Que a desmobilização da classe trabalhadora se operava em torno de princípios de fragmentação colectiva no campo político e simbólico-ideológico já se sabia. Como se verá, complementarmente ao seu fraccionamento soma-se uma reinserção dessa classe social em novos moldes sociabilitários e comunitários. Portanto, o processo de retracção política, social e cultural da classe trabalhadora nas últimas décadas é aqui perspectivado à luz dos processos de fragmentação e de unificação numa comunidade de práticas empreendedoristas.
A primeira parte deste artigo pode ser lida aqui.
12/01/13
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11 comentários:
Bom, primeiro haveria que defenir o que se considera ser a classe trabalhadora e os ditos burgueses no século XXI.
Tendo em conta claro está,que a concentração de capital das classes médias baixas se esboroa desde o início da década de 80 a favor das classes médias altas e de um pequeno número de empresários semi-públicos locais ou nacionais.
E que uma larga massa de subsidiados permanentes e de guetos sociais sem direito ao trabalho mercê dos certificados de registo criminal dado como presente a quase 300 mil ocupantes dos bairros sociais.
Um número que tirando o sistema americano deve ter poucas contrapartidas europeias entre os activos dos 16 aos 65 anos.
Em 5 milhões é uma simples nódoa né?
Vale da Amoreira, de 21 mil moradores em 1998, 1600 cadastrados
e 30 overdoses mensais com 2 a 5 fatalidades mensais por causas várias
hepatite doença prolongada
paragem respiratória
Em 1973, numa altura em que não havia números clausus no acesso ao Ensino Superior, entraram nas Faculdades de Medicina portuguesas cerca de 4000 estudantes. Este número tinha vindo a crescer vertiginosamente desde 1970. O regime, que precisava de médicos para a guerra em África, não se preocupou muito com o assunto porque é relativamente simples assegurar nas faculdades o ensino dos três primeiros anos de medicina. O problema é depois, com o ensino hospitalar no 4º ano. À medida que aumentava o número de alunos nos primeiros anos, o número de chumbos em Anatomia diminuía e, assim, o número de alunos no 4º ano de medicina em Outubro de 1974 aproximava-se dos 4000.
Este foi o problema de mais difícil e que nos exigiu mais trabalho, ao Secretário de Estado do Ensino Superior, Avelãs Nunes, que me antecedeu em 1974-75, e a mim próprio em 1975-76. Mas havia, sobretudo, que cuidar do futuro. Avelãs Nunes tomou a decisão de que em 1975 não haveria inscrições no primeiro ano de Medicina, mas num
tronco comum a vários cursos, entre eles o de Medicina, com a duração de um ou dois anos consoante a vontade das faculdades.
Assim, em Outubro de 1975, inscreveram-se neste tronco comum 4.500 estudantes, dos quais cerca de 1.200 na Universidade do Porto. A Faculdade de Medicina do Porto fez-me saber que queria um tronco comum só com um ano, e que no ano seguinte só aceitaria 300 alunos em medicina. A Secretaria de Estado do Ensino Superior teve, assim, no curto espaço de 10 meses, de activar a entrada em funcionamento de uma nova escola de medicina, o Instituto Abel Salazar, de criar de raiz uma Escola de Medicina Dentária, de criar um curso de Nutricionismo e de reorganizar o ensino da Educação Física no Porto. No ano seguinte, dos 1.200 inicialmente inscritos no Porto tronco comum, entraram em medicina, após negociação com a faculdade, 350. Em Lisboa, a faculdade preferiu um tronco comum com dois anos, e no ano seguinte deixou entrar todos em medicina.
Mas havia que pensar no futuro. Se eu não tomasse não tomasse nenhuma decisão, em Outubro de 1976, inscreviam-se de novo 4.500 estudantes no tronco comum. Fixei por isso, por despacho, no final do meu mandato como Secretário de Estado, creio que em Julho, em 1600 o número de estudantes a admitir em Outubro no tronco comum repartidos pelas várias Universidades. Pensei que destes, cerca de 800 viriam a seguir medicina.
O que sucedeu foi que, nas duas décadas seguintes, as faculdades de medicina desceram este número a cerca de 400. É este cavado entre o número de 800, que deveria subir lentamente, e os 400 efectivamente entrados, que nos obriga hoje a recorrer aos médicos cubanos.
Hoje, vejo os Reitores de muitas Universidades acordar para este problema e todos a exigir a sua faculdadezinha de medicina. Quando fui Secretário de Estado do Ensino Superior, reunia-me uma vez por mês, em diferentes cidades do país, com todos as escolas. Sempre pensei que, depois, seriam criados órgãos horizontais, que reunissem todas as escolas de Medicina, todas as escolas de Agricultura, todas as Escolas de Engenharia.... Seriam estes órgãos que dariam ao Ministério uma visão de conjunto e o aconselhariam sobre o que haveria a fazer. Agora, obviamente, com o concurso dos Partidos e da Assembleia da República.
Para terminar desejo dizer que o tronco comum instituído pelo Avelãs Nunes, em 1975, é o que hoje usa a França. É muito, provavelmente, o que permite uma melhor escolha dos futuros médicos, pois permite às faculdades influenciarem esta escolha e não ficarem unicamente obrigadas a receber os alunos seleccionados pelas notas altas
obtidas no Secundário.
Penso que a população portuguesa tem o direito de ser informada destes assuntos que dizem respeito não unicamente ao seu passado, mas também ao seu futuro.
António Brotas
Nada a dizer sobre a ocupação imperialista do Mali?
Mais uma vez o imperialismo descarado da UE-euro tem um silêncio acolhedor da parte da chamada "esquerda defensora do euro".
Olha Rocha,
e se fizesses tu um blog sobre o Mali e em glória de todos os nacionalismos em vez de utilizares o endereço de um em que não és membro?
e o teu PCzinho também não publicou nada sobre o assunto na sua página oficial. não lhes queres mandar uma carta a chamá-los de defensores do imperialismo?
A glória da guerra moderna é ser recebida com indiferença.
Quanto ao blog 5 dias, efectivamente identifico-me com esse blog onde efectivamente existe debate. E entre mais correntes políticas de esquerda do que em qualquer outro sítio. É irritante não é? Mas o debate realmente existe em alguns sítios.
Rocha,
desculpe-me intervir nesta discussão. Mas acontece que o debate e a troca de argumentos são timbre deste blogue. Numa questão como a dita da "saída do euro", que V. conhece bem, houve posições diferentes neste blogue e entre os seus membros. Não praticamos, ao contrário do que alguns fazem no 5dias, a censura incondicional e ad hominem (este seu interlocutor, por exemplo, está censurado à partida nas caixas de comentários dos cinco diaristas Carlos Vidal e Renato Teixeira, independentemente do que escreva ou dos temas em debate). E, do mesmo modo, debatemos com outros blogues e/ou autores destes textos: basta percorrer os posts que, desde o início e até agora, temos vindo a publicar.
Ora bem, sendo assim, há duas coisas que não entendo: uma, a razão de ser da sua animosidade contra o Vias de Facto; a outra, porque é que, se o seu objectivo é o avanço a caminho de uma sociedade sem classes, sem exploradores nem explorados, não tenta conjugar os seus esforços connosco, contra os que querem apenas mudar de governantes, mantendo ou reforçando a desigualdade, o exercício classista do poder político e da direcção da economia, a negação da liberdade democrática sob todas as suas formas mais efectivas.
Pense no assunto, que depois conversaremos quando quiser.
msp
Não percebo como se pode pretender avançar para uma sociedade sem classes enquanto temas fundamentais do capitalismo europeu e mundial como imperialismo e a guerra permanecessem tabu. Um estranho tabu.
Também não percebo a fundamentação de utilizar a etiqueta "nacionalista" como acusação de fascismo a todo e qualquer movimento de resistência ou de simples crítica, inclusive, à milésima guerra em que uma potência imperialista esmaga e ocupa mais um país pobre e subdesenvolvido. Mas há para aí uma dissonância entre a palavra nacionalista e o seu carácter dual pós movimentos de descolonização que ultrapassa a minha modesta capacidade de compreensão.
Sobre a Europa subscrevo inteiramente os três excertos que coloco a seguir retirado daqui http://passapalavra.info/?p=69300
1)
«São estes os motivos que nos levam a alertar contra o abandono do euro e contra a adopção de um escudo depreciado:
- em primeiro lugar, isso implicaria um rebaixamento das condições de vida dos trabalhadores muito mais grave do que o actual;
- em segundo lugar, isso provocaria uma agudização dos confrontos entre classes numa correlação de forças muito mais favorável aos capitalistas de Estado do que aos trabalhadores»
2)
«Pensamos que a classe trabalhadora beneficia de melhores condições de luta no interior da zona euro por se tratar de um espaço multinacional, ideologicamente mais aberto a uma superação dos nacionalismos do que o são os espaços estritamente nacionais, e onde as fronteiras são permeáveis e os contactos físicos são mais fáceis. Além disso, sendo o euro uma das moedas de reserva mundiais, a manutenção de um país na zona euro ergue um poderoso obstáculo ao nacionalismo económico, para cujos pressupostos demagógicos e consequências nocivas temos repetidamente alertado.
Mas para que a classe trabalhadora aproveite este quadro é indispensável que ocorra uma alteração no rumo das lutas. Em vez de se reclamar o abandono do euro, na ilusão de que isso traria o fim da austeridade, torna-se necessário exigir transferências compensatórias das economias mais prósperas para aquelas que se encontram em situação gravemente deficitária. Ora, para que essas transferências compensatórias possam ocorrer e comecem a fazer parte dos mecanismos económicos normais é necessário que a zona euro não se limite a ser uma união monetária e se converta numa verdadeira união fiscal. Mas para que a zona euro progrida rumo a uma união fiscal é indispensável que ela avance em direcção a uma união política. Só assim as transferências compensatórias entre as economias europeias mais prósperas e as menos prósperas serão tão óbvias como o são hoje as transferências entre as regiões mais e menos desenvolvidas de um mesmo país.
Assim, as transferências compensatórias devem ser o programa imediato; a união fiscal deve ser o quadro a curto-médio prazo; e a união política deve ser o quadro a médio-longo prazo.
Não se trata de uma exigência de direita, mas de um dos elementos clássicos, por exemplo, da pauta da esquerda na América Latina, seja pela via do perdão da totalidade ou de parte das dívidas externas, seja pela via do aumento dos investimentos na cooperação internacional para o desenvolvimento. Mesmo hoje, com o crescimento económico do Brasil, o tema ainda brota em documentos e plataformas políticas.»
3)
«os trabalhadores ganham muitíssimo mais em lutar no quadro de uma integração europeísta do que no quadro de uma fragmentação nacionalista, pelas seguintes razões:
- porque os custos económicos serão menores;
- porque o estabelecimento de relações internacionais, sem as quais a classe trabalhadora não existe enquanto classe, é mais fácil num processo que tenda à unificação política europeia;
- porque, de imediato, a opção europeísta permitirá aos trabalhadores concentrarem-se nos efeitos mais sensíveis da exploração — a descida dos salários, a precariedade do trabalho, o desemprego;
- porque, a prazo, se pressionarem nos seus próprios termos um processo de unificação fiscal e política, os trabalhadores poderão impor condições práticas vantajosas para o desenvolvimento de uma organização de base em que se coloque o programa de uma democratização interna das relações políticas e de uma democratização interna das relações de trabalho.»
Rocha,
Sobre o nacionalismo: o problema com o nacionalismo é que ele faz da nação um bloco cuja "independência" e reforço prima sobre a liberdade e a igualdade políticas, a emancipação anti-classista dos seus membros. A independência que devemos reclamar para os portugueses é a que os desembaraçasse da hierarquia classista, da desigualdade, da subordinação ao poder de uma camada particular, detentora dos postos de comando que lhe permitem governar de cima para baixo a vida e o trabalho da grande maioria. O culto da "independência nacional" e da "soberania do país" compromete a solidariedade transnacional - internacionalista, se quiser - que é condição da conquista da única "soberania" plena que, na perspectiva da construção de uma sociedade sem classes, nos deve interessar, e que seria a da instituição de um poder político baseado na igual participação governante de todos.
Dito isto, é a mesma a chave de um combate efectivo contra o imperialismo: federação e democratização políticas das lutas sociais, e não aposta na unidade (ou "união") nacional dos países mais fracos contra os mais fortes.
Se nos pusermos de acordo sobre estes princípios, será mais fácil discutirmos quais as vias mais favoráveis à sua afirmação efectiva nas situações concretas em que, a cada momento, nos encontramos. Mas não lhe escondo, desde já, que creio que a luta por aquilo a que, nesta ordem de ideias, poderíamos chamar uma "democracia avançada" será travada mais eficazmente reclamando a democratização das instituições europeias upranacionais existentes, o seu controle através das acções e da participação dos cidadãos organizados, do que apostando na implosão da UE e na balcanização de uma Europa fragmentada em nacionalismos rivais e militarizados, dirigidos por governos autoritários, que só poderão perpetuar e agravar a exploração e a opressão da grande maioria, tanto dos portugueses como dos outros cidadãos europeus - tendo ainda por efeito, em último mas não menos importante lugar, fragilizar todas as perspectivas de mundialização do tipo de "democracia avançada" acima referida.
Bom, muito mais haveria a discutir, mas, para já, podemos ficar por estes pontos de partida.
msp
João, caríssimo
não queres anunciar no Vias, com algum comentário, a segunda parte do teu denso ensaio, no Passa Palavra, sobre a hetero-organização pós-fordista?
Estou aflito com as traduções neste momento – e agora estive quarenta e oito horas sem internet, sem telefone, sem luz e sem água – o que não me aliviou muito.
Mas penso que seria interessante interrogarmo-nos sobre aquilo em que se transformou ou teremos de vir a transformar a (auto-)organização informal dos trabalhadores fordistas nas novas condições – toyotistas – que analisas. Serão ainda possíveis “greves de zelo”, excepto nos (consideráveis ainda, mas enfim…) sectores remanescentes? Quem diz greves de zelo – cumprir as instruções e observar o organigrama, literalmente, sem “interpretação” própria – diz muitas outras formas de resistência que tinham por meio os recursos que o toyotismo explora e mobiliza em termos imediatos.
Que formas de resistência restam hoje nos locais de trabalho, excepto a greve declarada, muito mais exigente e arriscada na situação dos precários? Que formas de resistência à exploração laboral terão de investir directamente o espaço público?
No passado, dizia-se, com optimismo e exagero, mas não sem um grão de sal e de verdade substanciais, que a democracia parava à entrada da fábrica. Hoje, é muito para além do espaço laboral que a “empresa soberana” (João Bernardo) e o poder político propriamente arquitectónico da mesma tem de ser combatido – ou não te parece, a ti também? E talvez devamos ter presente ainda a impossibilidade de calcular com qualquer verosimilhança o contributo de cada um – seja qual for a sua actividade e o regime formal ou informal em que a exerce –para a “produção global” ou para a “produtividade” do conjunto – o que permite, entre outras questões que levanta, uma crítica radical da hierarquia dos salários e rendimentos…
Enfim, tivesse eu um pouco mais folgado e estas notas apressadas talvez dessem um comentário útil para o debate que propões. De momento, camarada, não tenho fôlego para continuar.
Abraço para ti
miguel
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