer contas de somar e subtrair.
Para quem é contra o Capitalismo e este Sistema político, não vejo como usar essas palavras contaminadas ideologicamente, (lá dizia o Orwell!), temos de afirmar sim, contra todos os políticos, politólogos, cientistas sociais, jornalistas e comentadores, a realidade: quem governa é uma minoria que está "legitimado" pelo voto de uma minoria um pouco mais alargada de acordo com as regras definidas pelo Sistema…
«Digamo-lo bem alto: que o gado eleitoral seja tosquiado, comido, temperado com todos os molhos, que mossa nos pode isso fazer? Nenhuma.
O que nos importa é que, arrastados pelo peso do número, rolamos na direcção do precipício, para onde nos conduz a inconsciência do rebanho. Vemos o precipício, gritamos que vamos partir a espinha. Se nos pudéssemos desembaraçar da massa que nos arrasta, deixá-la-íamos rolar para o abismo; pela minha parte até, di-lo-ei, creio mesmo que a empurraria para lá. Mas não podemos. Por isso, devemos estar em toda a parte para mostrar o perigo, para arrancar o véu que encobre o charlatão palrador. Tragamos para o terreno da realidade o gado eleitoral que se extravia pelas areias movediças do sonho.»
Albert Libertad
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