30/12/16

O novo conflito EUA-Rússia

Os EUA e a Rússia estão numa maré de expulsão mútua de diplomatas, na sequência de alegações de que a Rússia teria interferido nas eleições norte-americanas.

Primeiro, uma questão terminológica - a linguagem utilizada (p.ex., "election hacking") parece destinada a criar subconscientemente a ideia de que a Rússia terá manipulado mesmo a votação ou o escrutínio (um pouco como aqueles discursos da administração Bush em que frequentemente falava do 11 de setembro e de Saddam Hussein na mesma frase), talvez entrando nas máquinas de voto eletrónico, ou coisa assim. Claro que não é nada disso que se fala - a acusação é de que a Rússia teria estado por detrás do roubo dos emails da Comissão Nacional Democrata (que revelaram que o aparelho institucional Democrata terá nas primárias apoiado Hillary contra Sanders, violando o seu suposto dever de neutralidade - estou chocado, chocado!) e depois dos de John Podesta, diretor de campanha de Hillary, onde estaria alguma informação indicativa de ligações menos claras entre Hillary e algumas das personalidades e empresas que contribuiam para a sua campanha ou para a sua fundação, e que a revelação dessa informação terá contribuído para virar alguns eleitores, levando à vitória de Trump.

Em primeiro lugar é discutível que a Rússia esteja mesmo por detrás do suposto "hacking" - há fortes razões para pensar que foram mesmo insiders do Partido Democrata (possivelmente pró-Sanders) que passaram os ficheiros à Wikileaks, não nenhum cenário de pirataria informática. Note-se que os relatórios da CIA que atribuem a fuga de informação a hackers russos baseiam-se em "causa provável" ("quem teria a ganhar com isto?"), não em provas tangíveis que teriam sido mesmo eles os autores.

Mas vamos admitir que essa história é verdadeira - portanto o crime (ou a agressão) cometido pelos russos foi exatamente o quê? Divulgar informação que contribuiu para alguns eleitores decidirem em que vão votar? Mas para que é que serve a Voice of America ou a Rádio Free Europe? Também não é para divulgar informações que gerem em que, no estrangeiro, as ouça atitudes mais favoráveis às políticas norte-americanas? Andar a espiar comunicações eletrónicas nos EUA? Mas para que serve a NSA e toda a rede denunciada por Snowden senão para espiar as comunicações eletrónicas por esse mundo fora (e que frequentemente são defendidas com o argumento "se não tens nada a esconder, não tens nada a recear")? Aqui parece-me, a acreditar na versão oficial das coisas, que a grande diferença entre essa suposta espionagem russa e a espionagem que todos os países poderosos fazem foi, em vez de guardarem segredo entre eles sobre o que descobrem, terem divulgado ao mundo o resultado dessa espionagem (nomeadamente às pessoas para quem pelos vistos essa informação seria relevante - os próprios cidadãos norte-americanos, que pelos vistos pelo menos alguns acharam que essa informação era importante para decidirem em quem votar).

[Instituição cultural destinada a divulgar o folclore dos EUA além-fronteiras]


[Versão para adultos das Olimpíadas da Matemática, em que grupos de amigos solucionam problemas com algoritmos matemáticos para ocupar os tempos livres]

5 comentários:

Anónimo disse...

O magnata do imobiliário sonha com os oligarcas de Poutin como parceiros super-capitalistas das suas multi-empresas mundiais, agora em nome familiar...Há quem faça apostas no impeachment deslizante do Donald. Obama entrou numa de nostálgica revanche na despedida, aprovando medidas de impacto internacional que a sra. Clinton torpedeou a seu bel prazer em conluio com os Neo-Cons e seus avatares. De qualquer modo, Poutin lidera com uma série rocambolesca de apostas multiplas- Assad, Irão, Turquia - um processo politico e militar no grande Médio Oriente, que pode desestabilizar profundamente o poder politico americano na zona vital do ouro negro. Niet

Anónimo disse...

Breaking Points: os operacionais do Pentágono, que se têem reunido com o staff do novo presidente,bem como o reconfirmado general Dunford, uma especie de CEM.General das FA, continuam a ver a Russia como uma das 4 ameaças mundiais contra os USA, no conjunto que engloba a China, a Coreia do Norte e o Isis. Niet

Anónimo disse...

Esqueceu-se de colocar o icon ou imagem do Daily Mail, uma referência do jornalismo de excelência.

O Daily Mail é um jornal assumidamente Trumpista/Brexista/

Não cita qualquer prova de que foram hackers apoiantes de Sanders a penetrar os sistemas do DNC. Nem uma!

Miguel Madeira disse...

A contra-narrativa não é que foram "hackers apoiantes de Sanders" - é que não foram "hackers" nem houve nenhuma penetração de sistemas, mas sim alguém de dentro do Partido Democrata, com acesso a esses mails, simplesmente gravou-os para uma pen e passou-os à wikileaks.

Não há propriamente provas, é certo, mas há o testemunho do Craig Murray, considerado próximo de Assange (é verdade que pode ter sido para disfarçar, e proteger a verdadeira fonte).

Anónimo disse...

"a revelação dessa informação terá contribuído para virar alguns eleitores, levando à vitória de Trump."

Alguém dentro do PD quis beneficiar Trump!? ?????????

A malta que apoiou Sanders nunca gostou de Hillary mas odeia o Trump.

O testemunho de Graig Murray vale tanto como o testemunho de alguém que acredita que o inimigo do meu inimigo é meu amigo...ou tanto como o testemunho de Bush/Chenney/Powel nas Nações Unidas (acerca das ADM). Não sei se me faço compreender.


Se fosse a si, explorava esta "pista"... > "Não há propriamente provas, é certo..."

Quais são as entidades que tem a capacidade de não deixar provas?

Qualquer penetração de um sistema deixa rasto. São poucas, muito poucas, as entidades capazes de penetrar e apagar ou camuflar....