Quem escutou as emissões televisivas de ontem à noite, particularmente o telejornal da SIC com José Gomes Ferreira - o insuperável defensor da austeridade como o remédio único e santo - ficou com a amarga sensação que os gregos tinham cedido perante as imposições da Troika.
A informação disponível parece apontar para um conjunto de cedências. Mas a questão que se pode colocar são duas: quais as linhas vermelhas que o Governo grego aceitou passar, será a primeira, quais as cedências que a Troika teve que engolir, será a segunda.
Lendo o que por aí se escreveu, e a informação que tem sido produzida, podemos, para já, concluir o seguinte:
1 - Corte nas Pensões.
Parece que o Governo grego cedeu no corte das pensões mais elevadas e na extinção do regime de reformas antecipadas. É o que diz o Le Monde: "Concernant la réforme des retraites, les Grecs ont proposé de supprimer dès 2016 des régimes de préretraite et d’imposer des coupes aux retraites les plus élevées."
A idade da reforma irá subir progressivamente até aos 67 anos em 2025, uma cedência dos gregos que defendiam os 62 anos como idade de reforma. Estas medidas são consideradas, nos jornais portugueses, como ultrapassagens às famosas linhas vermelhas.(aqui e aqui).
Há um facto que se pode salientar, porque parece ser um adquirido: o Governo Grego não aceitou a imposição de diminuir as reformas, com excepção das mais elevadas.
2 - Segurança Social
O Governo Grego parece ter proposto a anulação duma medida do governo anterior que correspondia(?) de alguma forma à TSU do Governo de Passos e Portas: eliminou a redução de 3,9 pontos percentuais à TSU de patrões e trabalhadores. Consegue por essa via 1150 milhões de euros.
3 - Impostos.
O aumento dos impostos particularmente do IVA era uma das batalhas mais duras em curso. O Governo grego terá cedido no aumento do IVA para a restauração, aceitando a taxa de 23%. Esta medida gera fortes críticas porque tem efeitos no desemprego já que - os gregos já experimentaram essa taxa - implica o encerramento de muitas empresas. "We have the experience from 2011 when the increase from 13 to 23 percent in food service brought the shutdown of 4,500 enterprises and the loss of 40,000 jobs"
Mas as análises relativamente a esta questão parecem animadoras. É o caso do Le Monde que escreve "Et, enfin, côté rentrées fiscales, Athènes maintient sa « ligne rouge » sur une non-augmentation de la TVA sur l’électricité, mais propose d’autres taxes nouvelles, dont une de « solidarité exceptionnelle », un impôt sur le revenu à 8 % au-delà de 500 000 euros de revenus par an."
Atenas terá conseguido impedir o aumento generalizado das taxas de IVA para o escalão máximo. Mas cedeu no sector da restauração, muito sensível numa economia fortemente dependente do turismo. Mas, aumenta a receita fiscal tributando mais os mais ricos e os lucros das empresas com taxas agravadas para lucros mais elevados.
4 - A Questão do Saldo Primário Orçamental
A solução obtida nesta matéria - que os economistas discutiram intensamente ao longo destes cinco meses - é muito próxima da posição inicial dos gregos e afasta-se da posição original da Troika. Os gregos defenderam 1% para 2015 e1,5% para 2016. A Troika - e o anterior Governo -tinham acordado 3% em 2015 e 4,5% em 2016, uma completa irrealidade, como, entre outros, escreveu Krugman. O acordo situa-se em 1% em 2015 e 2% em 2016.
5 - Renegociação da Dívida.
Não existem notícias sobre esta questão, o que nos conduz à conclusão de que neste importante aspecto o Governo grego nada conseguiu.
Parece que o acordo estabelecido não será de molde a justificar a satisfação incontida de todos os que apostavam todas as cartas no colapso dos Gregos. Parece que se trata de um bom acordo - nas circunstâncias que se vivem na Europa e no mundo - que premeia a guerra que o Governo grego tem vindo a travar, contra tudo e contra todos, particularmente contra os governos de Portugal e de Espanha, que ainda ontem a uma só voz fizeram uma deplorável demonstração de servilismo perante os objectivos da Troika.
Talvez por isso os sectores relacionados com os mercados, e com o BCE, mostrem desagrado com o acordo, enfatizando que ele descurou o corte permanente da despesa - leia-se de apoios sociais - e agrava a carga fiscal - a preocupação será com as empresas e as grandes fortunas.
Francesco Papadia, the former director General for Market Operations at the European Central Bank, warns that the Greek proposal fails on two fronts: it doesn’t make the economy more competitive, and it doesn’t deliver debt relief (yet, anyway....)
Há uma realidade que emerge desta longa batalha. A vontade das Instituições Europeias de subjugarem o Governo grego deparou-se com dificuldades inesperadas. A avaliação dos impactos do Grexit não seria tão favorável à UE e ao Euro. A Troika, perante a aproximação do abismo, temeu que fosse ela a estatelar-se no fosso para o qual há cinco meses empurrava os gregos. O medo tê-los-á feito ceder e recuar, apresentando as medidas agora propostas como absolutas novidades, quando, afinal, elas protegem importantes linhas vermelhas estabelecidas pelos gregos desde o ínicio.
Parece-me sensato admitir que ao longo de cinco meses a realidade na Europa mudou. Politicamente as posições anti-austeridade foram objecto do mais feroz ataque da artilharia pesada da CE, do BCE e do parceiro externo, o FMI. Esse ataque foi focado num único alvo: o governo de esquerda da Grécia e a sua posição anti-austeridade. Mas a consciência anti-austeridade cresceu.
Falta ainda uma prova de fogo para este acordo: saber como se comportará a maioria que suporta o Governo do Syriza. Não parece claro que exista uma unanimidade em defesa deste resultado. Tsipras já terá deixado claro que se o apoio do seu grupo parlamentar não se verificar se demitirá.
23/06/15
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4 comentários:
Ola,
Muito obrigado por este resumo. Uma primeira reacção : algumas medidas têm uma forte vertente redistributiva e parecem resistir à parvoeira ambiente do "da mais ao patrãozinho que é ele que te da de comer". No entanto, ha duas excepções preocupantes.
- A subida da idade da reforma. Não conheço o sistema grego, mas muitas vezes, existe uma confusão importante nesta matéria. Mesmo para quem não exclui por principio que as prestações de pensão devam ser diminuidas (o meu caso : com efeito, não podemos partir do principio que os pensionistas devem ser excluidos das medidas de austeridade, quando estas são necessarias), importa sempre ver quem é que suporta o custo das medidas. Com o simples aumento da idade a partir da qual é possivel reformar-se, ficam sempre a perder os mais pobres, que em regra começaram a contribuir mais cedo e que têm normalmente uma esperança de vida menor. A solução justa não é aumentar a idade da reforma, mas aumentar o periodo de contribuição minimo, e se possivel em proporção da importância da pensão, abrindo excepções para os trabalhadores sujeitos a condições de trabalho desgastantes. Para além disso, num sistema com varios niveis (pensão minima + complementar) é normalmente mais justo cortar nas pensões complementares, que muitas vezes têm como objectivo neutraliazr o efeito redistributivo (ou seja : contribuem so os que podem, o que faz com que o efeito redistributivo seja igual a zero).
- O IVA é o grande problema, uma vez que se trata de um imposto completamente anti-redistributivo, uma espécia de "Robim-dos-bosques-ao-contrario", que rouba aos pobres aquilo que eles tiveram o desplante de exigir, e volta a da-lo aos ricos como deus manda. Vejo que os Gregos tentaram resistir e que procuraram dar, apesar de tudo, um certo efeito redistributivo. Ainda bem. Fôssemos mais lucidos e lutariamos em prioridade pelo obvio e unico ponto de partida firme para qualquer politica de esquerda : obter que o peso do IVA nas receitas publicas diminua drasticamente. Não sendo assim, qualquer governo esta necessariamente condicionado : quando passa a soro, não pode senão virar-se para o IVA. Isto é que tem de acabar, e não apenas na Grécia...
Abraços
João Viegas, não tem nada que agradecer. Partilho das chamadas de atenção. Mas, pareceu-me que no caso do IVA a preocupação era com a questão nuclear da electrecidade e da taxa máxima em serviços básicos e alimentação. Julgo que aí terão obtido um bom compromisso. Quanto à idade da reforma subscrevo as chamadas de atenção. No entanto apenas em 2025 ela será de 67 anos. Muito diferente, apesar de tudo, do que cá se passa. Os complementos, tanto quanto percebi, também foram taxados, mas aí são os mais afortunados que estão a contribuir. Assim sendo, pas mal. Vamos a ver.
Três questões:
1º - Há cortes nas pensões
Existe um aumento nos impostos e taxas que incidem sobre as pensões, logo haverá uma diminuição de todas as pensões. É menos do que a Troika queria e não afecta tanto as mais baixas, mas as medidas neste campo vão para além do alargar da idade da reforma.
http://www.keeptalkinggreece.com/2015/06/22/greeces-proposals-new-horizontal-cuts-to-low-pensions/
Para além disso já nem falamos das privatizações que são para avançar, ou do aumento do salário mínimo que entretanto desapareceu de cena...
2º - O acordo ainda não está assinado
Ainda não sabemos que medidas adicionais a Troika vai exigir a Atenas. Veremos que configuração terá o acordo final.
3º - "O pior cego é o que não quer ver"
Este acordo, tal como está, é um monumental recuo face ao programa de governo aprovado no início da legislatura em Fevereiro. Nem é bem certo se será melhor do que a ND poderia ter obtido... Este acordo é o corolário inevitável da estratégia consagrada no acordo de 20 de Fevereiro pelo governo grego. No terreno a desmoralização dos apoiantes do governo Syriza é mais que certa, assim como o aumento da agressividade das forças reaccionárias que se vão opor ao aumento de impostos. Veremos o que as forças à esquerda deste acordo têm capacidade de fazer (dentro e fora do Syriza).
Duas conclusões:
1º Está provado que aceitando o euro e não querendo entrar em default (as duas não são formalmente equivalentes mas não é possível u default sem estar preparado para sair) não existe qualquer margem de manobra para combater de forma eficaz a austeridade e o rolo compressor neo-liberal. As poucas concessões obtidas pelo governo grego resultaram aliás do medo de uma saída. Sem ter assumido isso como hipótese estratégica o poder negocial do governo grego foi quase nulo. Chegado à véspera do pagamento ao FMI e com os bancos garotados pelo BCE Tsipras não tem alternativa se não recuar ainda mais.
2º Não basta estar disposto a sair do euro. È tb necessário estar disposto a tomar medidas revolucionárias que vão além do actual quadro legal. Por exemplo como é que seria possível qualquer negociação com o mínimo de força quando o banco central da Grécia é dominado por um fantoche do FMI ex ministro das finanças da ND? Como é possível qualquer luta contra a austeridade neo-liberal se a banca é controlada pelo BCE e está em mãos privadas?
O comentário do Francisco independe do que se escreveu no texto. As conclusões que anuncia vão pelo mesmo caminho. São prévias a tudo aquilo que acontece. Há duas coisas que suscitam, no entanto, a minha total concordância. Quando afirma que "o acordo ainda não está assinado" e que "o pior cego é aquele que não quer ver".
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