28/11/12

Que Ciência para a Crise?


O tabu da violência


Salazar ficcionou a cómoda brandura dos nossos costumes. Franco, camarada ibérico de barbárie, resumiu-nos como uma nação de cobardes. Governo após governo apostaram no comodismo que nos levaria a preferir o resmungo clandestino às dores e ao sangue do confronto; ideia arriscada, face a um povo que tem por tradição enfrentar touros de mãos nuas. 
 No dia 14, a aposta começou a esgarçar-se sob uma chuva de fogo, pedras e fúria. A resposta policial foi vista pelo bom senso do costume como inevitável, exemplar até. Sempre ordeiras, as almas consensuais tranquilizaram-nos-nos: trata-se apenas de “uma dúzia” de desordeiros; malta sombria, estranha, talvez estrangeira, anarquistas, quiçá criminosos comuns, de cadastro e tudo. Haja obediência, respeitinho. O monopólio estatal da violência é coisa a venerar, pilar da ponte que vai de quem manda a quem obedece. 
E quando os violentos começarem a ser dezenas, milhares? E se andar por aí um rastilho subterrâneo a arder, rumo ao coração de multidões, atiçado por cada novo sopro de insensibilidade, de “ai aguentas”, de desvergonha autoritária? 
Até Gandhi cartografou as fronteiras entre a cobardia e a autodefesa: “arriscaria mil vezes a violência antes de arriscar a castração de uma raça.” E a Constituição garante-nos o direito “de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.” Se esta se couraça e arma até aos dentes com a fúria cega de feras fardadas e bem treinadas, resta o quê?



27/11/12

Egito, hoje



[Al Jazeera]

Uma confissão - as minhas esperanças que o Egito consiga escapar ao Cila de uma teocracia e ao Caribdis de um regime militar não são muitas

Um editorial do jornal Combate em Março de 1975 sobre o "significado político e económico das nacionalizações"

Nos últimos dias de Março de 1975, o jornal Combate, já ontem mencionado pelo João Bernardo, concluía, nos termos que a seguir se podem ler (mas o texto pode também ser consultado aqui), um editorial que analisava os acontecimentos e traçava as perspectivas do momento. No essencial, eu voltaria a subscrever — com algumas actualizações ou explicitações terminológicas — o documento que o colectivo então publicou, e penso que é pertinente retomá-lo nas circunstâncias actuais, tendo em conta as discussões em curso neste blogue e noutros lugares sobre o nacionalismo, o capitalismo de Estado, o que pode e não pode ser uma democratização efectiva das relações de poder dominantes.

Adenda: O João Valente Aguiar — achando, e com razão, ser difícil ler o texto do editorial que inicialmente publiquei em JPEG — acaba de me enviar a sua transcrição, que aqui "posto" em substituição da versão anterior, agradecendo calorosamente ao meu amigo o seu trabalho e solidariedade:


Significado político e económico das nacionalizações   

A fase actual inaugura-se com as «grandes» nacionalizações: Bancos e Seguros.

Vimos já o contexto em que essas nacionalizações se inserem. Mas, a palavra «nacionalização» é hoje em Portugal um termo ambíguo. Significa coisas diferentes para diferentes estratos, constituindo assim uma plataforma de entendimento entre classes antagónicas.

Para os operários «nacionalização» significa, a curto prazo, garantia dos salários. Pode aparecer, portanto, como um dos objectivos práticos da luta, sem que, no entanto, se possa inferir sobre o objectivo último que visam conscientemente nas suas lutas.

Para outros trabalhadores pode significar ainda, que na sua estratégia consciente, não vão mais longe do que a luta contra a instabilidade do emprego, e que tudo o que pretendem conscientemente é continuarem assalariados, mas estavelmente.

Para outros operários «nacionalização» significa o desaparecimento do capitalismo em todo o país e a passagem da economia ao conjunto dos trabalhadores. Trata-se mais de uma aspiração, do que de uma estratégia definida. Sobretudo não colocam o problema da mediação ou não mediação entre os trabalhadores e o controlo da economia, ou seja, o problema dos gestores e da gestão não é pensado.

Para os tecnocratas e os capitalistas de Estado já existentes, significa, conscientemente, a sua expansão como classe, a realização integral do Capitalismo de Estado.

Para muitos pequenos accionistas significa a garantia dos seus capitais nas empresas em vias de falência. Inconscientes de que a longo prazo isso significa o fim do capitalismo privado satisfazem-se com a possibilidade de manterem, a curto prazo, o rendimento das suas acções.

Vemos assim que o termo «nacionalização» alia ambiguamente operários, capitalistas de Estado, tecnocratas e pequenos accionistas.

Se a «nacionalização» é hoje terreno de conciliação entre classes antagónicas é porque uma dessas opções é formulada difusamente, permitindo assim que realidades antagónicas se cubram com o mesmo nome.

Cabe aos trabalhadores desfazer esta ambiguidade desenvolvendo lutas autónomas com a simultânea criação de formas organizativas que possibilitem o desenvolvimento da democracia operária em ruptura completa com o modo de produção capitalista e que sejam a base de novas relações de produção – as relações de produção comunistas, que levam ao desaparecimento do salariato e da sociedade de classes.

Em Portugal o proletariado não está enquadrado em partidos de massas ou sindicatos (como se constata pelo desenvolvimento da luta operária, que escapa ao enquadramento dos partidos e sindicatos), apenas vê com maior ou menor simpatia alguns desses partidos, sem demasiado seguidismo. No entanto, tem demonstrado uma extraordinária confiança no Estado, e nas instâncias mais hierarquizadas e repressivas desse Estado: as forças armadas. Este é um aspecto grave da ambiguidade que reina em torno do termo nacionalização.

«Nacionalização» significa por si só Capitalismo de Estado, significa controlo do Estado de toda a vida económica e social.

Significa continuação do salariato.

Significa que uma camada destacada dos trabalhadores e não controlada por eles, a quem aqueles delegam o poder económico e social – os gestores – passam a ser os novos exploradores. São estes os interessados no Capitalismo de Estado.

O Comunismo, que os trabalhadores visam nos seus objectivos últimos, tem como base a democracia dos trabalhadores, tem como base a democracia dos trabalhadores. No comunismo os trabalhadores não delegam o poder noutras camadas sociais, exercem-no directamente, através de instituições próprias, que criam na sua própria luta.

A Democracia Operária pratica-se e desde já nas próprias lutas que hoje se travam. É na prática de luta, com formas de organização que hoje se criam, que se desenvolve a consciência dos trabalhadores pelo comunismo.

Para que o capitalismo de Estado não se confunda com o socialismo, para que estas duas realidades sejam vistas conscientemente como distintas, é necessário que o proletariado em Portugal desenvolva a sua prática de luta no sentido de experiências novas.

A alternativa para os trabalhadores não é entre capitalismo privado e capitalismo de Estado, mas entre capitalismo, de um lado, e democracia dos trabalhadores organizados autonomamente, por outro.

Resposta ao João Bernardo

Antes de mais agradeço ao Miguel Serras Pereira e ao João Bernardo as suas respostas às questões que tenho levantado em posts e comentários. É a conversar, e a divergir, que se torna possível explorar todo o leque de vias e destinos que se abrem à nossa frente. Aliás, onde talvez mais divergimos é exactamente na aferição da amplitude das possibilidades futuras, resultado da presente crise sistémica na UE.

Mas vamos aos pontos indicados no post anterior:

1) Nunca coloquei em causa a plausibilidade das consequências para a economia portuguesa, decorrentes duma eventual saída da zona euro, que têm vindo a ser defendidas como inevitáveis no Passa Palavra. Apesar de haver quem discorde, nomeadamente outros economistas de Esquerda, entre os quais se destacam alguns dos que escrevem no blogue Ladrões de Bicicletas. O erro na análise do Passa Palavra consiste numa abordagem exclusivamente económica, tecnocrata, de questões que possuem também uma componente social. Por exemplo, a dada altura na resposta do João Bernardo pode-se ler: "Isso significa (...) que nenhuma economia pode desenvolver-se sem investimentos externos directos(...)". O que esta frase assume implicitamente é que há uma definição concreta do que significa desenvolvimento económico, sendo este obviamente desejável (de outro modo a crítica não faz sentido). Mas que significa desenvolvimento económico? Crescimento do PIB, do PNB? Mesmo que tal crescimento seja absorvido exclusivamente por uma minoria da população? Mesmo que tal crescimento resulte em degradação social e ambiental? É realmente desejável o crescimento económico? Ou o que pretendemos à Esquerda é a democratização, e equalização, das relações sociais, inclusivamente as de carácter económico? Será que o investimento estrangeiro ajuda ou prejudica o desenvolvimento que realmente deveríamos desejar à Esquerda?

2) Em primeiro lugar, quantos incumprimentos financeiros de Estados já tiveram lugar no passado? Provavelmente muitas dezenas. Quantos desse países estão neste momento numa situação de isolamento internacional como resultado desses incumprimentos? Não conheço nenhum. O que acontece sempre após o incumprimento financeiro dum Estado? Credores e Estado negoceiam a fracção da dívida que será paga. É que os credores sabem que alguma coisa é melhor do que nada... Em segundo lugar, o sistema jurídico é subordinado ao poder político. É-me inconcebível que alguém à Esquerda defenda a inviolabilidade dum contrato, o que consistiria na prática a defender que, no caso de ser o Estado a assiná-lo que tal responsabiliza automaticamente todos aqueles que formalmente estão sob a sua dependência, e no caso de serem indivíduos a assiná-lo que o fazem sempre de livre e espontânea vontade, na posse de toda a informação relevante e de alternativas reais. Os contratos, quaisquer que sejam, devem poder ser alterados por vontade soberana dos cidadãos no exercício democrático da sua autonomia para decidir colectivamente. O sistema jurídico baseia-se em Leis. E estas podem ser em qualquer momento alteradas pelo exercício político atrás mencionado. Leis claras não deixam margem para qualquer interpretação jurídica, ou confusão.

3) Bom neste ponto transparece algo que lamentavelmente tem-se tornado cada vez mais claro. Quando se afirma que "(...)a estatização (...) é o oposto ao controlo social sobre a economia(...)" não é por acaso que se esquece de mencionar a privatização. Aonde é que cabe a privatização da economia nesta dicotomia estatização - controlo social que tanta atenção tem merecido do Passa Palavra? Será que acham que a privatização, que é o processo que está em curso em Portugal, nos aproxima mais do controlo social da economia? Será que a privatização de todas as empresas estatais em Portugal, mesmo as Águas de Portugal ou as Estradas de Portugal, nos aproximam mais do controlo social da economia?!... Porque se assim não é, se afinal a privatização de empresas estatais não nos aproxima mais do controlo social da economia, então logicamente tal só pode querer dizer que afinal o oposto de controlo social sobre a economia é a privatização e não a estatização. Ainda, nesta diabolização da estatização existe uma incapacidade de aceitar que existem e existiram empresas estatais em muitos países, com sistemas políticos distintos, em que o controlo social dessas empresas, pode ir de nulo a considerável, nomeadamente por parte dos seus trabalhadores. Ou seja, a estatização não condena as empresas à submissão a uma burocracia auto-nomeada. Mas, dá sempre jeito a um argumento apresentá-lo como inevitável. Dúvidas são para os outros.

4) Parte da resposta já foi dada no ponto 1). Queria só relembrar que não, não é verdade que "os problemas sentidos pela periferia meridional da zona euro são problemas económicos". Existe um problema económico que está a tentar ser solucionado através da criação de problemas políticos e sociais. E portanto qualquer resposta ao primeiro problema tem de incluir também uma resposta aos segundos problemas. Não é possível? Então há que prioritizar. Admitindo que a resposta ao primeiro problema exige a privatização quase total das relações sócio-económicas em Portugal (porque é o que é exigido pela troika, e não podemos dizer não à troika, porque senão corta-nos o financiamento, e lá temos de sair - teremos? - da zona euro), o que resultará num agravamento dos problemas políticos e  sociais, interrogo-me se a resolução destes (ou antes o impedir o seu aprofundamento) não exige uma resolução diferente, mas admito menos "conseguida" ou "eficiente" do primeiro problema. O que eu gostaria era de ver esta prioritização discutida, em vez de se ignorar (nem quero acreditar que seja uma questão de minorizar) os atuais problemas políticos e  sociais.

Cumprimentos,

Pedro

26/11/12

O "sinal vermelho" do Passa Palavra: resposta do João Bernardo a um comentário do Pedro Viana

Sobre o artigo do Passa Palavra, Sinal Vermelho, que referi num post anterior, o Pedro Viana escreveu um comentário, ao qual tentei responder de imediato, e que, a seguir, enviei ao meu amigo João Bernardo, membro do colectivo do Passa Palavra, sugerindo-lhe que seria excelente que procurasse também responder-lhe, contribuindo assim para avivar o debate sobre aquilo que ele e eu próprio, com alguns mais, entendemos ser o risco de regressão brutal representado pelo nacionalismo que certos sectores da "esquerda", de um modo ou de outro, alimentam. A extensão do comentário redigido pelo João Bernardo e a importância das respostas que dá aos argumentos mobilizados pelo Pedro Viana levam-me a publicá-lo aqui sob a forma de post, alargando assim o espaço do debate em curso na caixa de comentários da chamada de atenção para o Sinal Vermelho que publiquei esta manhã.



Apesar de o comentário de Pedro Viana se dirigir ao Miguel Serras Pereira (e se Pedro Viana quisesse dirigir-se ao Passa Palavra certamente teria colocado o seu comentário nesse site) pareceu-me conveniente intervir. A minha ligação ao Passa Palavra é conhecida e, embora aquele artigo seja colectivo e assinado pelo colectivo, poderei adiantar o seguinte:

1) Em numerosos artigos, tanto colectivos como assinados pelo Manolo, pelo João Valente Aguiar, por mim mesmo e por outros autores, o Passa Palavra tem mostrado a impossibilidade de reflectir sobre a economia actual em termos nacionais. Nem sequer é o inconveniente político de o fazer, é a sua impossibilidade de facto. A transnacionalização do capital deixou as fronteiras totalmente inoperantes, no caso de pequenas economias, ou parcialmente inoperantes, no caso dos cinco grandes países subcontinentais. Isso significa, entre outras coisas, que nenhuma economia pode desenvolver-se sem investimentos externos directos, a tal ponto que uma parte considerável e crescente do que é contabilizado como comércio externo é hoje constituído por comércio intrafirmas. Não é com homilias que se inverte esta situação nem é ignorando-a que ela desaparece.

2) A adopação de uma moeda nacional depreciada, em situação de inadimplência, provocaria o descalabro jurídico da vida económica sobretudo no interior do país. Os compromissos assumidos com o estrangeiro, em termos de euro ou de dólar, teriam de ser cumpridos nessas moedas — embora com muito mais dificuldades — sob pena de corte das relações internacionais. Mas tanto no caso de cumprimento como de incumprimento a situação para o exterior seria juridicamente clara. O caos jurídico verificar-se-ia nos compromissos assumidos internamente, firmados em euros e a cumprir na nova moeda, mas a que taxa? Na estipulada oficialmente, o que corresponderia à ruina dos credores? Numa que correspondesse ao valor real do compromisso assinado, o que seria impossível para os devedores? Se estes litígios fossem levados a tribunal o sistema jurídico ficaria praticamente paralisado.

3) Quando Pedro Viana atribui àquele artigo do Passa Palavra «a crítica da nacionalização, em particular como meio de controlo social sobre a economia, vista como inevitavelmente conducente ao totalitarismo», só posso concluir que ou não leu o artigo ou está a tresler. Nesse artigo nunca se menciona a «nacionalização», mas sempre a «estatização», precisamente porque o Passa Palavra, tanto enquanto colectivo como os seus colaboradores individualmente, não consideram que naquelas circunstâncias política haja possilidade de os trabalhadores exercerem o seu controlo sobre a economia. Para todos nós, no Passa Palavra, a estatização — e repito que foi este o termo que usámos — é o oposto ao controlo social sobre a economia. E é porque defendemos o controlo social sobre a economia que atacamos a estatização. Para mim, pessoalmente, é uma posição que assumo desde há muito, e que assumimos todos os que a seguir ao 25 de Abril criámos e mantivemos (até 1978) o jornal Combate, Miguel Serras Pereira incluído.

4) A mesma alternativa que me vi obrigado a colocar há pouco tenho de a colocar de novo quando Pedro Viana escreve que existe naquele artigo «uma argumentação apenas e só assente em considerandos económicos». Em primeiro lugar, o que preocupa o colectivo do Passa Palavra é que um capitalismo de Estado instaurado em condições de miséria pressupõe um autoritarismo político reforçado. Isto está claramente dito naquele artigo, como aliás nos artigos anteriores sobre o mesmo assunto. É como sinal vermelho para o autoritarismo político que o Passa Palavra se preocupa com o risco de estatização da economia. Em segundo lugar, por muito que custe aos diletantes da demagogia, os problemas sentidos pela periferia meridional da zona euro são problemas económicos. E quem não os quiser — ou não os souber — analisar em termos económicos estará a dar o aval a soluções economicamente catastróficas e politicamente nocivas.

Finalmente, uma observação. Todos nós, no Passa Palavra, lamentamos muito ter de analisar a situação portuguesa no plano estrito do capitalismo. Fazêmo-lo apenas porque não existe nem parece despontar nenhuma alternativa revolucionária, anticapitalista. E sob a estatização económica e o autoritarismo político será mutíssimo mais difícil criar condições de desenvolvimento de uma alternativa anticapitalista.

Mas a indignação de pessoas como Pedro Viana e tantos outros explica-se quando observamos a facilidade com que, onde o Passa Palavra escreveu «estatização», ele leu «nacionalização». Esse será o tema da 2ª parte do artigo, que analisará por que motivos o capitalismo de Estado e o autoritarismo político podem servir, para toda essa gente, de farol.

João Bernardo


Mais um "sinal vermelho" do Passa Palavra: "Um novo totalitarismo é o preço da mísera 'independência nacional'"

Citando, na conclusão, um post que o Jorge Valadas deixou há dias no Vias, o Passa Palava volta a publicar um "sinal vermelho", alertando para os riscos de fascização que toda uma parte da "esquerda soberanista" parece apostada em alimentar. A primeira parte de Sinal vermelho ou farol?, subintitulada 1) o sinal vermelho, apareceu ontem (25.11.2012); a segunda parte será publicada no próximo dia 2 de Dezembro.  A ler e discutir com atenção. Mas, ainda que se possam levantar questões sobre o cenário concreto  apresentado pelo texto como o mais provável em caso de "saída unilateral do euro", a tese mais geral do texto é convincente e não podia ser mais oportuna: Como escreveu Jorge Valadas no artigo que citámos, «este regresso à dita “soberania nacional” implicará necessariamente, não só mais miséria, mas também o regresso do autoritarismo por parte do poder politico. Um novo totalitarismo é o preço da mísera “independência nacional”».

24/11/12

Polarizar para sobreviver

O Zé Neves (aqui), e o Rick Dangerous (I, II, III), acabam de publicar textos muito relevantes para a compreensão da génese e impacto futuro dos acontecimentos frente à Assembleia da República que tiveram lugar no dia 14 de Novembro . No entanto, tal como outros textos que li, não aludem ao que me parece ter sido um dos objectivos mais importantes de quem delineou a estratégia de actuação das forças policiais para o período que culminou naquele dia: a re-agregação e radicalização quer das forças policiais quer do campo social que pode ajudar a sustentar este governo. Ou seja, tal estratégia terá tido como objectivo não tanto a intimidação daqueles que estão mais predispostos a manifestarem-se (não deixando de ser útil nesse sentido), seja porque razão for, mas principalmente (re-)criar uma divisão que parecia estar a esboroar-se entre as forças policiais e os manifestantes (vide a força crescente da contestação pública dos sindicatos da polícia às medidas do governo que afectam os seus membros, e a relativamente branda actuação das forças policiais na manifestação do 15 de Setembro) e entre diferentes classes sociais (patente na manifestação do 15 de Setembro, nas sondagens de opinião e no re-posicionamento de vários comentadores políticos e económicos perante a actuação deste governo). Era preciso criar um momento polarizador, que não permitisse ambiguidades de posicionamento. Ao endurecimento e crescente popularidade da contestação, aqueles que o governo, e os interesses que serve, espera constituam obstáculos à sua queda respondiam com sinais de cedência, até compreensão. Era preciso re-lembrar-lhes quão ameaçadores são os "outros". Daí, em particular, a decisão de permitir o apedrejamento durante algumas horas das forças policiais posicionadas ao fundo das escadarias da Assembleia da República. Tal também serviu para atiçar as próprias forças policiais, criando suficiente tensão para que se tornasse inevitável a violência exercida durante a carga policial. Esta tinha de ser suficiente forte para obrigar quem se pretendia radicalizar contra a contestação social às medidas governamentais, a (re-)aceitar o exercício da violência extrema como meio legítimo para a manutenção do sistema. O governo pretendeu embrutecer quem espera que o apoie em face dum endurecimento da contestação, porque sabe que mais e maior violência por parte das forças policiais será necessária em breve para impedir uma degradação das relações de subordinação económica e social que poderá ser fatal para o sistema vigente.

Mas, qualquer estratégia que assente no incentivo à polarização social e radicalização do confronto é extremamente arriscada, porque difícil de controlar e potenciadora de instabilidade política, económica e social. É por isso particularmente incompreensível quando patrocinada por um governo, que por definição é quem tem mais meios de controlo social, a não ser quando este se sente numa situação de extrema fragilidade, e desesperado por se manter no Poder. Veremos o que se passará no próximo dia 27 de Novembro, a quando das manifestações contra a aprovação final do orçamento de estado para 2013.

23/11/12

Já todos atirámos uma pedra

o meu artigo no i de quinta-feira. clicar aqui.

A propósito de Gaza e da Síria — um post do João Bernardo para o Vias de Facto

Acabo de receber o seguinte post do João Bernardo que mo propõe para publicação no Vias de Facto. Aqui fica, pois, o seu contributo, que não podia ser mais oportuno e muito me apraz publicar.


O Passa Palavra publicou hoje o último artigo de uma série cuja redacção me fez ressuscitar do reino dos mortos. Pretendi dar elementos para desmontar o mito da culpabilidade alemã e no artigo de hoje exponho a forma como, durante a segunda guerra mundial, os governos e os aparelhos militares aliados fecharam os olhos perante o genocídio dos judeus cometido pelas autoridades do Terceiro Reich. Fecharam os olhos e as fronteiras e outras coisas mais. Este artigo de certo modo completa outro que escrevi há dois anos e meio, intitulado «De perseguidos a perseguidores: a lição do sionismo». Lembro-me de que o Vias de Facto chamou a atenção para esse artigo e outros sites portugueses fizeram o mesmo, tal como o fizeram alguns sites brasileiros. O artigo foi ainda publicado em dois ou três sites de outros países da América Latina, que o traduziram para espanhol, e foi divulgado em inglês por sites britânicos. Se estou a estofar assim as minhas credenciais anti-sionistas é porque abordar certos assuntos nesta época do politicamente correcto é como pisar ovos, ou como dizer palavrões há três séculos atrás em Salem. Mas porquê tantas precauções?

Nos últimos dias a esquerda, um pouco por todo o mundo, tem-se mobilizado em apoio à população de Gaza, vítima de mais um ataque do militarismo sionista. Até nestas montanhas da América do Sul presenciei ontem um pequeno comício de apoio a Gaza. E ainda bem. Todos os pedacinhos de solidariedade serão úteis.

No entanto, perto de Gaza, do outro lado das fronteiras, há uma população que sofre há bastante tempo um ataque continuado e muitíssimo mais mortífero, provocado não pelos descendentes de um ocupante sobre os habitantes originários, mas por um governo sobre o seu próprio povo. Refiro-me aos sírios, claro, e ao governo de Bashar al-Assad. E apesar disto não vejo a generalidade da esquerda, em lugar nenhum do mundo, manifestar indignação ou sequer incómodo. Pelo contrário, quando não aprova explicitamente a actuação do governo sírio reconhece sotto voce que é óptimo o que ele está a fazer. É certo que entre os insurrectos sírios há salafistas e outros fanáticos, e a esquerda prefere, em princípio, o laicismo do partido Ba’ath. Digo em princípio, porque esquece esse detalhe quando decide apoiar o governo do Irão. Mas que garantia temos nós de que não haja também em Gaza fanáticos religiosos? Aliás, sabemos perfeitamente que os há, e não é isto que nos faz hesitar um segundo em apoiar a população de Gaza contra os bombardeamentos israelitas. As razões da generalidade da esquerda são outras.

A generalidade da esquerda apoia Bashar al-Assad e os seus aviões, as suas bombas, os seus soldados e os seus torcionários porque eles se opõem ao governo dos Estados Unidos. O que me faz logicamente desconfiar que se, por uma qualquer reviravolta, o Hamas seguisse amanhã em Gaza uma política favorável aos Estados Unidos e o governo israelita se tivesse zangado com Obama, seria Israel e não Gaza que aquela esquerda estaria a apoiar. Quando os regimes soviéticos se desagregaram e a guerra fria terminou conjecturei que a esquerda, perdida a razão para defender um dos lados, abandonaria os critérios geopolíticos e regressaria aos critérios de classe que originariamente a haviam caracterizado. Que ingenuidade a minha! Essa esquerda adoptava uma linha geopolítica não porque amasse a União Soviética, ou não fundamentalmente por esse motivo, mas porque era intrínsecamente nacionalista e só nestes termos conseguia pensar as situações. E assim continua a ser, mesmo com a geopolítica manca que agora se lhe depara, em que existe apenas um lado para odiar e nenhum lado para venerar.

Um regime que se afirme contrário aos Estados Unidos pode chacinar dezenas de milhares dos seus cidadãos com o aplauso ou a indiferença da mesma esquerda capaz de verter lágrimas de indignação quando dezenas de pessoas de outro povo são mortas por um governo aliado dos Estados Unidos. Futuro róseo o nosso, se alguma vez nos revoltarmos contra governantes que não contem com o apoio norte-americano.

21/11/12

Sobre "a ideia de matar provisoriamente uma vizinha com quem embirro": excerto de um mail do João Bernardo ao signatário deste post comentando as actualidades nacionais…


…e podendo ser lido como resumo e balanço de muito do que continua a ser necessário dizer e repetir sobre o nacionalismo (contra-)revolucionário, a aposta na implosão da zona euro e na desagregação da UE, o irracionalismo vanguardista e o "ódio à democracia" — bem como a cumplicidade que encontra por parte de "belas almas" patrióticas de todos os matizes — que boa parte da "esquerda da esquerda" regional tem propagandeado, com destque, mas sem exclusivo, para a que pertence à área do PCP e dos seus "companheiros de jornada".

Penso que as pessoas não têm a mínima percepção de que um capitalismo de Estado pressupõe um quadro nacionalista, pelo menos a nível económico, com todas as inviabilidades e distorções que isso implica. E talvez de tanto ouvirem dizer que o Partido Comunista estava vendido aos soviéticos e era traidor à pátria ignorem que é o mais patriótico dos partidos portugueses, desonra lhe seja feita.

Enquanto isso, nas hostes dos indignados discute-se se é bom ou mau atirar pedradas aos polícias, parecendo-me a mim que uma maioria acha que é mau porque é contra o humanismo e o pacifismo. Ao mesmo tempo leio pessoas a escreverem que, com a carga policial de 14 de Novembro, vivemos em Portugal sob uma ditadura como a do Pinochet e que é preciso reclamar ao Provedor de Justiça. Aparentemente não se dão conta da contradição nos termos.

Entretanto, há dias li um comentador no Vias de Facto que propunha que abandonássemos provisoriamente o euro. Isso deu-me a ideia de matar provisoriamente uma vizinha com quem embirro. Depois se verá.

João Bernardo (20 de Novembro de 2012)

20/11/12

Alerta do Passa Palavra contra os riscos de "fascização da sociedade portuguesa"

Já se pode ler no Passa Palavra a segunda parte do artigo subscrito pelo seu colectivo, intitulado Behemoth Mata Leviatã e Morre, cujo início de publicação assinalei aqui há dias. Esta segunda parte, que desenvolve as suas reflexões a partir de uma análise de alguns aspectos centrais do programa do PCP, ainda que sem atribuir a este o exclusivo do "nacionalismo de esquerda, centra-se na reflexão sobre as convergências temáticas inquietantes, que sublinha muito concretamente, entre o "nacionalismo de esquerda" e o fascismo, ainda que sem proceder a identificações abusivas entre os dois campos:

À esquerda, a apropriação dos símbolos e dos discursos nacionais pelos fascismos tem dificultado enormemente uma reflexão séria, focada mais no essencial do que no ritual. Nesse aspecto seria bom que aqueles que à esquerda continuam a suspirar por uma nova Moscovo vermelha se lembrassem das relações económicas e políticas certamente muito fraternas e entre iguais que ocorreram entre os vários “países socialistas” ao longo do século XX. Talvez um pouco de sensatez ajudasse a lembrar aos nacionalistas portugueses actuais que o projecto encabeçado pelo PCP (veja aqui), de uma «construção europeia assente em nações livres e Estados soberanos e independentes» longe de «eurocracias federalistas redutoras da soberania nacional e empobrecedoras da democracia» não é, nos traços apresentados, muito diferente do de Marine Le Pen. Esta líder do principal partido francês de extrema-direita «deseja a implosão da União Europeia, a fim de tornar possível a Europa das nações» (veja aqui), um objectivo político não muito diferente do apresentado pelo PCP. Mas como estamos à espera de bramidos histéricos, dizemos desde já que não identificamos os nacionalistas portugueses com os fascistas, simplesmente chamamos a atenção para a justaposição de propostas políticas que não apresentam diferenças de fundo na sua arquitectura internacional.

Na conclusão, antecedida por uma argumentação que aborda tanto à crítica ideológica como a análise de dados económicos, e que vale a pena acompanhar na íntegra, soa de novo um alerta contra riscos mortais que seria imperdoável subestimarmos:

(…) a completa injustificação económica para o nacionalismo apenas encontra respaldo no âmbito estritamente ideológico. Quando assim é, o nacionalismo é ainda mais perigoso, porque apenas se sustenta na gritaria de slogans e na completa ausência de discernimento racional das dinâmicas em questão. O culto pela frase revolucionária e as práticas irracionais de análise só devem merecer de toda a esquerda anticapitalista um grau máximo de frieza racional e analítica.
O projecto político do PCP é, assim, um programa nacionalista por duas grandes ordens de razões. Primeiro, porque partilha todas as características políticas e ideológicas do nacionalismo e da correlativa aliança dos pequenos e médios capitalistas com os trabalhadores. Segundo, porque o seu programa económico é ainda mais retrógrado do que o já de si retrógrado tecido económico e empresarial português. O mais demencial em tudo isto é que não têm sido poucos os militantes e dirigentes da esquerda nacionalista portuguesa a responder a estes dados políticos e económicos com vitupérios e ofensas das mais vis. O que demonstra à saciedade a penetração de outro dos vectores promotores de uma possível fascização da sociedade portuguesa: o irracionalismo.

18/11/12

…Para que serve, então, o BE?


Uns invocam as liberdades e direitos que fazem a "superioridade" da Europa para justificarem o seu apoio a uma governação da UE que significa a destruição dessas liberdades e direitos em benefício da exploração e da absolutização do poder da economia política dominante e das oligarquias.

Outros apelam a que renunciemos a defender e a alargar na Europa as liberdades e direitos que os primeiros atacam, em benefício de uma mítica "independência nacional" ou "recuperação da soberania", que funciona como justificação dos seus projectos de poder hierárquico reciclado e a reconversões geoestratégicas favoráveis aos seus cálculos, implicando de facto a dependência — só que rebaptizada para o efeito como "cooperação solidária" ou outra coisa do mesmo género - de potências emergentes e países creditados de "anti-imperialismo", por se oporem aos Estados Unidos e à UE, apesar de governados por regimes que equivalem a formas agravadas de dominação classista.

Se o PS, o PSD e o CDS-PP adoptam as primeiras posições aqui referidas em matéria europeia, se as segundas são as da área sob a hegemonia do PCP, e se deixarmos de parte alguns defensores da saída unilateral do euro, que não se pretendem anti-europeístas nem visam deliberadamente a desagregação da UE, mas subestimam gravemente os efeitos económicos e políticos das medidas soberanistas que propõem, o BE distingue-se pela indefinição perante a questão europeia, o que, entre outros efeitos mais graves para o cidadão comum, equivale a uma auto-condenação à irrelevância numa matéria política fundamental.

O mal deve ter raízes profundas na história e no modo de existência actual do partido, porque reproduz, na realidade, a mesma indefinição que o caracteriza quanto às questões fundamentais da democracia e das alternativas à economia política dominante. Com efeito, ao mesmo tempo que denuncia as limitações do sistema representativo e que repudia o vanguardismo leninista, que leva o PCP a declarar-se como a direcção histórica e a consciência organizada dos trabalhadores, seu dirigente e seu guia, o BE rende-se na prática ao sistema representativo, organiza-se e hierarquiza-se em função das suas exigências, e não apresenta quaisquer propostas de democratização do exercício do poder alternativas — quer dizer, caracterizadas por lutas que visem, a começar pelo modo como se travam, a extensão da participação governante dos trabalhadores e cidadãos comuns nas deliberações e decisões que os implicam.

Para que serve, então, o BE? Dir-se-á que, apesar de tudo, talvez seja nas suas fileiras ou na sua área que se situam muitos que não se satisfazem nem com as propostas dos partidos de governo nem com as soluções autoritárias e hierárquicas de tipo, digamos assim, "leninista". Mas a justificação é fraca, sobretudo tendo em conta que, na actuação do BE, a recondução das aspirações democráticas difusas à cena política dominante, e à sua economia do poder, tende a primar — e, ao que parece, cada vez mais - sobre a busca de novos caminhos.

José Manuel Pureza sobre uma "outra Europa"


Embora não compartilhando de todos os pontos de vista que exprime ou sugere, penso que o texto A eurogreve e a outra Europa, publicado por José Manuel Pureza no esquerda.net — que mais não seja por destoar do silêncio escandaloso e da indefinição atabalhoada do BE perante a questão europeia, a situação na zona euro e, last but not least, a ameaça de ressurgência, com maquilhagem de "esquerda", de um nacionalismo populista e militarizado que aclama os "direitos soberanos de Portugal" acima da defesa e extensão dos direitos e liberdades dos trabalhadores e cidadãos comuns da Europa — merece ser lido, discutido e divulgado por todos os que sentem a urgência de combater os riscos — fatais para qualquer contra-ofensiva democrática verosímil — de desagregação da zona euro e da UE, bem como da balcanização que daí decorreria, juntamente com o regresso a regimes autoritários e belicistas na região.

Se, a meu ver, estamos, ao contrário do que afirma José Manuel Pureza, ainda longe de ver movimentos sociais e lutas em que os trabalhadores e a grande maioria dos cidadãos comuns assumam aquilo a que ele chama a "natureza incindivelmente europeia da política da crise e das alternativas a ela", ou se mostrem decididos a "[a]rticular a contestação em escala europeia contra a fragmentação nacional das políticas de empobrecimento", em resposta à "estratégia de confinamento nacional das crises e das políticas oficiais" — não deixa de ser verdade que, de um ponto de vista democrático, não há tarefa mais urgente, no momento actual, do que batermo-nos por que assim seja de facto. No interesse tanto da imensa maioria da população portuguesa, como da imensa maioria dos cidadãos europeus, sem esquecer a imensa maioria dos homens e das mulheres de todo o mundo.

O anti-europeísmo da "esquerda anti-imperialista"


Apesar de erodidos e em recuo os direitos e liberdades garantidos aos cidadãos da UE incomodam a estratégia capitalista global, cuja ofensiva não tem parado de insistir, através dos mais diversos porta-vozes da oligarquia dominante, na necessidade de acabar com os entraves e maus exemplos para outros povos que esses direitos e liberdades representam. Podemos dispensar-nos aqui de citar as declarações de responsáveis e dirigentes, membros quer das fileiras oligárquicas europeias, quer das oligarquias das potências emergentes, com destaque para a RPC, que insistem na urgência de pôr fim aos "privilégios anacrónicos" dos trabalhadores europeus.

Ora, tal é precisamente o que não querem entender ou, melhor, que procuram activamente que os cidadãos entendam os que, declarando-se adversários irredutíveis do capitalismo e do imperialismo, apostam, não na defesa e extensão das condições ameaçadas da cidadania europeia, mas na desagregação da zona euro como primeiro passo para a desagregação da UE, a pretexto de que essa desintegração seria uma derrota para as forças imperialistas.

O que é curioso assinalar é que os porta-vozes desta "esquerda" anti-imperialista chegam a apresentar as liberdades e direitos de que dispõem ainda os cidadãos dos países europeus mais avançados como armas do capitalismo global, ao serviço da burguesia e da finança internacional, acabando por contribuir para o seu enfraquecimento e eliminação, não menos do que a ofensiva oligárquica que os declara obsoletos e insustentáveis.

16/11/12

este sábado, unipop na achada

15h: Conversa sobre «O Passado, Modos de Usar», na Casa da Achada

17h: Conversa sobre «Direito de Fuga» e «Quem Canta o Estado-Nação?», na Casa da Achada
19h: Showcase com Ricardo Freitas e Maria do Mar, no Bartô
20h: Jantar, no Bartô
21h30: Conversa sobre o «Futuro», no lançamento da revista 'Imprópria' n.º 2, na Casa da Achada

Com Sérgio Campos Matos, Ângela Cardoso, Mariana Pinto dos Santos, José Neves, Nuno Dias, Manuela Ribeiro Sanches, Nuno Nabais, Bruno Peixe Dias, Ricardo Freitas, Maria do Mar, Golgona Anghel, António Guerreiro, Nuno Ramos de Almeida, José Bragança de Miranda, Tiago Carvalho, José Luís Garcia, Miguel Cardos

Programa:
15h-16h45: Conversa sobre Memória e Historiografia
Em torno do livro «O passado, modos de usar», de Enzo Traverso (Edições Unipop, 2012)
Com Sérgio Campos Matos, Ângela Cardoso, Mariana Pinto dos Santos e moderação de José Neves

Apoiando-se em vários exemplos da história do século XX – fascismos, Shoah, colonialismo, comunismos –, Enzo Traverso analisa as linhas por que se tecem os diferentes segmentos da memória colectiva, a escrita histórica do passado e as políticas da memória. Diante de um século a ferro e fogo, a memória reivindica os seus direitos sobre um passado que detém, como num caleidoscópio, uma multiplicidade de configurações diferentes. Da indústria cultural aos museus, passando pelas comemorações e pelos programas educativos, tudo contribui para que se faça da memória do passado uma espécie de religião civil das sociedades contemporâneas. Muitas vezes, essa religião civil cumpre uma função apologética: conservar a recordação dos totalitarismos de forma a legitimar a ordem liberal, ocupar os territórios palestinos para evitar um novo Holocausto, invadir o Iraque para não repetir Munique (o compromisso das democracias ocidentais com Hitler em 1938)... Em outras circunstâncias, porém, trilham-se outros caminhos da memória, mais discretos, por vezes mais subterrâneos, decididamente críticos, que transmitem a linha vermelha das experiências de emancipação, da utopia, da revolta contra a dominação. A escrita da história é o resultado de um trabalho que emerge dessa trama complexa de recordações pessoais, de memória colectiva, de saberes herdados, de convenções literárias, de constrangimentos institucionais e de questionamentos políticos ancorados no presente. É essa trama subterrânea que o ensaio de Enzo Traverso se propõe explorar. Em causa está um vasto debate intelectual que redefine as fronteiras da história e que coloca em causa os processos da sua escrita. Um debate de que Enzo Traverso reconstitui aqui as grandes linhas, de Maurice Halbwachs a Paul Ricœur, de Walter Benjamin a Yosef H. Yerushalmi, de Carlo Ginzburg a Dominick LaCapra.

16h45 - Apresentação do novo website da Unipop
 
17h-18h45: Conversa sobre Globalização, Migrações e Estado-nação
Em torno dos livros «Direito de fuga», de Sandro Mezzadra (Edições Unipop, 2012), e «Quem canta o Estado-nação?», de Judith Butler e Gayatri Spivak (Edições Unipop, 2012)
Com Nuno Dias, Manuela Ribeiro Sanches, Nuno Nabais e moderação de Bruno Peixe Dias

Direito de Fuga. Sinal de cobardia, de traição ou simplesmente de medo, a fuga é uma categoria que não conta com muitos adeptos. Neste livro, porém, a fuga é positivamente reinventada. Sob a figura do direito de fuga, Sandro Mezzadra traz ao leitor notícias do desejo de evasão e da vontade de libertação que os movimentos migratórios – ainda que sempre disciplinados, reprimidos e refreados – jamais deixam de exprimir. Discutindo os primeiros escritos de Max Weber, e dialogando com os Estudos do Subalterno, com Negri e Hardt ou ainda com Zizek, Mezzadra recusa entender os movimentos migratórios simplesmente através das suas causas «objectivas», estruturais e económicas. Ao invés, procura discutir as dimensões de subjectividade, de desejo e de vontade neles investidas. A condição migrante constitui assim o lugar de uma tensão. De um lado, a violência da repressão infligida sobre os migrantes nas fronteiras dos Estados nacionais, que no quadro liberal da globalização tanto promovem a circulação das mercadorias como se dedicam ao controlo da liberdade de movimento humano; de outro lado, temos a subjectividade migrante, que nos convida a pensar os movimentos migratórios como movimentos sociais, que, como as revoltas escravas ou os movimentos anticoloniais, têm o poder de transformar o mundo globalizado em que vivemos.


Quem canta o Estado-nação? resulta de um singular encontro entre duas das mais influentes teóricas da última década, que entre si debatem o passado, o presente e o futuro do Estado num tempo de globalização. Reflectindo sobre a pluralidade cultural no interior dos Estados e a maior porosidade das suas fronteiras, Butler e Spivak interpelam o vínculo natural entre Estado e nação, num debate que atravessa temas como a situação da Palestina, as teorias do Estado de filósofos do Iluminismo, os contributos de pensadores como Hannah Arendt ou Giorgio Agamben, o exercício do poder no mundo actual, o direito a ter direitos ou ainda os significados de cantar o hino nacional norte-americano em espanhol.


19h: Showcase no Bartô, com Ricardo Freitas + Maria do Mar

Duo de improvisação livre.

20h: Jantar no Bartô
Feijoada. 3 euros (não inclui bebidas nem café).
Inscrições para cursopcc@gmail.com, com indicação do nome (o número de inscrições é limitado à lotação do espaço)

21h30: Debate sobre «Futuro», pela ocasião do lançamento do n.º 2 da revista 'Imprópria' (Unipop + Tinta-da-China)
Com Golgona Anghel, António Guerreiro, Nuno Ramos de Almeida, José Bragança de Miranda, Tiago Carvalho, José Luís Garcia e moderação de Miguel Cardoso
O debate centra-se no dossiê «Futuro», que abre com o artigo «Mais tarde é agora», de Bernard Aspe. A iminência da catástrofe, argumenta Aspe, arrasta a possibilidade paradoxal de uma nova vivência do presente; uma vivência em que a exiguidade de um «mais tarde» se confunde com a urgência do «agora», sendo que só assim, quando o futuro se torna inadiável, se cumpriria finalmente o presente, nas suas imprevisibilidade e potência transformadora. Segue-se o artigo «No future. Um grande caos debaixo dos céus», em que Fernando Ramalho aborda a crise actual a partir da falência da ideia de futuro e dos vários usos que dela foram feitos ao longo do século XX, ilustrados por um percurso descontínuo através da música popular, do rock 'n' roll dos anos 1950 ao punk do final da década de 1970. O dossiê fecha com a tradução de um excerto do livro La fabrique de l'homme endetté – Essai sur la condition néolibérale (2011), de Maurizio Lazzarato, em que o filósofo italiano, partindo da contribuição de Nietzsche na sua Genealogia da Moral, traça uma genealogia do conceito de dívida para discutir a sua centralidade na Modernidade capitalista e a forma como se apropria «não apenas do emprego do tempo presente dos assalariados e da população em geral», mas também do «futuro de cada um e da sociedade no seu todo».
O n.º 2 da 'Imprópria' inclui ainda um dossiê sobre «Infância», a continuação do debate sobre as «Esquerdas», iniciado no n.º 1, e outros textos.

Colaboram neste número Bernard Aspe, Fernando Ramalho, Maurizio Lazzarato, Paolo Virno, Manuel Jacinto Sarmento, Ana Levy Aires, Mariana Avelãs, René Schérer, José Gil, Vanessa Brito, João Rodrigues, Gui Castro Felga, Bruno Lamas, Miguel Cardoso, Diogo Duarte, Gonçalo Marcelo, Ricardo Noronha e Mariana Christ Lemos".


Associação Casa da Achada - Centro Mário Dionísio 
Rua da Achada, 11, R/C
1100-004 - Lisboa
Telf. 218877090   218877090  218877090  218877090
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E-mail: casadaachada@centromariodionisio.org"

Transportes
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Eléctricos: 12, 15, 28

13/11/12

A AUSTERIDADE COMBATE-SE COM MAIS DEMOCRACIA PARA A EUROPA E MAIS EUROPA PARA MAIS DEMOCRACIA


Novo alerta contra a ameaça nacionalista

Como tenho dito muitas vezes neste blogue e alhures,  do mesmo modo que exige mais do que a eleição periódica de representantes que legislem e decidam por nós, enquanto renunciamos a fazê-lo, a democracia exige também, mais do que o "Estado social", o exercício pelo conjunto dos cidadãos organizados do governo, aos diversos níveis, da actividade económica, tendo como ponto de partida uma repolitização democrática e explícita da esfera da economia (política). Assim, entendida, é, por outro lado, esta democracia  — ou seja, a democratização generalizada do exercício das deliberações e decisões políticas que, na esfera económica e fora dela, governam a existência colectiva — que nos poderá libertar do capitalismo e da dominação classista.

A primeira parte de um artigo, Behemoth mata Leviatã e morre, hoje publicado nesse órgão de referência para quem alimenta ideias afins das que acabo de indicar que é o Passa Palavra — valendo também a pena ler a chamada de atenção que lhe dedica o João Valente Aguiar no 5dias —, analisa, com uma erudição económica rara e uma acutilância política desgraçadamente pouco frequente nos dias que correm, a natureza ideológica e mistificadora de pseudo-alternativas que têm proliferado, explorando o desespero e sofrimento causados pela reestruturação ofensiva do regime hoje em curso na Europa, e constitui, nomeadamente, mais um contributo de peso para o combate às ideologias nacional-populistas que boa parte da "esquerda"tão denodadamente se tem empenhado em difundir. A segunda e última parte do artigo do Passa Palavra será publicada na próxima terça-feira (20 de Novembro de 2012), e na introdução da que nos é hoje proposta pode ler-se:

Conforme temos vindo a defender aqui no Passa Palavra, se o nacionalismo é acima de tudo uma ideologia, então teremos de o avaliar nos seus planos constitutivos: na mensagem que veicula e onde cada palavra pesa; e nos efeitos práticos a que se propõe. Para isso iremos abordar nesta primeira parte alguns textos teóricos que se batem por uma postura que procura colocar o conflito contemporâneo num ilusório antagonismo entre finança e economia produtiva. Deste antagonismo surgiria a necessidade de agregar numa aliança social os mais justos representantes do interesse nacional – os trabalhadores e os pequenos e médios empresários produtivos. Os textos retratados têm colhido larga difusão na esquerda portuguesa, o que, por si só, justifica a sua análise. De modo complementar, também neste primeiro artigo daremos conta de um caso específico de concepção de uma aliança social e política entre trabalhadores e pequenos empresários em defesa da economia nacional. Na segunda parte, a ser publicada na próxima semana, analisaremos as similitudes dos discursos e objectivos programáticos de um sector da esquerda portuguesa – o Partido Comunista Português (PCP) – com as características fundamentais de um conceito de nacionalismo. Em suma, nesse artigo veremos como as ambiguidades que permeiam as propostas políticas desse partido concorrem para fortalecer os perigos de formação de uma aliança nacional operário-empresarial, potencialmente captável para projectos políticos de recorte fascista.

Jornada Europeia de Luta contra a Austeridade

Canção de Eugène Pottier, escrita em 1870 — interpretada aqui por Mouloudji (do LP La Commune en chantant, 1971).

Quand viendra-t-elle?

au citoyen Mijoul


J'attends une belle,
Une belle enfant,
J'appelle, j'appelle,
J'en parle au passant.
Ah! je l'attends, je l'attends!
L'attendrai-je encor longtemps?

J'appelle, j'appelle,
J'en parle au passant.
Que suis-je sans elle?
Un agonisant.
Ah! je l'attends, je l'attends!
L'attendrai-je encor longtemps?

Que suis-je sans elle?
Un agonisant.
Je vais sans semelle,
Sans rien sous la dent...
Ah! je l'attends, je l'attends!
L'attendrai-je encor longtemps?

Je vais sans semelle,
Sans rien sous la dent
Transi quand il gèle,
Sans gîte souvent.
Ah! je l'attends, je l'attends!
L'attendrai-je encor longtemps?

Transi quand il gèle,
Sans gîte souvent,
J'ai dans la cervelle
Des mots et du vent...
Ah! je l'attends, je l'attends!
L'attendrai-je encor longtemps?


J'ai dans la cervelle
Des mots et du vent.
Bétail on m'attelle
Esclave on me vend.
Ah! je l'attends, je l'attends!
L'attendrai-je encor longtemps?

Bétail, on m'attelle.
Esclave, on me vend.
La guerre est cruelle,
L'usurier pressant.
Ah! je l'attends, je l'attends!
L'attendrai-je encor longtemps?

La guerre est cruelle,
L'usurier pressant.
L'un suce ma moelle,
L'autre boit mon sang.
Ah! je l'attends, je l'attends!
L'attendrai-je encor longtemps?

L'un suce ma moelle,
L'autre boit mon sang.
Ma misère est telle
Que j'en suis méchant.
Ah je l'attends, je l'attends!
L'attendrai-je encor longtemps?

Ma misère est telle
Que j'en suis méchant.
Ah! viens donc, la belle
Guérir ton amant!
Ah! je l'attends, je l'attends!
L'attendrai-je encor longtemps?



12/11/12

Vamos lá falar a sério



O humor é sempre uma maneira de arejar o espirito critico.
Sobretudo quando este se fecha em quartos bolorentos e de ar viciado
Uma amiga envia-me esta novidade, que circula, suponho eu, nas redes sociais…


Não se esqueça. Entra em vigor no final do ano.
Para começar o Governo terá de imprimir 9 milhões… depois se verá…
O Governo já criou um novo cartão, não sei se conhecem, aí vai ….


Diz que dá acesso a vários serviços de luxo…
·       Dormida em albergues;
·       Pagamento das taxas de saúde em suaves prestações mensais;
·       Roupa e alimentação no banco alimentar;
·       Isenção de impostos que não existam;
·       Momentos de convívio e lazer nos jardins públicos;
·       Entre outros…


Esta certo até certo ponto, porque há aqui uma simplificaçao abusiva.
Uma questao de numeros. Nove milões é capaz de ser um exagero.  Um exagero que exprime uma questão politica. Porque neste jardim (queimado, abandonado, cimentado e seco) à beira mar plantado, há apesar de tudo uns bons milhares que não vão ter direito a cartão. Estou a pensar na burguesia portuguesa, velhos e novos ricos, mafias financeiras, especulativas e outras, castas e classes politicas, militares, burocracias improdutivas que vão sugando o  eterno « bom povo portugês ».
Onde eu quero chegar é à ideia da Rosa, uma velha amiga nossa, que dizia há uns anos já : «O inimigo esta entre nós ». É salutar lembrá-lo nestes dias em que sobe das ruas e praças o barulho dos gritos contra aquela triste senhora alemâ vestida de pijama (Made in China, by the way) que vem visitar o seu filho adoptivo Gaspalazar e comparsas. 
Mas que parvoíce ! A importância espetacular que se dá a esta mulher é descabida. Há um espetaculo, montado e alimentado pelos senhores locais do poder, que permite desviar a cólera popular. Os eternos culpados do estrangeiro ! E é uma bênção para os outros tristes da historia, os paralíticos da politica moderna, a tal esquerda cujo último comércio possível é a venda dos valores do nacionalismo e do patriotismo saloio.  Como diziam os indignados espanhóis: « A esquerda é ao fundo do corredor, à direita ». Não deixa de ser interessante sublinhar que, em Portugal, estes valores são veiculados antes de mais por certa gente de esquerda. O que, por si só, é uma excelente razão par não se ser de esquerda — que é uma variante da direita e viceversa!
Como tem sido sublinhado neste blog pelo Miguel Serras Pereira e pelos comentários do João Bernardo, entre outros, há que recusar, romper com, ultrapassar toda a reflexão contaminada por semelhantes valores. Esse espírito crítico, que nos permite continuar vivos e perceber de onde vimos e para onde nos levam, exige essa atitude.  
Para o chamado cidadão médio, esta orientaçao nacionalista parece o caminho mais facil de sair do túnel do empobrecimento onde o fecharam. Erro grave. Por um lado, porque esta ideia, como muitas outras, já nao se adapta à situação presente. O país já não existe, não tem economia viavel, foi destruído e pilhado pelos grandes grupos capitalistas europeus com a cumplicidade bem remunerada da classe capitalista local. Que foi de férias para as offshore, para o Brasil e para Africa. Um nacionalismo sem economia e de campos de golf é a mesma coisa que uma emigração que não encontra trabalho. Mais uma dessas ideias velhas que estão nas prateleiras e em que o cidadão pega, pensando que é eficaz quando a verdade é que é inutil. Mas também — e é aqui que a coisa é mais grave e compromete os que a defendem — este regresso à dita « soberania nacional » implicará necessariamente, não só mais miséria, mas também o regresso do autoritarismo por parte do poder politico. Um novo totalitarismo é o preço da mísera « independência nacional ». Fico à espera da prova do contrario.
E se, em alternativa, optássemos por propostas que desenvolvam a autonomia, a criatividade e a solidariedade dos que sofrem e são vítimas desta situaçao ? Que criem laços de  internacionalismo, entre as sociedades europeias. Como fazem os que lutam  aí mesmo ao lado, em Córdova, em Sevilha, em Mérida, em Vigo. Acompanhadas por uma discussão aberta sobre as condições criadas pelo sistema : quem emprestou, a quem emprestou, para onde foram os fundos financeiros, qual é o peso dos juros já pagos,  entre muitas outras questões. Que permitam desmistificar  o fetiche da « Dívida », revelar a seu conteúdo de classe, perceber o que se passa. Enfim voltar a ver tudo isto como o problema de um sistema, uma organização social, que têm nome — o capitalismo. E que deixem os moralismos dos malandros dos maus políticos (como se houvesse bons) para as homilias da Páscoa. Discursos repetitivos que se estão a tornar monótonos e ridículos.
Os outros, os que insistem em chorar por pátrias, bandeiras e independências, que deixem de ler blogs e de perder tempo em manifestações, que se alistem na Guarda Republicana e nas Forças Armadas prontos para defender a pátria do BCP e do Millennium. Durante os primeiros mese serão pagos, depois já não garanto nada…

Da aposta num "Muro de Berlim" para defender a "soberania nacional"


Quanto mais ouvimos e lemos os argumentos da "esquerda" que defende a saída unilateral do euro, a recuperação da soberania e da independência nacional em vista da construção de um regime progressista e anti-imperialista, senão do "socialismo num só país", em Portugal, mais justo se afigura dizer que a sua alternativa equivale à aposta na construção de construindo um Muro de Berlim português —"contra a Merkel" e o imperialismo da UE "burguesa", evidentemente…

O problema é que esta versão lusa do Muro de Berlim nada asseguraria que se parecesse com a independência económica e política da região portuguesa. Do mesmo modo que o Muro original, longe de assegurar a independência da RDA, aumentou a sua dependência em relação ao Pacto de Varsóvia subordinado ao governo da União Soviética. Mas — uma vez que as jangadas de pedra só num dos dois ou três romances menos convincentes de Saramago flutuam, e, em qualquer outro caso, tornam irremediável o afundamento de toda a tripulação, comandante e imediatos incluídos — se a ideia é, como alguns estipulam, substituir, a coberto do Muro, à "colonização" pela UE a "solidariedade" dos países emergentes — Angola, Venezuela, Brasil, China… —,  o único resultado possível da aposta seria o agravamento das condições de dependência da região.

Por fim, se passarmos a considerar, não já a "independência nacional" ou a "liberdade do Estado" — inversamente proporcional, dizia Marx, à do "seu" povo —, mas a indepndência que conta e que é a de um regime cujos cidadãos se dêem livre e responsavelmente as leis por que se governam e livre e responsavelmente decidam dos seus assuntos comuns, convém ter presente que os Muros de Berlim ou as Jangadas de Pedra — a arregimentação nacionalista, o Estado forte e militarizado mobilizador da defesa da soberania, a subordinação hierárquica que, dentro de cada Estado-nação, o horizonte da guerra entre as nçaões, acarreta, o primado da "questão nacional" sobre a "questão social", etc., etc. — têm por efeito a sua repressão e exclusão sistemáticas em benefício de formas mais ou menos recicladas e reforçadas de exploração e opressão classistas.

Por muitas objecções de fundo que se possam e devam pôr à sua leitura da Revolução Russa, se Moshe Lewin acertava ao escrever que "o socialismo é uma forma de democracia que supera todas as formas [de democracia] possíveis no mundo capitalista", e que, se isso não nos fornece qualquer receita ou fórmula precisa acerca do "do tipo de distema económico que essa democracia poderá querer adoptar", significa, pelo menos, que o poder deve estar "nas mãos da sociedade" e ser igualitariamente exercido "sem capitalistas nem burocratas" (cf. Octobre 1917 à l'épreuve de l'histoire, Le Monde diplomatique, novembre 2007)  — então, poderemos ver melhor que nada pode estar mais longe da democratização instituinte — que, a todo o momento e desde o início, só ela, pode garantir uma alternativa que nos torne de facto independentes do capitalismo e do poder político classista — do que a lógica e a prática que a via do Muro de Berlim e da defesa da soberania nacional propõem como "revolução" ou "combate anti-imperialista".

09/11/12

Combater genuinamente o governo alemão será fazer-lhe a "genuína vontade"?

Não sei se Jorge Bateira acerta por completo quando afirma que o governo alemão  visa explicitamente forçar os países periféricos da zona-euro à saída da moeda única. Que a sua política pode ter esse efeito é, em todo o caso, um facto que nos deveria levar a concluir que, social e politicamente ruinosa para a Europa da enorme maioria dos cidadãos, essa política é também ruinosa, nos mesmos termos, para a própria Alemanha. Mas, se admitirmos, para simplificar, a leitura um tanto limitada que Jorge Bateira faz do assunto, quando escreve: "camuflada pela retórica da defesa do euro a qualquer preço, de facto a intenção do governo alemão é fazer sair pelo seu pé, um a um, os países da zona euro economicamente mais frágeis" e "[o] facto é que os dirigentes políticos gregos ainda não perceberam que a Alemanha apenas quer que saiam (…). Por isso, temerosos do que lhes pode acontecer se deixarem o euro, lá aprovaram in extremis mais um pacote de austeridade. Não perceberam que a genuína vontade do governo alemão é outra, a de que desistam" — então, é caso para perguntarmos se a melhor maneira de resistir à política do governo de Angela Merkel e às forças que o animam, será a que Jorge Bateira e outros recomendam, quando, secundando a vontade do governo de Angela Merkel a pretexto de o combaterem, apostam na recuperação da "soberania" e da "independência nacional", através da saída da zona-euro; ou se, pelo contrário, não serão aqueles que Jorge Bateira despreza como "europeístas" os verdadeiros adversários do programa austeritário transnacional da economia política governante.

João Bernardo: sobre "o mito da culpabilidade alemã", a "esquerda" portuguesa, o nacionalismo e o capitalismo de Estado

Respondendo a um comentário do João Valente Aguiar a outro meu post, escrevi na caixa de comentários do mesmo: "tanto do ponto de vista da defesa das liberdades fundamentais e dos chamados 'direitos sociais', como do ponto de vista ofensivo da luta por uma democratização das relações de poder que caracterizam o capitalismo actual, o antinacionalismo é uma prioridade maior". O mesmo parece pensar o João Bernardo, que acaba de publicar no Passa Palavra o primeiro de uma série de três textos sobre O Mito da Culpabilidade Alemã, escrevendo na apresentação da série:

Perante a crise na periferia meridional da zona euro o nacionalismo torna-se cada vez mais estridente e o Passa Palavra tem-se contado entre as poucas vozes que em Portugal apontam os perigos decorrentes de um abandono do euro e de um aparecimento do fascismo à esquerda. Se as identidades nacionais sempre se construíram sobre mitos, isso sucede mais ainda hoje, numa época em que a transnacionalização da economia reduz o nacionalismo a um delírio ideológico sem base prática. Ora, os mitos nacionalistas têm uma face dupla, tanto servem para identificar o nós como o outro, e entre estes mitos tem ressurgido ultimamente o da culpabilidade alemã. Em resumo trata-se de dizer que, se os alemães foram culpados do nazismo e do genocídio dos judeus, não espanta que sejam agora culpados das medidas de recessão económica impostas aos países da periferia meridional da zona euro. Mesmo alguém como o prof. Boaventura Sousa Santos, que pelo menos deveria ter alguns conhecimentos históricos, ousou escrever em meados do ano passado que «podemos ser preguiçosos, podemos não saber como nos governar, mas não matámos 6 milhões de judeus e ciganos. Tenho pena de o dizer, mas tenho de o dizer. O nacionalismo puxa o nacionalismo» (veja aqui). Mas o nacionalismo, prof. Boaventura, puxa só quem quer ser puxado.


Se se tratasse apenas de um prof., pouca importância teria. Mas o problema é que uma parte substancial e cada vez maior da população portuguesa e, o que é muito mais grave, da esquerda portuguesa pensa o mesmo. Circulam imagens identificando com o nazismo a posição detida pela economia alemã na zona euro e chegaram ao ponto de querer agora levar de novo à cena a histeria do ultimatum. Não importa que enquanto raciocínio de causa a efeito seja uma falácia que deveria fazer corar de vergonha quem invoca aquele argumento, só que a vergonha lhes falta. A questão fundamental é que o ponto de partida é falso. Não houve uma entidade chamada alemães que tivesse sido responsável pelo nazismo, com todas as suas consequências.

(Ler mais)

Parece-me ainda interessante deixar aqui, com autorização do autor, o excerto de uma mensagem pessoal, em que o João Bernardo,  referindo-se aos motivos que o levaram a pegar na questão da "culpabilidade alemã", e prolongadno e precisando um pouco mais as considerações preliminares acima transcritas, escreve o seguinte:

(…) a esquerda, que andava sorumbática ao pensar que a democracia representativa ia governar pela eternidade fora, anda agora satisfeitíssima porque entende que o agravamento da crise lhes abrirá as portas. Como podemos nós, nos meios de esquerda, ter audição ao prevenirmos contra o risco de um capitalismo de Estado, se essa esquerda vê precisamente no capitalismo de Estado a sua oportunidade imediata de aceder ao governo ou de regressar a ele? E assim o que se perfila no horizonte é a pior vocação da esquerda: o capitalismo de Estado, necessariamente nacionalista, porque o Estado é nacional. Ora, em situação de crise os trabalhadores retraem-se, porque a iminência de perder os empregos e o pouco que lhes resta constitui a mais eficaz chantage patronal. O agravamento da crise, com a vanguarda profissional histérica nas ruas e a esmagadora maioria dos trabalhadores, daqueles que têm emprego, submissa nas empresas, constitui a situação ideal para a esquerda nacionalista. E depois de lá estarem será muito difícil tirá-los. Ora bem, com este horizonte possível, mesmo aquelas pessoas que teriam simpatia por uma posição europeísta e pela manutenção na zona euro e que no plano das ideias acham o nacionalismo um perigoso absurdo hesitam agora, porque têm medo de se condenar ao isolamento. Onde ficariam eles se a outra esquerda passar para primeiro plano? Ou seja, para falar com mais exactidão, não será que perderiam o peso nos departamentos universitários, o lugar nos comités editoriais das revistas, os convites para os próximos simpósios e congressos, ou, tout simplement, não será que perderiam o emprego? E assim vão como as cerejas, um puxa numa ponta e o resto segue atrás.


07/11/12

Do primado democrático da cidadania activa comum sobre a nacionalidade

Há um aspecto que muito aprecio e recomendo na Carta Aberta a Angela Merkel que o Tiago Mota Saraiva subscreve e acaba de divulgar no 5dias: o seu claro repúdio tanto das políticas que Angela Merkel patrocina como da pseudo-alternativa nacionalista. Com efeito, afirmar a prioridade da defesa das liberdades e direitos democráticos na Europa sobre as questões nacionais é condição necessária, embora não suficiente,  se queremos lutar com alguma perspectiva de sucesso contra a ofensiva oligárquica da economia política governante, tanto no plano imediato, como salvaguardando a vontade da sua superação histórica.  E daí que me pareça tão importante que o protesto invoque fundamentalmente, retomando o melhor do legado histórico dos movimentos democráticos e radicais da Europa, a cidadania activa comum dos signatários (os seus direitos e condições) e só acessoriamente as nacionalidades que os distinguem.

Nota sobre a genealogia da "esquerda anti-europeísta"


Os anti-europeístas e nacionalistas de "esquerda", que hoje reclamam a saída unilateral do euro, e nos apresentam a desagregação da UE e o regresso às soberanias nacionais dos países periféricos como prioridade das prioridades, condição primeira e primeiro acto da revolução e da vitória sobre o imperialismo, são em grande medida os herdeiros directos dos terceiro-mundistas dos anos 60 e 70 do século passado, que opunham ao aburguesamento dos trabalhadores dos países avançados a miséria pura e dura, logo verdadeiramente revolucionária, das massas do Terceiro Mundo, para se dedicarem à tarefa de demonstrar a impossibilidade de uma transformação radical nos centros capitalistas, ao mesmo tempo que assumiam a defesa e a propaganda de sinistras ditaduras que, a pretexto de anti-imperialismo e de independência nacional, asseguravam nos países-guia a exploração mais impiedosa das classes populares e os processos de formação de novas oligarquias detentoras dos postos de comando tanto dos aparelhos de Estado locais como do governo dos meios de produção.

Os resultados históricos para que contribuíram os terceiro-mundistas da segunda metade do século passado, apostados na sabotagem da luta nos países capitalistas avançados, estão hoje à vista. Os seus actuais continuadores na região europeia, porém, deram um passo em frente: defendem hoje, no essencial, mas para os países onde actuam, a mesma versão grotesca de alternativa que os seus predecessores aclamaram outrora como regimes "revolucionários" — ou, em todo o caso, indiscutivelmente "progressistas" — nos países "subdesenvolvidos".  Se os deixarmos levar a sua por diante, podemos estar certos de que contribuirão para resultados que em nada ficarão aquém dos obtidos mediante o concurso activo dos seus maiores.