Estrela de David
Em memória de David Mourão-Ferreira
reconhecidamente *
Trocámos ao balcão do bar o santo e a senha
e fomo-nos os dois como um dia hei-de morrer
tu a cavalo para onde? eu por mar para espanha
em busca uma vez mais do verão de trinta e seis
Dizer que desde então não te soube lembrar
mas só já mate embora não esquecer que esqueci
ou tentar decifrar o vento rente ao voo das aves
se é aí que nos queres experimentando o vazio
do que nos perdeu tanto talvez só por minutos
pois te deixei recado sem saber o meu nome
ou continuei em casa andavas tu na rua
perseguindo o arlequim de um teatro de sombras
Mas de que porto partes? Em que porto me partes
e em que partes do tempo para sempre explodidas
das praças insurrectas à ressaca de te amar
de rastos no degelo de cronstadt caindo
antes de cair póstumo todo o século em peso
contra a esquina do nada onde o pó de israel
que guerrilha semeia ou que só desespero
porém ainda ardente de uma alegria sem véspera?
Depois nem eu sei como as britânicas bebidas
do brinde de david a valery larbaud
em royaumont irromperam para me embrigar de ti
pela voz de rivas Mas nunca mais foi hoje
nem então entre as árvores do parque de uma tarde
nem à luz que dispara o silêncio insepulto
desta carne que um dia não chegaste a tocar
e que me entaiparia mais fundo que o futuro
se não voltasses sempre por foz côa ou abrantes
ao magma dos instantes cuja vaga desfralda
um manancial de estrelas inundando a manhã
do teu ventre de estrela da manhã manancial
* Em O Mar a Bordo do Último Navio, Lisboa, Fenda, 1998
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