A APAV fala em "criminalizar o bullying" (pelo contexto, presume-se que o escolar).
A esse respeito, repito o que escrevi há 7 anos:
[B]em, em primeiro lugar, espero que na lei não apareça a palavra "bullying", porque senão irá ser uma trabalheira para em cada caso concreto decidir o que é isso (...).
Mas será que isso é boa ideia?
Receio que não - no caso da violência física, ela já é um crime por si só, e não é por isso que deixa de existir (criar um novo artigo na lei para isso já vai criar confusão).
E o caso da "violência psicológica" (provavelmente o bullying psicológico até será muito mais frequente que o físico)? É possível que a "violência psicológica" (sobretudo na pré-adolescência/adolescência, em que a nossa personalidade e estabilidade emocional são mais frágeis) até seja mais traumatizante do que a física, até porque é muito mais fácil defendermo-nos da violência física (em ultima análise, o compasso das aulas de Educação Visual ou o x-acto das de Trabalhos Oficinais podem dar uma ajuda) do que da psicológica; mas a criminalização servirá para combater a violência psicológica?
Duvido, porque:
- em primeiro lugar, é muito dificil a um observador externo distinguir entre violência psicológica prolongada e simples brincadeiras de mau gosto, logo o bullying psicológico seria quase impossível de provar num tribunal (com as implicações em termos de ónus da prova que um processo criminal tem)
- em segundo lugar, duvido que, confrontados com um caso de bullying psicológico, as autoridades judiciais o levassem a sério; p.ex., se naquele caso da rapariga dos EUA que se suicidou (e que agora originou um enorme escândalo, uma carrada de processos crime, etc.), ela, em vez de se ter enforcado, tivesse ido à polícia ou a um tribunal queixar-se que as colegas chamavam-na de "vaca" (tentativa de traduzir "slut"), suspeito que lhe teriam-lhe respondido algo como "mas achas que não temos mais nada que fazer??".
- em terceiro lugar, se existir mesmo uma politica de ser duro com o bullying psicológico, ela pode degenerar facilmente em excessos de zelo, em que as pessoas fiquem com medo de dizer seja o que for uns aos outros, não vá alguém acusá-los de bullying
1 comentários:
Ola Miguel,
A necessidade de definir com rigor um tipo penal é fundamental, como bem vimos em França ha uns anos atras, quando o crime de assédio sexual foi invalidado por não cumprir as exigências da CEDH, com consequências desastrosas (arquivamento de todos os processos em curso, etc.).
Talvez seja inoportuno criminalizar o bullying, especialmente tendo em conta que estamos a falar de punir menores. Agora as razões que expões no teu post não se aguentam de pé :
- A violência psicologica ja é criminalizada ha muito tempo e ainda bem (por exemplo artigo 152 do codigo penal, também 154, 163, etc)
- Contrariamente ao que se pensa, não é muito dificil o juiz formar a sua convicção, com base em elementos objectivos e verificaveis, acerca da questão de saber se houve, ou não, num caso concreto, violência psicologica, com intenção de passar por cima do consentimento da vitima e de a ferir ou de a magoar. Isto afere-se quotidianamente nos tipos a que acabei de aludir. Voltamos à velha questão : e no homicidio, onde esta a descrição exaustiva dos comportamentos proibidos ? Não se sanciona qualquer tipo de comportamento, mesmo de aparência inofensiva (apenas acrescentei uma pequena gota de um liquido no copo...), desde que o autor tenha tido consciência, ou não tenha podido ignorar, que o resultado seria a violação do bem juridicamente protegido. Isto não serve quando o bem é a dignidade da pessoa ? Porque não ?
- Finalmente, resta a questão de se gerar uma atmosfera de cautela nas relações entre as pessoas, com o perigo de elas ficarem inibidas de dizerem o que lhes passa pela real gana com o receio que a pessoa a que se dirigem possa ficar magoada, ou seja a necessidade totalitaria e insuportavel de obrigar as pessoas a mostrar um minimo de consideração umas pelas outras. Mas não é precisamente o que se pretende ?...
Abraço
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