29/06/14

Vergonha e falta dela

Quem poderá não dar razão à Joana Lopes quando considera uma vergonha que numerosos países ocidentais votem contra a defesa dos direitos humanos quando as propostas de medidas nesse sentido desagradam aos proprietários e gestores dos seus capitais? Mas talvez não faça grande dano ao mundo assinalar também a não menos ignóbil falta de vergonha dos governos que subscrevem no papel medidas de dignificação do trabalho e de reconhecimento alargado de direitos, ao mesmo tempo que perseguem nos seus países e em todas as partes do mundo ao alcance da sua influência tudo qie que evoque liberdades políticas e direitos sociais. Isto, para já não falar da curiosa ideia de entregar a supervisão da defesa de liberdades e direitos a governos como os da China, Rússia, Cuba, Marrocos, entre outros mais ou menos igualmente insuspeitos de "ocidentalismo".

O cãomarada de Albernoa


Um homem morreu este domingo, vítima de ataque de um cão, na zona de Albernoa, em Beja.
Segundo fonte do comando territorial da GNR de Beja confirmou ao DN, um homem de 60 anos terá morrido na sequência de um ataque de um cão, cuja raça ainda não foi apurada.
O corpo encontra-se à espera de autorização das autoridades para a realização da autópsia.

Quase aposto que, no caso de o cão ser abatido, teremos uma consternada vaga de protestos fracturantes por parte de animalistas e companheiros de jornada do BE, pressionando Francisco Louçã a acorrer em defesa do cãomarada, com a mesma intrepidez com que abaixo-assinou por Zico; caso o animal fique detido até haver decisão judicial, os mesmos reclamarão justiça para o inocente animal numa campanha que provavelmente obrigará, não só Louçã, mas também Costa e Seguro a marcarem a sua posição acerca do cãomarada de Albernoa, tornando mais agudas as tensões internas do PS e do BE.

28/06/14

Dossier sobre a zona euro

Num momento em que grande parte da esquerda à esquerda do Partido Socialista parece querer enveredar por uma crescente hostilidade ao primado do nível europeu e supranacional, vale a pena consultar o Dossier que o site Passa Palavra publicou nos últimos anos a propósito dos problemas económicos da zona euro. O Dossier é constituído por 25 artigos e constitui um importante património de reflexão. A ler e consultar aqui.

27/06/14

Re: O golpe institucional do "Parlamento" Europeu

No Blasfémias, Gabriel Silva considera que o que se está a passar com a nomeação do Presidente da Comissão Europeia é um "golpe":
O Parlamento Europeu incitou a que os principais partidos apresentassem candidatos a presidente da Comissão Europeia. Arrogou-se assim da faculdade expressamente prevista de ser o Conselho Europeu a indicar tal candidato. Nem faltaram ameaças de chumbo a qualquer outro candidato que não fosse o proposto pelo partido mais votado.

O Tratado de Lisboa diz explicitamente que a competência para indicar um candidato a Presidente da Comissão é do Conselho Europeu.  «Tendo em conta os resultados das eleições para o PE». Ou seja, preferencialmente alguém da área politica mais votada ou que consiga em coligação uma maioria no PE. Depois disso, o PE terá de aprovar ou não tal candidato. Era um equilíbro de tipo federal. Mas que agora é destruído.

O que o Parlamento Europeu forçou, foi uma revisão não-oficial do Tratado.
Noto que a Constituição portuguesa também diz:
Artigo 187.º
Formação
1. O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.
Ou seja, a formulação constitucional portuguesa também diz que o primeiro-ministro é indicado pelo Presidente da República, e "tendo em conta os resultados eleitorais" (ok, tem a diferença de referir também "ouvidos os partidos representados na Assembleia da República", mas o ponto 7 do artigo 17º do Tratado de Lisboa também fala em "depois de proceder às consultas adequadas"[pdf]); no entanto, os partidos apresentam "candidatos a primeiro-ministro", e se, após umas eleições, o Presidente nomeasse um primeiro-ministro que não fosse o proposto pelo bloco vencedor das eleições (que não tem necessariamente que coincidir com o partido mais votado, mas em Portugal tem sempre sido), isso é que seria considerado como quase um golpe.

Ou seja, se nomear para a presidência da Comissão o candidato do PPE (e por ser o candidato do PPE) é um "golpe", então parece-me que Portugal tem vivido em golpe quase permanente.

Pode-se argumentar que o que interessa não é só a constituição escrita, mas também a "constituição não-escrita" (ou, se preferirmos, a "cultura política", ou a "tradição"), e enquanto a tradição portuguesa é a das eleições legislativas serem na prática a eleição do primeiro-ministro, não é essa a tradição europeia; bem, mas se é assim, parece que agora passou a ser (no fundo, aquilo a que num dado momento chamamos "tradição" é largamente o resultado acumulado de muitas ruturas com a tradição ocorridas ao longo dos séculos).

Também sobre o assunto: Crise institucional na UE?

A peste, a fome e a guerra são uma alternativa à austeridade?

O que é espantoso nas recentes declarações, transcritas pelo i,  de Francisco Louçã sobre a questão do euro, apresentada agora por ele, como solução difícil mas viável, é que todos os considerandos em que se baseia têm por pressuposto a renúncia a travar a batalha contra a austeridade no plano transnacional e, para começar, europeu. É uma linha exactamente contrária à do Syriza, que aposta num combate, também sem dúvida difícil, mas de qualquer modo mais compensador e menos antidemocrático (o próprio Louçã mostra bem o autoritarismo reforçado e militarizado que a ruptura unilateral com o euro acarretaria), visando inflectir a política da UE e forçar a um recuo a sua direcção oligárquica. Entendamo-nos: o mais grave não é que a recente viragem de Louçã, a vingar no BE, signifique o suicídio político deste último, mas está antes nos riscos que o reforço que essa viragem representa do peso do aventureirismo burocrático e nacionalista protagonizado pelo PCP e estranhos companheiros de jornada em relação à Europa, apostando — tal como os partidos de extrema-direita — na sua desagregação ou implosão, ou seja: na via da peste, da fome e da guerra, maquilhada de alternativa ao austeritarismo governante.

26/06/14

A defesa acusa



Terminou na última terça-feira, 17 de Junho, a série de cinco audiências onde se disputou a verdade sobre os acontecimentos no Chiado, que opuseram de forma violenta agentes da PSP e manifestantes, no contexto da greve geral de 22 de Março de 2012. Sobre Miguel Carmo recai a acusação de ter arremessado uma cadeira das esplanadas (“com toda a força”) contra a linha de seis polícias que abria cabeças e desferia golpes sem parar, na sequência de uma detenção no interior da manifestação, onde foi arrastado pelo chão um homem (estivador), que vinha rebentando petardos no desfile. No total foram ouvidas 20 testemunhas (7 polícias e 13 manifestantes). Dia 3 de Julho será lida a sentença, pelas 15h, no local do costume: Campus da Justiça, Edifício B, 5ºJuízo, 1ª secção. São todos bem-vindos a assistir. 
 Por outro lado, já esta sexta (dia 27, 20h) tem lugar no RDA69 um jantar e conversa sobre a relação entre o desenvolvimento dos dispositivos de monitorização e repressão e as lutas sociais dos últimos anos. Este momento é organizado pelo Observatório do Controlo Social e da Repressão que tem estado a mobilizar recursos enquanto observatório e fundo para apoio a processos judiciais:
Há cerca de dois anos, num contexto em que milhares de pessoas saíam para a rua em protesto contra o roubo generalizado das suas vidas, veio a público a existência do Núcleo de Informações da PSP, descrita pelos meios de comunicação social como uma espécie de unidade secreta integrada na Polícia de Segurança Pública, tão secreta que não chega a constar da orgânica institucional.
Após as manifestações da greve geral de 14 de novembro de 2012, marcadas por uma forte carga policial e por detenções ilegais, a unidade chegou mesmo a tentar aceder, à margem de qualquer mandato judicial, a imagens não editadas produzidas por orgãos de comunicação social. Mais recentemente, no âmbito do processo judicial contra Miguel Costa do Carmo, acusado de arremessar uma cadeira contra agentes da PSP aquando das manifestações da greve geral de 22 de março, existem indícios da participação desta unidade na orientação dos depoimentos de testemunhas de acusação.
A partir deste exemplo específico, propomos uma conversa em torno dos atuais dispositivos de monitorização, controlo e repressão das lutas sociais, para lá tanto da denúncia da violência policial (que existirá, certamente) como da paranóia auto-referencial que vê paisanos e infiltrados em toda a parte.

24/06/14

Em cheio: Ricardo Noronha sobre o BE no Passa Palavra

Excelente, a primeira parte da análise que o Ricardo Noronha publica hoje no Passa Palavra sobre a história do BE, e, sobretudo, sobre as razões profundas da sua falência como alternativa, digamos assim, anticapitalista porque democrática, visando novos modos, tempos e lugares de um exercício político, tendencialmente governante, dos cidadãos comuns.

Ler aqui Continuar de novo? Notas sobre um partido ligado à máquina (1ª parte).

16/06/14

Trabalhadores e capitalistas, alemães e portugueses

Na discussão ali em baixo, alguém argumenta que "o trabalhador alemão não explora directamente o trabalhador português, apenas recolhe algumas benesses providenciadas pela burguesia alemã decorrentes dos ganhos dessa burguesia sobre o sul".

Creio que até se poderia argumentar quase o contrário - que uma das razões que permite à burguesia alemã explorar mais os "seus" trabalhadores é exatamente os seus ganhos sobre o "sul". Mais exatamente, a razão porque a distribuição do rendimento na Alemanha pode ser, em termos relativos, enviesado a favor do capital em detrimento do trabalho sem provocar uma crise de subconsumo é exatamente porque, no contexto da zona euro, o euro é mais fraco do que seria um marco independente, levando a que as exportações alemãs sejam maiores do que seriam sem euro (e por outro lado, leva os países do "sul" a terem um saldo comercial mais desfavorável do que sem o euro), tornando assim desnecessário à burguesia alemã fazer politicas de estimulo à procura interna.

Aliás, em larga medida uma das piores coisas que os paises do "norte" da Europa estão a fazer aos do "sul" é a austeridade... no norte (que não permite aos paises do "sul" compensarem a redução da procura interna com o tão propagandeado aumento das exportações). Ou seja, eu diria que há espaço para uma larga confluência objetiva de interesses entre os trabalhadores do "norte" e do "sul" da Europa, que são todos prejudicados pela política de austeridade.

É um facto que essa confluência objectiva não parece estar a dar origem a uma confluência subjectiva, muito pelo contrário - as classes populares acima da linha dos Pireneus/Apeninos estão a aderir de forma crescente a formas de direita xenófoba e/ou eurocética; isso é em parte o resultado do proletariado nórdico estar a acreditar no que a sua burguesia diz - "temos que praticar a austeridade, porque senão acabamos como aqueles desgraçados dos do sul, falidos e a viver à nossa custa" - e deduzir "bem, se eles estão falidos porque andaram a gastar à grande enquanto nós poupávamos, então temos é que nos livrar desses parasitas"; claro que isto põe também a burguesia europeia numa linha delicada - por exemplo, o governo alemão precisa de uma AfD suficientemente forte para poder dizer nas reuniões da UE "não podemos dar mais dinheiro ao sul, nem alterar prazos de pagamento de dívidas, porque já há muita oposição na Alemanha" mas não suficientemente forte para pôr em perigo o euro e a própria UE.

13/06/14

O primado do plano europeu

Só compreendendo o real carácter de supranacionalização da economia europeia poderá alguém contrapor um projecto democrático, socialista e só, dessa forma, a austeridade poderá ser travada. Enquanto uma certa esquerda insiste no plano nacional(ista) da saída do euro, na Grécia, Alex Tsipras lembra que só «uma solução europeia global» que integre o BCE, o Banco Europeu de Investimento e o Conselho Europeu, permitiria anular grande parte da dívida pública grega (aqui). Mesmo as políticas de desenvolvimento, defende Tsipras, deveriam ser expressas a partir de um plano europeu. Independentemente de discordâncias sobre outras questões, é uma excelente notícia saber que o principal rosto da esquerda europeia assume uma posição decisivamente orientada para o plano europeu.

12/06/14

A "democracia electrónica" de Beppe Grillo

Ao contrário dos partidos normais, onde a decisão de decidir a que "família europeia" se juntar é tomada no segredo dos bastidores por uma elite todo-poderosa, o Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo deu aos seus militantes (ou também aos simpatizantes?) o poder de tomar essa decisão; assim, no seu blogue foi organizado uma espécie de referendo informático para escolher em qual dos 9 (existentes ou previstos) grupos parlamentares europeus o M5S vai aderir; isto é, não é bem isso, mas é quase: na votação online, os grillistas puderam escolher entre aderir ao grupo do UKIP (do populista anti-imigração Nigel Farage, com que Beppe Grillo teve um encontro animado há umas semanas), ao grupo conservador (que tem como principal força os Conservadores britânicos de Cameron) ou aos "Não-Inscritos" (isto é, não aderir a grupo nenhum). Pelos vistos 90% dos votantes optaram por aliar-se ao UKIP (parece algumas sondagens feitas pela impressa italiana indicavam que o grupo favorito entre os simpatizantes do M5S era o Grupo Verde/Aliança Livre Europeia, mas essa hipótese não foi posta a votação).

Não é inspirador este modelo de democracia directa electrónica, em que as bases podem verdadeiramente tomar elas as decisões, sem serem de forma alguma condicionadas ou "empurradas" pelos dirigentes num caminho especifico?

11/06/14

Crise institucional na UE?

Nota importante: se entretanto aparecerem notícias "Conselho Europeu propõe Juncker para a Comissão", ignorar todo o meu post (bem talvez a parte do "precedente" se aplique há mesma).

Anda toda a gente a discutir o governo e o Tribunal Constitucional, quando não discutem as "movimentações" internas no PS ou no Bloco.

Mas a esta altura a maior convulsão possa ser a batalha que se está a desenhar entre o Conselho Europeu (representando os governos nacionais) e o Parlamento Europeu para a escolha do presidente da Comissão. Se o Conselho propuser outro nome que não o de Juncker, podemos ter um conflito semelhante aqueles que antigamente ocorriam na Europa quando as competência dos parlamentos e dos reis (e ocasionalmente das câmaras altas) ainda não estavam bem cristalizadas, e havia crises constitucionais em que nenhum dos lados aceitava ceder (até que um lado - normalmente o rei - acabava por ceder e a partir daí criava-se o precedente que quem decidia esse assunto era o parlamento).

Nestas eleições, houve uma tentativa de "parlamentarizar" a UE, e de (como acontece nas eleições nacionais) fazer da eleição do PE também uma escolha do presidente da Comissão Europeia. No entanto, parece que os governos não gostaram muito da ideia e se calhar, só por embirração, vão propor outro presidente que não o "vencedor" Juncker; se isso acontecer, será que o Parlamento vai aceitar a proposta, ou irá fazer finca-pé na tentativa de parlamentarização e recusar qualquer candidato que não seja Juncker (ou um dos outros candidatos pré-eleição)?

Se houver esse choque Conselho (isto é, governos) - Parlamento, e se o Parlamento ir rejeitando as propostas do Conselho até este propor o Juncker (ou eventualmente o Schultz), penso que, daí em diante, ficará estabelecido o precedente que a escolha do presidente da Comissão Europeia pelo Conselho será, doravante, como a nomeação do primeiro-ministro pelo Presidente da República em Portugal: uma simples constatação de qual a relação de forças no parlamento, sem pouca margem para discricionaridades; já se acontecer o contrário, e o Conselho ganhar a batalha, não tenho tanta certeza que seja tão definitivo - vou parecer um determinista histórico, mas creio que há certas coisas que são mais definitivas quando acontecem numa direção do que noutra (suspeito, aliás, que a escolha de um presidente que não um dos nomes inicialmente apresentados irá, sobretudo, aumentar o risco de um rutura futura da UE, já que vai desiludir os europeístas mais entusiastas e duvido que faça grande diferença para os eurocéticos, pelo que no balanço final vai dar força aos últimos).

Diga-se que eu suspeito que, além do Marcelo Rebelo de Sousa, mais ninguém votou a pensar no Juncker (que nem foi candidato a eurodeputado), e que os únicos eleitores do Schulz terão sido os alemães que votaram na lista do SPD que ele encabeçava; penso que só em Tsipras houve mesmo uma tentativa de mobilização pan-europeia, com listas nacionais (como em Itália) a terem o nome dele na sua designação (o facto de Tsipras e o Syriza serem provavelmente mais populares do que o "Partido da Esquerda Europeia" provavelmente ajudou).

De qualquer forma, se o Conselho apresentar outro candidato que não Juncker, como poderá o Parlamento votar? Para começar, vamos dar uma olhada no que neste momento pode ser uma distribuição provisória dos votos (mais ou menos tirada daqui; entretanto, parece que há minutos a extrema-direita anunciou a criação de um grupo formal, mas não estou a ligar a isso):

Esquerda Unitária 49
Partido Comunista Grego 2
Verdes/Regionalistas/"Piratas" 55
Socialistas 192
Liberais 65
PPE 221
Conservadores 57
Direita eurocética + Extrema-direita 86
Outros 24

Total 751

[Os dois deputados do MPT ainda estão nos "outros" e não nos Liberais; mas como houve mais "contratações" alem dessas, não vou refazer os números todos]

Suspeito que o PPE (de qual será quase de certeza o nome proposto) e os Conservadores (que desde o principio se opuseram à ideia de nomes previamente apresentados; e consta que Cameron é das pessoas que mais tem manobrado para Juncker não ser o escolhido) irão sempre votar a favor (221+57=278); a Grupo da Esquerda Unitária, e mais os seus "dissidentes" do KKE de certeza que votariam contra qualquer nome proposto; de certeza que os Verdes e seus aliados (que são talvez o grupo mais entusiasta da democratização da UE) irão votar contra qualquer nome que seja um dos inicialmente propostos (assim, temos pelo menos 49+2+55 = 106); normalmente a direita eurocética e a extrema-direita seriam de contar na coluna dos que votariam sempre contra, mas neste caso talvez não, já que como a ideia do presidente eleito tem uma conotação federalista, podem estar tentados a votar a favor ou pelo menos a abster-se só para derrotar os "federalistas"; a respeito dos Socialistas e dos Liberais: normalmente nas grandes questões há um bloco central PPE/Socialistas/Liberais, mas talvez os Socialistas e/ou os Liberais insistam em "respeitar os resultados"... Mas mesmo 257 deputados que estes dois grupos têm não seriam suficientes para rejeitar uma proposta do Conselho: junto com os 106 do GUE+KKE+Verdes dá só 363 (a maioria no parlamento europeu é de 376). Ou seja, se o PPE e os Conservadores (isto é, Merkel e Cameron) se puserem de acordo para um candidato, têm muito por onde procurar os 98 votos que lhe faltam.

Claro que não faz grande sentido tratar as famílias politicas europeias em bloco, como se fossem partidos nacionais: afinal, os Trabalhistas britânicos também são a favor de um presidente escolhido pelo Conselho, e a Alemanha tem dado tanta força a Juncker que provavelmente muitos democratas-cristãos alemães (para não falar dos sociais-cristãos luxemburgueses) iriam votar contra outro candidato que não ele (mas talvez essas dissidências se anulem mutuamente).

05/06/14

O rei de Espanha foi a votos?

Alguns comentadores (p.ex., Miguel Sousa Tavares na última segunda-feira na SIC) têm argumentado que o rei Juan Carlos de Espanha "foi a votos" ou mesmo "eleito", por causa do referendo de 1978 (em que foi aprovada a atual Constituição espanhola).

Ora, mas o que foi votado em 1978 não foi "monarquia ou república?", mas sim "a) uma monarquia parlamentar, com um estado unitário e autonomias regionais, etc. ou b) qualquer coisa que depois logo se vê" (isto é, se o "não" tivesse ganho a Espanha não se tornaria automaticamente uma república - simplesmente as Cortes franquistas voltariam a elaborar um projeto constitucional que voltaria a ser referendado). Aliás, o "sim" teve o apoio de partidos republicanos (como os Comunistas) e de monárquicos que acham que Juan Carlos não é o rei legítimo (como os Carlistas), e o "não" o de partidos não republicanos como a Fuerza Nueva de Blas Piñar.

Assim, o resultado do referendo não quer dizer que em 1978 os espanhóis optaram pela monarquia em detrimento da república (nem por Juan Carlos em detrimento de outros pretendentes) - apenas que acharam melhor a Constituição de 78 do que ficarem mais uns anos de "transição" a preparar um novo projeto constitucional.

PCP declara convergência com Marine Le Pen e convence Francisco Louçã

Resta saber até que ponto conseguirá Francisco Louçã convencer o BE, mas aparentemente leu isto e deixou-se, pelo menos ele, (con)vencer pelo PCP:

Todos falam da ascensão da extrema-direita nas eleições para essa instituição de fachada que é o Parlamento Europeu, nomeadamente dos 25% obtidos em França pela sra. Le Pen.   No entanto, há (…) coisas que devem ser precisadas: (…) Ainda que a referida senhora (ou o pai dela) sejam de extrema-direita, o programa que a Frente Nacional apresentou ao povo francês não era de extrema-direita. Muitas das suas propostas eram perfeitamente razoáveis, corajosas e até meritórias, como a saída do euro e da UE, a defesa de indústria nacional, a ruptura com a globalização, a independência frente aos ditames estado-unidenses. Teses como essas não são de extrema-direita. São, sim, progressistas.

Um caminho comum

O colectivo Roar divulgou ontem um texto intitulado Workers and environmentalists of the world, unite! Escrito por Stefania Barca, investigadora no CES - Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, nele se defende que o (aparente) conflito entre a defesa do trabalho por um lado e do ambiente por outro é uma construção neo-liberal, que tem como principal objectivo impedir a criação duma coligação ampla que tenha por finalidade a transformação radical da produção. Um outro texto escrito por Stefania, que aprofunda as questões abordadas no texto anteriormente mencionado, e que se intitula On working-class environmentalism: a historical and transnational overview, foi publicado numa edição da revista Interface sobre movimentos laborais que contém mais artigos relevantes para a questão em apreço.

03/06/14

Romper o "duplo vínculo" da opção entre austeritarismo e nacionalismo

Um comentador anónimo acusa-me de ao criticar o nacionalismo de Jorge Bateira adoptar uma posição que, no imediato, não se distingue daqueles que chama os "neoliberais" no que se refere à questão europeia. Dada a importância da questão — apesar da fraqueza dos argumentos do referido comentador — e a extensão da resposta, opto por dar-lhe aqui a forma de post.


Anónimo,

os "neoliberais", como você lhes chama, são em boa medida responsáveis pelo surto nacionalista, e pretendem agora combatê-lo reforçando os mecanismos de cooptação nas cúpulas e outros métodos antidemocráticos. É essa a lógica do austeritarismo, que, desde o início da crise (e já antes disso) tenho, como outros denunciado. Mas responder-lhe com o nacionalismo é juntar à peste a fome e a guerra. É o que, apesar de tudo, um "keynesiano de esquerda" como Vicenç Navarro — para recorrer ao título que lhe dava aclamando-o um neo-"patriota de esquerda" como João Rodrigues, que hoje cerra fileiras ao lado de Jorge Bateira — compreendeu bem  nesta breve análise que tem pontos de convergência importantes com a que o colectivo do Passa Palavra acaba também de publicar conforme refiro alhures.

Vicenç Navarro: "O caso da França é claro. A Frente Nacional, dirigida por Le Pen, foi a que utilizou, durante a campanha das eleições para o Parlamento Europeu, um discurso mobilizador da classe trabalhadora, apresentando-se, a si mesma, sem nenhuma inibição, como o melhor instrumento para defender os interesses da classe trabalhadora, na luta de classes, frente à oligarquia nacional que atraiçoara a pátria, vendendo-se à Troika. É o nacional-socialismo, que, historicamente, teve uma base operária e que, agora, a recupera, com a cumplicidade da esquerda tradicional (muito especialmente a social-democracia), ao impor políticas que prejudicam os interesses das classes trabalhadoras, para aumentar os lucros do capital. Neste discurso, a luta de classes e a identidade nacional são idênticas, utilizando a bandeira e a defesa da identidade e da pátria como princípios mobilizadores. Foi uma mistura ideológica imbatível. Era lógico e predizível que o fascismo ocupasse o vazio criado pelo socialismo e comunismo. No domingo passado, Le Pen conseguiu o apoio de 30% dos jovens e 43% dos trabalhadores franceses".

Colectivo do Passa Palavra: "A crítica da austeridade só é completa se criticar com igual veemência o nacionalismo que a agrava e procura replicá-la num grau imensamente superior. Sem esta dupla crítica, a esquerda radical corre o risco de ficar cada vez aprisionada numa teia que tem escapado das suas reflexões. Repetimos: mais de 20 anos após o colapso da URSS, eis que em Portugal os herdeiros do estalinismo têm mais peso e influência eleitoral e social do que o conjunto das outras correntes à esquerda. A restante esquerda vai continuar a deixar passar em branco este fenómeno ou irá finalmente reflectir nas suas implicações?"

Em suma, e como escreve Yves Pagès num balanço excelentemente apresentado pelo Jorge Valadas: "nunca é tarde para levantar cabeça e não ceder à resignação comum, induzida por este «duplo vínculo» mortífero: ou o pragmatismo económico ou o perigo populista; para encontrar a força colectiva de neutralizar a alternativa viciada que pretendem agora impor-nos: apertar o cinto com o FMI ou cair sob a bota das centúrias fascista".

Uma análise do colectivo do Passa Palavra que o BE (e não só) muito ganharia em ter em conta…


… o título do documento é Quem puxa quem? O avanço dos nacionalismos e os riscos para a esquerda radical e faz bem o ponto da encruzilhada presente, traçando perspectivas que permitam uma ruptura com os seus impasses e com a ameaça nacionalista que pesa sobre a Europa. Senão leiam:

(…)

Neste plano desenha-se um cenário impensável há cinco ou seis anos atrás. A erosão das correntes não-estalinistas na esquerda portuguesas e a progressiva hegemonização política, ideológica e organizacional do campo à esquerda do PS pelo PCP. Mais de 20 anos após o colapso da URSS, eis que em Portugal os herdeiros do estalinismo têm mais peso e influência eleitoral e social do que as outras correntes à esquerda em conjunto. Enquanto o BE tem tido crescentes dificuldades em assumir uma visão europeia coerente e inequívoca relativamente a um trajecto de progressiva integração europeia, o PCP manteve a sua coerência anti-europeia, organizou-se e conseguiu capitalizar parte da contestação à esquerda. Em vez de proclamar sem tibiezas que a crise económica não se resolve com uma saída do euro e com a substituição da União Europeia por nacionalismos económicos, o Bloco tem tentado manter um pé em cada lado. Contudo, quando o contexto estrutural da União Europeia se encaminha cada vez mais para um aprofundamento da sua integração (…) e quando as soluções apresentadas pela esquerda nacionalista são cada vez mais exclusivistas, há que fazer escolhas. Ou pela actuação no plano europeu contrapondo um projecto político transnacional de esquerda à transnacionalização dos tecnocratas, ou pelo alinhar de espingardas ao lado dos que, da esquerda à extrema-direita, anseiam por exclusivismos nacionais.

Curiosamente, na Grécia, o Syriza chega aos 30% com um discurso que não coloca em causa o euro e num país onde a extrema-direita neonazi consegue um resultado eleitoral semelhante ao do PC português. Contudo, as condições gregas são especiais e ali o Syriza substituiu o PASOK. Mas, apesar de tudo, um partido minimamente europeísta consegue um resultado melhor do que os nacionalistas e com um discurso que não quer sair do euro. Ora, em Portugal não existe nem uma extrema-direita com a influência e com a violência de rua da Aurora Dourada, nem o descalabro económico e social é comparável ao que ocorreu na Grécia (em Portugal o PIB retraiu 8% em três anos, um terço do registado na Grécia). (…) Do ponto de vista eleitoral, já que as eleições são um dos terrenos centrais da intervenção do BE, ou este partido se distingue do PCP e, no mínimo, pugna por uma democratização das instituições da União Europeia, ou então o BE corre o risco de ser visto cada vez mais como uma cópia do PCP em matéria europeia. E, como sempre acontece nessas situações, quem vota preferirá o original à cópia. O grande risco que parece estar pendente sobre o BE é este.

(…)


02/06/14

A França e o resto — Quando o errado parece fácil

O texto de Yves Pagès que aqui publico sobre as recentes eleições europeias em França retoma dois aspectos essenciais : a profunda crise do sistema representativo e a penetração progressiva das ideias e das ideologias reaccionárias na sociedade. A abstenção maciça — que não é específica da situação francesa como se sabe —põe directamente em causa a legitimidade do funcionamento político do sistema capitalista. Esta questão é frequentemente dissimuladapela algazarra à volta do conceito,impreciso mas neste caso útil, de «populismo». Também inconfortável para os «pensadores» do sistema é a questão dos valores reaccionários, hoje assumidos, com variantes superficiais, por quase todos os sectores da vida política. Veja-se, por exemplo, a continuidade entre direita e esquerda na promoção do necessário sacrifício do empobrecimento social e na banalização do nacionalismo, xenofobia e diversas formas de exclusão. Temas, evidentemente, complementares.

Para além do que é dito por Y.P., ficam questões a sondar e a discutir. Algumas serão, sem dúvida, clarificadas pelo próprio movimento das sociedades nos próximos anos. Incontornável é o debate sobre as causas desta crise de representaçãoe, acessoriamente, esta atracção por valores reaccionários que ainda ontem eram tidos como liquidados pela História. Não será original, nem mesmo provocador, reivindicar aqui a fórmula de Marx segundo a qual, no capitalismo, as formas de dominação política e ideológica estão intimamente ligadas às formas de exploração do trabalho. No período em que entramos, caracterizado por uma perene crise de rentabilidade do capitalismo, de estagnação da economia produtiva, as condições de exploração são mais violentas. Em tempos de «austeridade perpétua», o autoritarismo das formas de dominação substitui a velha cogestão democrática entre explorados e exploradores, que trouxe vitalidade a partidos e sindicatos.

Na ausência de práticas e movimentos sociais dos quais possam emergir conteúdos auto-emancipadores, visões de uma reorganização social da vida e do mundo — a tal «ocupação concreta dos espaços libertados por este boicote eleitoral de massa» que menciona Y.P. — as propostas reaccionárias vêm ao de cima das águas estagnantes. Elas apresentam-se como soluções possíveis, tranquilizantes, alternativas a um quotidiano inseguro e incerto. A atracção por formações políticas que se reclamam destas ideias traduz uma falta de confiança nas nossas próprias forças para transformar a sociedade, para pôr um termo ao desastre. Assim, o que parece facilidade realista é mais do que uma demissão, é um engano que acarreta um terrível custo humano. Inversamente, uma vez mais, o que parece difícil, irrealizável e utópico constitui a única saída antes da barbárie. Entre a minoria dos trabalhadores que ainda vota, poucos são os que procuram uma nova «ordem nova», como as da velha senhora. Pelo voto nos maus da fita, a maioria desta minoria é convencida que vai «criar barafunda no mundo podre da política», modificar uma situação que lhes escapa. Incapazes de agir por si próprios e pelos seus interesses, frustrados e desesperados, eles fazem como de costume, delegam, desta vez a raiva…

As eleições europeias põem ainda mais em evidência o sentimento de impotência do explorado, do dominado — nomeado «eleitor»de vez em quando — face a uma casta política arrogante, autoritária e opaca, ligada aos interesses das forças capitalistas dominantes. No caso lusitano, a perspectiva de um regresso ao débil quadro nacional de soberania económica — defendida pela saloiada política nacionalista, de direita e de esquerda — será mais um desastre à D. Sebastião, mais um episódio da decadente História Trágico-Marítima… Obviamente, sem alterar a submissão da colectividade ao mesmo sistema de delegação do poder em benefício dos senhores da economia. Caminhos errados para tempos errados.

Como conservar a cabeça fria após a ressaca eleitoral ? —

Para além da vigilância antifascista.

A vitória enganosa de Marine Le Pen (com 25% dos sufrágios, mas com menos 1,7 milhões de votos do que na última eleição presidencial) não pode esconder o fenómeno principal desta eleição europeia: a abstenção maciça de 57,5 % do eleitorado, já para não falar dos 3% de votos brancos, 1,5% de votos nulos e os 0,5% obtidos pelo fantasmagórico Partido do Voto Branco, ou seja, 62,5 % dos 45,5 milhões de inscritos (por sua vez, menos meio milhão relativamente ao escrutínio de 2012), o que representa um total de 28,5 milhões de pessoas não participantes ou votos voluntariamente não expressos.

É claro que é difícil distinguir uma mensagem unívoca entre os muitos que não cumpriram o seu «dever» republicano ou recusaram escolher o «mal menor» no universo de candidatos. Nesta deserção das urnas há a expressão de humores diversos e flutuantes: desde quem se está nas tintas até aos que fazem resistência passiva, passando por outros motivos existenciais: o fechamento egoísta em si mesmo, a inércia depressiva, a indiferença relativamente às profissões de fé, a recusa de caucionar quem quer que seja, a dúvida conspiracionista, a objecção de consciência idealista, o sentimento de inutilidade, a amargura misantropa, a despreocupação juvenil, a incompreensão do que está em jogo, o reflexo da desilusão, a preguiça de sair de casa, a birra colegial, o desafio para com os governantes, a indecisão perpétua, o manguito ao sistema, o fatalismo desesperado, o esquecimento puro e simples, etc.

Embora seja abusivo procurar descobrir neste não-gesto do não-voto ou do voto neutro – tal como o «preferia não» de um Bartleby – uma recusa explícita da ordem dominante, não podemos omiti-lo, ou, pior ainda, considerá-lo apenas uma anódina «ausência de opinião». Quando dois terços dos eleitores potenciais dão um passo para o lado (aqui tal como no Egipto), esta ausência de adesão espectacular remete (uma vez mais) para a crise, ou mesmo a falência, do ritual democrático e da sua suposta representatividade. E do lado dos menores de 35 anos as proporções são ainda mais marcantes: com efeito, embora um terço dos que votaram tenha dado o seu voto à Frente Nacional, os dois terços desta faixa etária preferiram recusar a ida às urnas. Assim o resultado da FN é menos um triunfo irresistível (diminuindo, insistimos mais uma vez, de 13% dos inscritos em 2012 para 10% na semana passada) do que o efeito de vasos comunicantes decorrente da implosão dos partidos de governo que estiveram no poder nos últimos decénios.

A verdadeira preocupação é que, até agora, esta rejeição cidadã não parece ter, em França, libertado espaço para experiências de contestação activa dos imperativos da Austeridade (como na Grécia ou em Espanha, onde o lugar vago deixado pelo boicote eleitoral de massa deu origem a novas práticas extraparlamentares, preocupadas com a horizontalidade organizacional, a autodefesa local e cooperações utopicamente concretas… e vice-versa). Mas nunca é tare para levantar cabeça e não ceder à resignação comum, induzida por este «duplo vínculo» mortífero: ou o pragmatismo económico ou o perigo populista; para encontrar a força colectiva de neutralizar a alternativa viciada que pretendem agora impor-nos: apertar o cinto com o FMI ou cair sob a bota das centúrias fascistas. Nada está ainda perdido, mas torna-se urgente curtocircuitar esta chantagem binária a que nos vão submeter os meios de comunicação social, os democratas de todas as cores e os consultores da finança. Embora seja preciso dizer que o antifascismo radical é evidentemente necessário, este está longe de ser suficiente. A única saída, antes que a Frente Nacional negoceie (em posição de força) uma aliança/reconciliação de todas as direitas sob a sua bandeira ultra-modernizada (como em Itália há já quinze anos), seria quebrar imediatamente o isolamento de cada um de nós e o cansaço desencantado de todos, para passar à ofensiva no terreno da precarização social e urbana das nossas condições de vida. Em duas palavras, transformar esta linha de fuga da despolitização latente em energia colectiva de desafio activo dos poderosos. Vasto programa, mas que exige doravante ser enunciado com outras palavras, outros gestos, outras afinidades, diferentes dos tempos que já lá vão do paritarismo sindical ou do guevarismo de opereta do Front de Gauche… como tenta hoje fazer o movimento dos desempregados, precários, intermitentes e temporários (com ou sem papeis) face à frente comum do patronato e dos sindicatos mais consensuais com a duplicidade benevolente do poder socialista.

Dito isto, a urgência que existe de lutar contra a violência quotidiana da «Austeridade Perpétua», embora vá além do simples dever de vigilância antifascista, não significa que devamos subestimar a influência de Marine Le Pen (e dos seus jovens tecnocratas new-look) nos debates de sociedade, reproduzida com zelo pelos meios de comunicação social ávidos de sensações fortes ou pelos neoconservadores de todas as obediências partidárias que agora monopolizam as bancadas do Hemiciclo. E sabemos como os propagandistas da extrema-direita, apropriando-se das teorias de Antonio Gramsci, fizeram do combate pela «hegemonia cultural» o seu objectivo central, através do marketing viral da Internet (e dos seus boatos nauseabundos reciclados a preceito) ou lançando balões de ensaio que defendem tudo e o seu contrário até focar a atenção dos projectores do espectáculo jornalístico. Ignorar esta contaminação seria ceder terreno face à banalização sub-reptícia de certas palavras-chave da FN (retomadas desde a direita até à esquerda), aos autocolantes que florescem daqui e dali no mobiliário urbano, veiculando mensagens fóbicas : anti-árabes, anti-semitas, anti-drogados, anti-homossexuais, etc. Dir-se-ia que estamos a assistir a um reviver do activismo dos grupúsculos ultra, à margem do «novo visual» eleitoralista da Frente Nacional. No entanto, estes autocolantes, fundindo-se na paisagem, provocam, se não uma adesão maciça, pelo menos a vulgarização de novos idiomatismos que dão perfidamente eco ao desespero social ambiente. Aliás, é precisamente o objectivo dos «criativos » fascistóides que se escondem por trás de testas de ferro de uma nebulosa de movimentos fantoches, alimentar a paranóia complotista, o ressentimento rancoroso e a estupidez nacionalista. E, neste campo de batalha semântico, temos desgraçadamente de constatar que a sua ofensiva marca pontos, em consonância com a direitização dos debates públicos e, a contrario, com uma crise dos valores de emancipação colectiva.

29 de Maio de 2014

yves pagès

[http://www.archyves.net/html/Blog/?p=5758]


Passos Coelho, ainda tens muito a aprender com os camaradas cubanos

«Os médicos cubanos chamados a trabalhar em Portugal recebem um terço daquilo que é pago a qualquer clínico português que exerça as mesmas funções no Serviço Nacional de Saúde. Mas cada um custa quatro mil euros mensais ao Estado português, 80% do dinheiro segue diretamente para o regime de Havana».
Retirado daqui.

O governo austeritário de Passos Coelho tem ainda tanto a aprender com os mestres e camaradas de La Habana...

Mais vale tarde do que nunca

Há quem diga que, no momento da sua abdicação, "Juan Carlos tem já lugar de honra garantido nos futuros manuais de História". Eu gostaria de ir um pouco mais longe e acrescentar que os próprios republicanos mais intransigentes deveriam contribuir para tornar ainda mais singular e expressivo esse lugar nos manuais futuros, fazendo com que, mais vale tarde do que nunca, Juan Carlos neles viesse a figurar como o último rei de Espanha.

O BE, a democracia e a protecção dos animais


O que distingue um movimento democrático é o propósito, e um modo de intervenção e acção correspondente, de conquistar para os cidadãos comuns a participação igualitária na deliberação das decisões que lhes dizem colectivamente respeito e no exercício do poder político. É este o traço fundamental que opõe um partido ou movimento democrático às soluções propostas daqueles que reclamam o poder governante em nome de terceiros, ou de uma modalidade de defesa do bem ou dos interesses comuns que exclui o autogoverno dos interessados pelos seus representantes históricos ou eleitorais. Ora, não deveria ser preciso mais para se compreender que um movimento, por recomendável que seja, de protecção dos animais e da natureza, justamente porque até nova ordem exclui à partida os seus representados, aqueles cujos interesses invoca, da participação igualitária nas deliberações e decisões do seu governo não pode ser um movimento político democrático, ainda que, evidentemente, a democracia não exclua a protecção dos animais nem a deliberação sobre as questões ambientais.

É pena que Ana Drago, Marisa Matias e tutti quanti no BE compreendem bem que o perigo de aproximação do PS por via do Livre não passa de um fantasma alimentado por mentes que se recusam a reconhecer que a grande ameaça que pesa sobre o BE é a desagregação e dissolução por via da veneração e subordinação ao PCP, não se dêem conta da aberração que é, em termos políticos democráticos, um Partido pelos Animais e pela Natureza — sem prejuízo, repita-se, de um movimento democrático nada ter a opor às iniciativas de cidadãos protectores dos animais ou de associações visando a sua protecção, na medida em que tais cidadãos e organizações não façam da defesa dos animais e da natureza (seja lá esta o que for) o princípio da organização política da sociedade.