07/11/15

Programático versus Político.

Nos próximos dois dias aquilo que hoje é dado por adquirido poderá tender, rapidamente, a tornar-se uma impossibilidade. No entanto, aquilo que permite esta aproximação ao climax deste processo político - a tomada de posse de um governo apoiado politicamente por toda a esquerda - foi, sabemo-lo bem,  a quebra da mais antiga impossibilidade existente na política portuguesa: o diálogo e a aliança politica entre as esquerdas.
Mas talvez não. Talvez o acordo programático - que António Costa revelou esta noite ao País - possa dar lugar a um acordo político sólido e duradouro. O que até ao presente momento ainda não aconteceu, por não estar ainda fechado o acordo político entre PS e PCP. Como são duros os caminhos do compromisso. Como é surpreendente a existência de um compromisso programático  já firmado à mingua de um igualmente firmado compromisso político.
Há uma decisão tomada de que não gosto particularmente e que pode comprometer a solidez e a durabilidade do acordo: a não participação do PCP e do BE no futuro Governo. Parece uma medida acordada para satisfazer uma exigência mínima do ainda Presidente da República - e das instâncias europeias -  e reduzir a sua margem de obstrução. Mas, ao mesmo tempo, não é despropositado pensar que as pressões políticas contra o acordo, existentes sobretudo em sectores do PCP, impeçam essa solução tão "engaged". Até porque, recusando-se o PCP a integrar o Governo, o BE fica sem condições de o  fazer. Esta impossibilidade para estabelecer um único acordo e um Governo tripartido, mostra-nos que o campeonato à esquerda do PS vai continuar a determinar aquilo que estes partidos podem ou não fazer. Mostra que entre eles, digam o que disserem, a competição está acesa . Talvez mais acesa do que nunca. Mas, o tempo é de exaltação da unidade, de todas as formas de que a unidade se reveste.
Do ponto de vista da "protecção do emprego, dos salários e das pensões", para utilizar a formulação repetida sistematicamente pela líder bloquista, as negociações deram passos muito importantes. A entrevista de Costa revelou-nos isso mesmo. Medidas calendarizadas para uma concretização no prazo da legislatura, umas mais rápidas - como a reposição dos salários dos funcionários públicos, logo ao longo de  2016 -  outras ao longo dos quatro anos. Medidas que devolvem a milhões de portugueses parte dos rendimentos que lhes foram saqueados pela coligação e pela Troika. Esse reforço do rendimento terá um impacto real na economia, haverá sobre isso poucas dúvidas. Muito desse rendimento reflectir-se-á na vida de milhares de pequenas e microempresas e gerará emprego e aumento das receitas fiscais e da segurança social.
Falta-nos perceber como o compromisso incide, se é que incide, nas formas como o Governo se propõe aumentar a receita do Estado sem recorrer ao lugar comum dos últimos quatro anos: penalizar o factor trabalho. Como vai o Governo começar a demolir os mecanismos de produção da desigualdade ? Apostando certamente no crescimento da economia, como sempre defendeu o PS. Todos os Governos comprometidos com a austeridade apostaram, do ponto de vista retórico, no crescimento. Com resultados inversos dos pretendidos, como sabemos. Faltou sempre responder à pergunta mais difícil: como será possível promover esse crescimento? Que mudanças serão promovidas para o possibilitar? Sabemos muito pouco sobre as respostas previstas para esta questão. O programa do PS não era deste ponto de vista muito animador. Esperemos que alguma coisa tenha sido "modelada", digamos assim.
Haverá muita coisa a fazer. Parece-me mal que o BE e o PCP não tenham querido participar mais de perto na gestão política desse processo e na sua definição. Mas, mesmo assim este é um tempo de esperança e de mudança.

3 comentários:

Anónimo disse...

Temos um país de analistas e comentadores políticos...Falar sobre o que está por baixo desta espuma política é que ninguém fala!Tudo se resume aos partidos, estratégias de governo e administração do Estado.
Quanto ilusão, quanta falta de visão radical. Mais vale ler a Bola.

António Geraldo Dias disse...

O acordo está em cima da mesa e é claro o PC não dá- nem vai dar- ao PS tudo o que este quer e já se viu que duradouro para um não é o mesmo que para o outro - ainda agora começaram era pedir demais. Guinote quando vi o título do seu artigo li pragmático e não programático e dei comigo a pensar numa verdade pragmática (mais fraca) face a uma verdade política(menos fraca)e foi isso que me moveu a responder ao que considerei um bom artigo que nos fala em produção de desigualdade. O acordo é também uma forma de começar a demolir os mecanismos de produção da desigualdade,não acha?

José Guinote disse...

António Geraldes Dias, sem acordo à esquerda não haverá combate à desigualdade, antes pelo contrário, agravar-se-ão as condições da sua produção. Mas, na nossa sociedade - um caso particularmente grave no contexto das sociedades de economia capitalista que integram a União Europeia - a desigualdade é muito elevada e inibe qualquer recuperação económica. Quero eu dizer que partir da situação actual para o crescimento da economia é como alguém pretender deslocar-se para a Lua usando o carro habitual. Por isso não estou tão optimista quanto à demolição desses mecanismos de que ambos falamos. A esquerda - não só o PS, cuja responsabilidade é, no entanto, muito maior - está também comprometida com essa produção da desigualdade na sociedade portuguesa ao longo de décadas. Temos que baixar ao nível do poder local e da história da sua actuação para o perceber.
A despolitização das sociedades capitalistas do welfare state reduziu o conflito social e a intervenção política dos cidadãos às questões distributivas e à participação eleitoral, através do voto. Temos que repolitizar a vida do dia a dia, a vida de todos os dias.
Meu caro Anónimo - excepcionalmente respondo a alguém que utiliza o anonimato - em vez de vir para aqui com tiradas vazias, acrescente qualquer coisa ao debate. Uma ideia, ao menos. E faça-o de uma forma radical, rompendo com a cobardia do anonimato.