Nota importante: se entretanto aparecerem notícias "Conselho Europeu propõe Juncker para a Comissão", ignorar todo o meu post (bem talvez a parte do "precedente" se aplique há mesma).
Anda toda a gente a discutir o governo e o Tribunal Constitucional, quando não discutem as "movimentações" internas no PS ou no Bloco.
Mas a esta altura a maior convulsão possa ser a batalha que se está a desenhar entre o Conselho Europeu (representando os governos nacionais) e o Parlamento Europeu para a escolha do presidente da Comissão. Se o Conselho propuser outro nome que não o de Juncker, podemos ter um conflito semelhante aqueles que antigamente ocorriam na Europa quando as competência dos parlamentos e dos reis (e ocasionalmente das câmaras altas) ainda não estavam bem cristalizadas, e havia crises constitucionais em que nenhum dos lados aceitava ceder (até que um lado - normalmente o rei - acabava por ceder e a partir daí criava-se o precedente que quem decidia esse assunto era o parlamento).
Nestas eleições, houve uma tentativa de "parlamentarizar" a UE, e de (como acontece nas eleições nacionais) fazer da eleição do PE também uma escolha do presidente da Comissão Europeia. No entanto, parece que os governos não gostaram muito da ideia e se calhar, só por embirração, vão propor outro presidente que não o "vencedor" Juncker; se isso acontecer, será que o Parlamento vai aceitar a proposta, ou irá fazer finca-pé na tentativa de parlamentarização e recusar qualquer candidato que não seja Juncker (ou um dos outros candidatos pré-eleição)?
Se houver esse choque Conselho (isto é, governos) - Parlamento, e se o Parlamento ir rejeitando as propostas do Conselho até este propor o Juncker (ou eventualmente o Schultz), penso que, daí em diante, ficará estabelecido o precedente que a escolha do presidente da Comissão Europeia pelo Conselho será, doravante, como a nomeação do primeiro-ministro pelo Presidente da República em Portugal: uma simples constatação de qual a relação de forças no parlamento, sem pouca margem para discricionaridades; já se acontecer o contrário, e o Conselho ganhar a batalha, não tenho tanta certeza que seja tão definitivo - vou parecer um determinista histórico, mas creio que há certas coisas que são mais definitivas quando acontecem numa direção do que noutra (suspeito, aliás, que a escolha de um presidente que não um dos nomes inicialmente apresentados irá, sobretudo, aumentar o risco de um rutura futura da UE, já que vai desiludir os europeístas mais entusiastas e duvido que faça grande diferença para os eurocéticos, pelo que no balanço final vai dar força aos últimos).
Diga-se que eu suspeito que, além do Marcelo Rebelo de Sousa, mais ninguém votou a pensar no Juncker (que nem foi candidato a eurodeputado), e que os únicos eleitores do Schulz terão sido os alemães que votaram na lista do SPD que ele encabeçava; penso que só em Tsipras houve mesmo uma tentativa de mobilização pan-europeia, com listas nacionais (como em Itália) a terem o nome dele na sua designação (o facto de Tsipras e o Syriza serem provavelmente mais populares do que o "Partido da Esquerda Europeia" provavelmente ajudou).
De qualquer forma, se o Conselho apresentar outro candidato que não Juncker, como poderá o Parlamento votar? Para começar, vamos dar uma olhada no que neste momento pode ser uma distribuição provisória dos votos (mais ou menos tirada daqui; entretanto, parece que há minutos a extrema-direita anunciou a criação de um grupo formal, mas não estou a ligar a isso):
Esquerda Unitária 49
Partido Comunista Grego 2
Verdes/Regionalistas/"Piratas" 55
Socialistas 192
Liberais 65
PPE 221
Conservadores 57
Direita eurocética + Extrema-direita 86
Outros 24
Total 751
[Os dois deputados do MPT ainda estão nos "outros" e não nos Liberais; mas como houve mais "contratações" alem dessas, não vou refazer os números todos]
Suspeito que o PPE (de qual será quase de certeza o nome proposto) e os Conservadores (que desde o principio se opuseram à ideia de nomes previamente apresentados; e consta que Cameron é das pessoas que mais tem manobrado para Juncker não ser o escolhido) irão sempre votar a favor (221+57=278); a Grupo da Esquerda Unitária, e mais os seus "dissidentes" do KKE de certeza que votariam contra qualquer nome proposto; de certeza que os Verdes e seus aliados (que são talvez o grupo mais entusiasta da democratização da UE) irão votar contra qualquer nome que seja um dos inicialmente propostos (assim, temos pelo menos 49+2+55 = 106); normalmente a direita eurocética e a extrema-direita seriam de contar na coluna dos que votariam sempre contra, mas neste caso talvez não, já que como a ideia do presidente eleito tem uma conotação federalista, podem estar tentados a votar a favor ou pelo menos a abster-se só para derrotar os "federalistas"; a respeito dos Socialistas e dos Liberais: normalmente nas grandes questões há um bloco central PPE/Socialistas/Liberais, mas talvez os Socialistas e/ou os Liberais insistam em "respeitar os resultados"... Mas mesmo 257 deputados que estes dois grupos têm não seriam suficientes para rejeitar uma proposta do Conselho: junto com os 106 do GUE+KKE+Verdes dá só 363 (a maioria no parlamento europeu é de 376). Ou seja, se o PPE e os Conservadores (isto é, Merkel e Cameron) se puserem de acordo para um candidato, têm muito por onde procurar os 98 votos que lhe faltam.
Claro que não faz grande sentido tratar as famílias politicas europeias em bloco, como se fossem partidos nacionais: afinal, os Trabalhistas britânicos também são a favor de um presidente escolhido pelo Conselho, e a Alemanha tem dado tanta força a Juncker que provavelmente muitos democratas-cristãos alemães (para não falar dos sociais-cristãos luxemburgueses) iriam votar contra outro candidato que não ele (mas talvez essas dissidências se anulem mutuamente).
11/06/14
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