22/05/14

O movimento Zapatista

De modo a que a discussão que tem decorrido não fique pelo abstracto, acho que seria relevante conversar sobre um exemplo concreto, potencialmente esclarecedor das diferentes posições em confronto. Esse exemplo é o movimento Zapatista, e o processo transformador por ele desencadeado há 20 anos.

Um dos elementos mais salientes deste processo é a valorização da autonomia e do anti-autoritarismo. Todas as decisões são tomadas de modo democrático, em assembleias onde se procura o consenso. Uma parte significativa da produção é comunal, sendo os trabalhadores quem define as relações sociais de trabalho (e portanto controla os meios de produção). Isto é, para mim, socialismo ou comunismo, no concreto, em construção. E basta-me. Não me interessa se tal processo contribui para o “desenvolvimento histórico” da Humanidade. Dum ponto de vista marxista, provavelmente não, pois tem efectivamente constituído um obstáculo ao desenvolvimento capitalista das “forças produtivas” em Chiapas. Não tenho grandes dúvidas sobre o modo como é visto o movimento Zapatista pelos defensores do “socialismo da abundância”. Mas, preferia dar-lhes a palavra.

5 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Mas, Pedro, o primeiro problema não está em decidir se o "desenvolvimento histórico" é um fim ou um meio, mas explicitar o que se deve entender por "desenvolvimento histórico". Para mim, é evidente que a extensão e potenciação da autonomia democrática — somos nós, sabendo que o fazemos, e entre iguais, que nos damos as nossas próprias leis, por conta e risco próprios — devem ser os critérios fundamentais do "desenvolvimento histórico".
Por outro lado, o exemplo que evocas mostra bem que o movimento de democratização é inseparável e tem como pressuposto a luta contra a escassez (resultante, por exemplo, da repartiçaõ do produto e das prioridades que orientam a produção) e o horizonte de uma "abundância" definida nos termos em que o faz o João Valente Aguiar: "redução da exposição humana [ ou das populações]a contingências supra-individuais" — definição que, de resto, deixa em aberto saber quais as vias mais favoráveis e razoáveis de a conseguir. Comprovar que um movimento de democratização constitui "um obstáculo ao desenvolvimento capitalista das 'forças produtivas'" não é comprovar que esse movimento possa prosseguir sem libertar capacidades de produção de relações e bens que o capitalismo exclui,secundariza ou ignora.

Abraço

miguel(sp)

Niet disse...

Castoriadis arraza a teoria do valor-trabalho e a mais valia de Marx, conjugando a transformação do capitalismo post-guerra, mais precisamente a partir de 1975, e as sequelas sociais e históricas profundas da incontroláveis burocratização totalitária do comunismo-dito-soviético face à degenerescência mole provocada pela burocracia difundida pela social-democracia keynesiana. Não seria uma boa e pedagógica via,estudar o fim do marxismo histórico através da revolução social e técnica introduzida pela cibernética e a mundialização,como o tentaram Negri e Hardt. entre outros? Niet

Libertário disse...

O Miguel Serras Pereira opta sempre por ignorar que os argumentos de João Bernardo e de João Valente Aguiar não se reduzem a esse conceito de «abundância» ("redução da exposição humana [ou das populações]a contingências supra-individuais"), com que todos estamos de acordo, mas pressupõem uma concepção optimista, para não dizer irracional,de «desenvolvimento» que recusa toda a crítica ecológica e a existência de limites, ou de sustentabilidade, para a expansão universal da sociedade urbano-industrial-de consumo...
Por isso mesmo teriam de clarificar seriamente a sua «abundância». Pois não deve ser a «abundância» que os países capitalistas da Europa e da América do Norte proporcionam às suas elites e classes médias. Essa não irá ser universalizada nem pelo capitalismo, nem pelo comunismo de João Bernardo e João Valente Aguiar.

Anónimo disse...

Sobre os zapatistas eu recomendo a obra do Jorge Valadas, se bem que tenho pouca esperança de ver este comentário publicado tal como aconteceu há pouco tempo num post deste gajo. Parece que aplica a escassez também ao número de comentários permitidos.
A crítica ecológica, senhor libertário tem ela mesma que ser criticada porque é por um lado ideologia reaccionária e por outro pseudo-ciência. Os limites por um lado são ultrapassados pelo engenho humano, como sempre tem acontecido, e por outro, haver limites não é um problema pois necessariamente as necessidades humanas e a abundância nunca são ilimitadas ou infinitas. E continua a questão de as organizações ecologistas e a esquerda que segue o mesmo caminho não proteger no fim de contas o ambiente mas simplesmente de se opor ao progresso e de maneira irracional. Defende a agricultura biológica, ataque inovações na agricultura, opõe-se à energia nuclear, e tudo isto baseando-se em falsidades e comprometendo mesmo os objectivos que dizem ser a sua razão de ser.
http://theanarchistlibrary.org/library/sylvie-deneuve-charles-reeve-behind-the-balaclavas-of-south-east-mexico

Miguel Serras Pereira disse...

Libertário,

acho que tenho deixado claro que não ponho a questão dos "ecologismos" nos mesmos termos que o João Bernardo ou o João Valente Aguiar. Basta veres o subtítulo chamado "Ecologismos"de um dos meus recentes posts sobre o Manifesto do JB (http://viasfacto.blogspot.pt/2014/05/joao-bernardo-sobre-esquerda-e-as_5.html)para te dares conta disso — mas escrevi mais sobre o assunto, como julgo que não ignoras. O que se passa é que entendo não dever — nem ter o direito de — distorcer as posições do JB sobre esse e outros assuntos para formular as minhas divergências.
Quero crer que não me desaprovarás por agir assim.

msp