Um comentador anónimo acusa-me de ao criticar o nacionalismo de Jorge Bateira adoptar uma posição que, no imediato, não se distingue daqueles que chama os "neoliberais" no que se refere à questão europeia. Dada a importância da questão — apesar da fraqueza dos argumentos do referido comentador — e a extensão da resposta, opto por dar-lhe aqui a forma de post.
Anónimo,
os "neoliberais", como você lhes chama, são em boa medida responsáveis pelo surto nacionalista, e pretendem agora combatê-lo reforçando os mecanismos de cooptação nas cúpulas e outros métodos antidemocráticos. É essa a lógica do austeritarismo, que, desde o início da crise (e já antes disso) tenho, como outros denunciado. Mas responder-lhe com o nacionalismo é juntar à peste a fome e a guerra. É o que, apesar de tudo, um "keynesiano de esquerda" como Vicenç Navarro — para recorrer ao título que lhe dava aclamando-o um neo-"patriota de esquerda" como João Rodrigues, que hoje cerra fileiras ao lado de Jorge Bateira — compreendeu bem nesta breve análise que tem pontos de convergência importantes com a que o colectivo do Passa Palavra acaba também de publicar conforme refiro alhures.
Vicenç Navarro: "O caso da França é claro. A Frente Nacional, dirigida por Le Pen, foi a que utilizou, durante a campanha das eleições para o Parlamento Europeu, um discurso mobilizador da classe trabalhadora, apresentando-se, a si mesma, sem nenhuma inibição, como o melhor instrumento para defender os interesses da classe trabalhadora, na luta de classes, frente à oligarquia nacional que atraiçoara a pátria, vendendo-se à Troika. É o nacional-socialismo, que, historicamente, teve uma base operária e que, agora, a recupera, com a cumplicidade da esquerda tradicional (muito especialmente a social-democracia), ao impor políticas que prejudicam os interesses das classes trabalhadoras, para aumentar os lucros do capital. Neste discurso, a luta de classes e a identidade nacional são idênticas, utilizando a bandeira e a defesa da identidade e da pátria como princípios mobilizadores. Foi uma mistura ideológica imbatível. Era lógico e predizível que o fascismo ocupasse o vazio criado pelo socialismo e comunismo. No domingo passado, Le Pen conseguiu o apoio de 30% dos jovens e 43% dos trabalhadores franceses".
Colectivo do Passa Palavra: "A crítica da austeridade só é completa se criticar com igual veemência o nacionalismo que a agrava e procura replicá-la num grau imensamente superior. Sem esta dupla crítica, a esquerda radical corre o risco de ficar cada vez aprisionada numa teia que tem escapado das suas reflexões. Repetimos: mais de 20 anos após o colapso da URSS, eis que em Portugal os herdeiros do estalinismo têm mais peso e influência eleitoral e social do que o conjunto das outras correntes à esquerda. A restante esquerda vai continuar a deixar passar em branco este fenómeno ou irá finalmente reflectir nas suas implicações?"
Em suma, e como escreve Yves Pagès num balanço excelentemente apresentado pelo Jorge Valadas: "nunca é tarde para levantar cabeça e não ceder à resignação comum, induzida por este «duplo vínculo» mortífero: ou o pragmatismo económico ou o perigo populista; para encontrar a força colectiva de neutralizar a alternativa viciada que pretendem agora impor-nos: apertar o cinto com o FMI ou cair sob a bota das centúrias fascista".
03/06/14
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6 comentários:
A.Esquerre e L Boltanski publicaram um texto surpreendente no Libération sobre o perigo da deriva neo-fascista criada pela vitória eleitoral do Front National na disputa em França das Eleições Europeias. A análise- que invoca em termos dilacerantes a necessidade de uma Ontologia da Actualidade-foca a gravidade da conquista pelo FN de Marinne Le Pen de duas posições estratégicas- o Ultraconservadorismo e a Xenofobia- que serviram de terreno incendiário nuclear para a ascensão da direita radical neo-nazi nos anos 30. In " Front National: de quel peuple parle-t-on? ",Libé.29/05. Niet
Não deixa de ser curioso, para não dizer trágico, que aqueles que se situam na área da autonomia e da acção extra-parlamentar dediquem os seus dias a comentar a realidade do Poder e dos interesses das classes dominantes numa imitação dos «comentadores» profissionais dos blogs e TV, mesmo quando as eleições se mostram irrelevantes e com participação minoritária dos cidadãos.
Como dizia o outro: será que não vida para lá do Estado, das Eleições e do Parlamento?
Libertário,
o nacionalismo atravessa a vida parlamentar e é hoje um dos lugares comuns da ideologia dominante. Ora, esse lugar comum não existe no vazio mas em torno de práticas, pessoas e instituições concretas. As manifestações concretas do nacionalismo servem para mostrar o quadro geral e como este se expressa na vida real. Por isso a crítica que é feita nunca é nem pessoal nem circunstancial.
Libertário,
gostava de aproveitar a boleia do teu comentário para deixar claro que entendo, e sempre o tenho mantido, que a melhor maneira de combater o austeritarismo e o autiritarismo reciclado que é indissociável dele é a democratização, e que esta, muito mais do que por combates eleitorais, manifestações diante da AR, etc. terá de passar por movimentos colectivos que se organizem na base da participação igualitária dos seus agentes e cujas acções invistam o locais de trabalho, os transportes, a organização dos serviços, e, em suma, o conjunto das esferas comuns da existência quotidiana. Mas, sendo esta a nossa política, não podemos bem devemos ignorar a política dominante, os seus planos de acção, as suas medidas ofensivas e preventivas, pois que tudo isso faz parte das condições e das relações de forças que visamos transformar. Parece-me que, tendo também em conta o que diz o João, o post do Jorge Valadas/Y. Pagès que aqui cito o sublinha muito lucidamente.
msp
Como é evidente falta no meu comentário um «há» :
«Como dizia o outro: será que não há vida para lá do Estado, das Eleições e do Parlamento?»
Mas dado o facto de que a política institucional é um tema omnipresente no Vias de Facto, antes e depois das eleições (frustradas), no meu comentário também falta:
ah! ah! ah!
Afinal parece que são os «extra-parlamentares» os únicos, além do Prof. Marcelo e daquele baixinho do PSD, que ainda se preocupam como os discursos dos partidos e com os arranjos políticos da Situação.
Libertário,
não compreendo como se pode considerar que é capitular perante o eleitoralismo ou legitimar a ordem estabelecida levar a sério a ameaça que representa a tradução eleitoral do crescimento da extrema-direita social-nacionalista, incluindo a mais ou menos declaradamente "nacional-socialista", por boa parte da Europa, bem como o autoritarismo da "resposta" dos tecnocratas (ver o post Jorge Valdas/Yves Pagès já referido).
Terás de me explicar muito bem, dadas as minhas visíveis limitações, porque é que estes factos são insignificantes e quais são, em teu entender, as prioridades que devemos pôr na ordem do dia.
msp
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