21/06/13

"O fascismo é uma minhoca que se infiltra na maçã" — bem dizia há uns anos a cantiga da situação na região portuguesa , e bem podemos agora dizer nós da "revolução branca" que ameaça o Brasil

Utilizando uma linguagem "revolucionária" e tão "ecumenista"  como despolitizada e despolitizadora (que um texto que a Joana Lopes oportunamente publicou no seu Brumas ilustra bem), o fascismo e a extrema-direita tentam organizar-se no Brasil e, a coberto de uma "revolução branca", cavalgar e inflectir as movimentações populares.  Eis alguns excertos — que descrevem a atmosfera de ameaça fascista em São Paulo — do artigo abundante e sugestivamente documentado sobre o que se passa na dita cidade e em vários outros teatros, que, sob o título 20 de junho: a Revolta dos Coxinhas o Passa Palavra publica como alerta. Porque a situação "necessita urgentemente de uma resposta de toda a esquerda anticapitalista. Hoje. Porque devia ter sido ontem, e amanhã será tarde".

(…) nos últimos dias, mas sobretudo desde quinta-feira, dia 20 de junho, assistimos a um movimento inédito, pelo menos inédito com esta amplitude. As manifestações que a esquerda organizou num grande número de cidades pela redução da tarifa dos transportes públicos começaram a ser sequestradas por forças sociais conservadoras e nacionalistas, e dentro deste movimento começou a desenvolver-se uma contra-revolução. Chamamos-lhe a Revolta dos Coxinhas (veja aqui). Pertencendo àquela gente a quem os jornalistas gostam de chamar classe média, os coxinhas passaram agora para primeiro plano político, como agentes de um fascismo potencial.

(…)


O que deveria ser um ato de comemoração da revogação do aumento do ônibus, dos trens e do metrô tornou-se um massacre da esquerda e dos “vermelhos”. Uma massa amorfa pairava pela Av. Paulista vestindo bandeiras do Brasil, com as caras pintadas, não sabiam para aonde ir, o que fazer e nem o que se indignar. As palavras de ordem puxadas como “o povo acordou” e “o gigante acordou” eram cantadas juntamente com o hino nacional. Como disse um companheiro, a caixa de comentários da Folha de S. Paulo saiu para a rua.

Já na concentração na Praça do Ciclista alguns militantes petistas tentavam levantar suas bandeiras, mas foram achincalhados por gritos de “sem partido!, sem partido!”. Alguns blocos de esquerda se organizavam para fazer uma manifestação pelo lado da avenida (sentido praça Osvaldo Cruz) com bateria, maracatu e músicas. Ao longo do trajeto houve muito tensionamento. Havia skinheads e agentes provocadores da direita querendo se infiltrar. Não aceitavam que “comunistas” caminhassem. Éramos “assassinos”, “petistas corruptos”.

O prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) passou a exibir num jogo de luzes a bandeira nacional. De “ei, FIESP, vai tomar no cu”, os gritos passaram a ser transformados no hino nacional.

Na esquina seguinte da av. Paulista, entre a alameda Campinas e em frente do prédio da Gazeta, um ataque aos “vermelhos”. Um grupo de agentes provocadores insuflaram os coxinhas a atacar o bloco. Conseguiram pegar uma bandeira e queimar. Aos gritos de “oportunistas” para os partidos, os agentes provocadores continuaram a atacar e foram bem vistos pela massa amorfa. A polícia havia se retirado completamente do local.

No meio dos blocos lançaram dois fogos de artifício contra os “vermelhos”. Pânico, uma parte dos militantes correm e se isolam embaixo de uma marquise do prédio, acuados. Uma comissão de segurança dos partidos entra então em ação e revida o ataque. Um skinhead ficou ferido e foi levado de viatura policial para o hospital. No carro disse que havia sido agredido “por um petista”. Os ataques cessaram quando os militantes recolheram as bandeiras.

Para se ter uma melhor dimensão do que aconteceu. Os blocos de hoje caminhavam dentro da massa amorfa em cólera. Os blocos percorriam organizadamente pelas ruas (ou tentavam), mas passavam ao lado de pessoas da classe média que portavam cartazes, bandeira do Brasil e entoavam palavras de ordem contra o governo (Dilma e o PT) e o hino nacional. Pessoas que não sabiam o que fazer, pois provavelmente nunca foram numa manifestação.

Na frente do ato havia um bloco autônomo aonde se carregava uma faixa contra as catracas e pela tarifa zero. Foi necessário uma linha de segurança lateral e frontal para conseguir proteger o bloco e impedir uma invasão. Em vários momentos a massa amorfa tentou fagocitar este bloco e também houve tentativa de puxar palavras de ordem nacionalistas.

O bloco terminou com um jogral na frente da praça Osvaldo Cruz. Enquanto isso a massa amorfa conclamava para ir para a Av. 23 de maio. Fazer o que exatamente ninguém sabia. Aos poucos, a massa foi se dissipando e as pessoas abaixavam os cartazes e voltavam pelo metrô para sua casa.
As nossas palavras de ordem foram absorvidas e ressignificadas pela direita em fúria. “Vem pra luta” significa agora ir enfrentar o PT, “quem não pula quer tarifa” transformou-se em “quem não pula é petista” e “vem pra rua, vem (contra a tarifa)” transformou-se em “vem pra rua, vem (contra o governo)”. O ódio contra a Globo e as emissoras de televisão é que elas são “esquerdistas”, pois “fazem o jogo do governo”.

A maioria ali não sabia o que havia presenciado ou o que se constituía ali, mas já não se tratava de uma comemoração, mas sim de uma classe média em cólera: os coxinhas contra o governo petista e a esquerda. Era uma manifestação dos patrões e da diretoria, mas não dos trabalhadores. Se foi esse o gigante que acordou, é então necessário colocá-lo para dormir. Dessas bases sociais e dos “indignados” sabemos que ergue-se um movimento fascista. Não podemos esperar que surja um Duce ou um novo Führer.

Por trás dessa massa amorfa há “movimentos” articulando um ataque sistemático contra o governo de olho nas eleições de 2014. A “insurreição” e “revolução” que esses movimentos conclamam não é por mudanças radicais contra o capitalismo, mas apenas para mudar a forma que deve gerir o capitalismo.

(…)

Em São Paulo, na quinta-feira, dia 20 de junho, foi o horror. Mesmo toda a esquerda tendo se reunido, planejado antecipadamente e tentado se organizar, o que se viu foi o achincalhamento público: bandeiras rasgadas, agressões, saudações fascistas e, claro, agressão física. Tomamos pedradas, cusparadas e por aí vai. O cenário que hoje se viu aqui foi o de uma nação em cólera, precisamente a situação que o fascista francês Maurice Bardèche considerava ideal para o desenvolvimento do fascismo. Os motivos de preocupação são muitos.

(…)

O “gigante” que acordou é o movimento fascista. Só falta um líder, alguém orgânico que saia dali. Há um evento no Facebook clamando uma “greve geral” que é convocado pelos empresários anti-Dilma.

(…)

(Ler na íntegra)

2 comentários:

Anónimo disse...

A prosa, embora confirme muito dos meus receios acerca da direção que os atuais protestos no Brasil poderiam tomar, tresanda a contradições, a hipocrisia e, acima de tudo, a um insuportável paternalismo.

Com que então, "mesmo [tendo]toda a esquerda [...]se reunido, planejado antecipadamente e tentado se organizar", "as manifestações que a esquerda organizou num grande número de cidades pela redução da tarifa dos transportes públicos começaram a ser sequestradas por forças sociais conservadoras e nacionalistas, e dentro deste movimento começou a desenvolver-se uma contra-revolução".
Um leitor mais desatento até poderia ficar confuso e perguntar-se se o PT é de direita ou se a esquerda não pensou, "antecipadamente", nos perigos das "comemorações" que estava a organizar em benefício do governo... o mesmo é dizer, se a esquerda, que até leu Bardèche, não se lembrou, antes de acordar o "gigante", que havia eleições no próximo ano...

Pois é, as manifestações são boas enquanto são dirigidas por "quem sabe para aonde ir, o que fazer e com o que se indignar" - o pior é quando vêm as "massas amorfas" das "classes médias"(que como toda a gente sabe são sempre potenciais agentes de um fascismo real), que "não sabem o que fazer, pois provavelmente nunca foram numa manifestação", dar cabo da festa...
É claro que essa massa ignara, a maioria, "não sabia o que havia presenciado ou o que se constituía ali" (quem sabe por ser amorfa, isto é, por não lhe ter sido dado forma por quem sabe em devido tempo), pois se soubesse nunca aceitaria "sequestrar" um "movimento" de que não é dona e cantar "palavras de ordem como «o povo acordou» e «o gigante acordou»". Afinal, quem é que essa maioria julga que é para pretender falar pelo "povo"? O problema talvez seja mesmo o das "bases sociais": se só os "trabalhadores" se pudessem manifestar, as palavras de ordem já não poderiam ser "ressignificadas", já não haveria agressões e já não seriam necessárias "comissão de segurança dos partidos, pois já ninguém insultaria os partidos de "oportunistas", exigindo manifestações "sem partido", ou veria com bons olhos os agentes provocadores. Bom, bom, era que só os "trabalhadores", e não "aquela gente a quem os jornalistas gostam de chamar classe média", estivesse indignada, em fúria e em cólera, por que só quando estes sentimentos vêm daqueles é que são legítimos e justificados. Mas que digo eu? Bom, bom, era que só houvesse "trabalhadores" que nunca tivessem a possibilidade de ascender à "classe média", de um lado, e "capitalistas", do outro. Assim, nunca mais haveria dúvidas de que as manifestações eram efetivamente dos trabalhadores e não dos "patrões e da diretoria", e de que a esquerda "por trás" dos trabalhadores fossem sempre "por mudanças radicais contra o capitalismo, [e não] apenas para mudar a forma que deve gerir o capitalismo"...

Depois admirem-se se a história se repetir como tragédia

Miguel Serras Pereira disse...

Anónimo,
ler o artigo como uma apologia do PT, ou de outro partido, ou da necessidade de uma direcção esclarecida e superior, como alternativa às "massas amorfas" é uma sobreinterpretação abusiva e/ou falta de imaginação. O que o artigo faz é denunciar a ameaça fascista, por um lado, e pôr em evidência a incapacidade, à esquerda, por parte das organizações existentes para a combaterem. Em termos mais gerais, a perspectiva não é o paternalismo, mas a tomada de consciência de que a alternativa não é entre organização hierárquica e desorganização ("massas amorfas"), mas entre o governo hierárquico, de conteúdo e forma classistas, da sociedade e/ou da acção política, e o autogoverno democrático dos trabalhadores e cidadãos comuns.

msp