07/11/12
Do primado democrático da cidadania activa comum sobre a nacionalidade
por
Miguel Serras Pereira
Há um aspecto que muito aprecio e recomendo na Carta Aberta a Angela Merkel que o Tiago Mota Saraiva subscreve e acaba de divulgar no 5dias: o seu claro repúdio tanto das políticas que Angela Merkel patrocina como da pseudo-alternativa nacionalista. Com efeito, afirmar a prioridade da defesa das liberdades e direitos democráticos na Europa sobre as questões nacionais é condição necessária, embora não suficiente, se queremos lutar com alguma perspectiva de sucesso contra a ofensiva oligárquica da economia política governante, tanto no plano imediato, como salvaguardando a vontade da sua superação histórica. E daí que me pareça tão importante que o protesto invoque fundamentalmente, retomando o melhor do legado histórico dos movimentos democráticos e radicais da Europa, a cidadania activa comum dos signatários (os seus direitos e condições) e só acessoriamente as nacionalidades que os distinguem.
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11 comentários:
Caríssimo,
existem duas faces do nacionalismo em acção. Apesar de distintas, compartilham um fundo soberanista comum. Passo a explicar-me. Parece-me existir uma corrente mais trauliteira. Esta é a corrente que mais abertamente defende a saída do euro e que tem aquela atitude do "não quero saber para nada se isto arder tudo". Mas existe outra tendência do nacionalismo soft, e que se acham internacionalistas, onde a tese não é a da criação de um espaço supranacional (seja dentro do capitalismo seja enquanto horizonte de luta para outra sociedade) mas a da manutenção de um espaço europeu de nações independentes e com paz entre si. Onde os primeiros (e mais irracionais) defendem abertamente que a Alemanha devia arder, a outra corrente quer manter um quadro de nações independentes, numa versão vestfalliana retardada.
Se a primeira é mais belicista e seria a hegemónica e fautora de um neo-fascismo ou de um novo capitalismo de estado, a segunda é a que apenas faz sentido no actual contexto dentro do euro. Mas a ideia de uma europa de nações (umas plutocráticas, outras "proletárias") está lá em ambas.
Caríssimo João, inteiramente de acordo. Parece que continua a ser difícil a alguns compreender que a hegemonia de uma nação no quadro actual da UE se faz através, precisamente, da recusa de soluções federais e da manutenção da "Europa das nações". O tema da "independência nacional" e do "soberanismo" é não só ilusório como perigoso. E, por fim, tanto do ponto de vista da defesa das liberdades fundamentais e dos chamados "direitos sociais", como do ponto de vista ofensivo da luta por uma democratização das relações de poder que caracterizam o capitalismo actual, o antinacionalismo é uma prioridade maior que nunca afirmaremos demais.
JVA: estou convencido que os objectivos do vosso internacionalismo coincidem tacticamente e por tempo determinado, com os do movimento anarco-capitalista. Digamos que daqui a 20 anos todos os Estados teriam abolido as alfândegas, fronteiras, bem como todas os seus serviços públicos que vão sobrando, nomeadamente a saúde e educação (que custam dinheiro e têm de ser cobrados por impostos, o que pressupõe a existência de fronteiras). Neste ponto teria sido apagada da memória colectiva a enferrujada noção de "nação", e estão então criadas as condições para que se erga a pura consciência de um proletariado que não pode voltar aos nacionalismos.
Pode parecer um comentário jocoso, mas é a sério que o escrevo.
A minha provocação é simples. Vamos supor que a crise do euro se resolve com a criação dos eurobonds, que parece ser a única coisa sensata no imediato. Suponhamos até que a zona euro se alarga a toda a UE (continuo sem perceber porquê, mas para a maioria dos autores deste blog parece que a zona euro é mais importante que a UE). Neste ponto, que poder real terá a UE para se transformar e passar a enfrentar a ordem capitalista global, ou mais timidamente, sobreviver a um possível embargo? (Um embargo em termos de energia seria suficiente para acabar economicamente com a frágil UE.)
É uma pergunta que tem de se colocar depois das vossas dissertações sobre a transnacionalização do capital, a deslocalização de indústrias, etc.
Estou interessado na vossa opinião. Quanto a mim, não me parece realmente diferente achar que mais integração na UE resolva nada daquilo que vocês apresentam como argumento para não se fazerem revoluções à escala nacional.
Anarco-coiso,
não me cabe responder pelo JVA. No que me toca, gostaria de assinalar somente que não é contra o perigo da luta revolucionária que procuro alertar, mas contra as políticas que, vestindo-lhe a pele, nos podem conduzir à contra-revolução, à guerra e ao fascismo.
Sobre o que interessa no comentário do anarco-coiso...
1- ficamos a saber que afinal a criação do estado social é um efeito das fronteiras nacionais... Uma realidade que foi transversal a imensos países (mesmo que com diferenças entre si) seria fruto de uma dinâmica nacional e não fruto das lutas operárias... Mas indo directamente ao que é colocado. Os serviços públicos poderiam existir à escala europeia. Não sei em que é que a existência de nações ou de uma federação é impeditivo da existência de serviços públicos...
2- sobre a noção de nação. Duvido que desapareça assim tão facilmente, bem pelo contrário. Os perigos associados são tantos (e referidos pelo Miguel) que não me parece que isso desapareça no curto prazo. Os internacionalistas não negam que as nações não existam na actualidade. Os internacionalistas batem-se para que os trabalhadores não sigam aventuras (de direita ou da esquerda nacionalista) que tendo a defesa da independência da nação só redundam no reforço de mecanismos autoritários e repressivos, digam-se eles directamente fascistas ou de recorte terceiromundialista ou mesmo marxista.
3- e isto leva-me à transnacionalização. Não somos nós os internacionalistas que dizemos que ela existe. São os próprios capitalistas e todas as organizações da classe dominante. Seria interessante que a esquerda começasse a prestar atenção ao que os gestores e seus agentes escrevem a propósito do assunto. A este propósito entre 1/3 e 1/4 do comércio mundial opera-se entre as sedes e filiais das empresas transnacionais, o que é demonstrativo do seu papel na economia mundial. Mas enquanto a esquerda continuar a lamentar-se contra os governos e as maiorias parlamentares sem ligar patavina ao que se passa nas classes dominantes, estas podem respirar de alívio.
JVA: Muito bem, coincidimos em grande parte do que escreve no que toca à crítica do capitalismo realmente existente. Posto isto, e partindo do absurdo pressuposto que a UE vira à esquerda numas eleições para o parlamento europeu bem como todos os governos dos estados-nações constituintes e que há carta verde para a tal federalização. Até onde é possível levar o socialismo dentro das suas fronteiras? Mais concretamente: é desejável tentar alcançar o socialismo dentro das fronteiras da UE, ou também essa tentativa seria uma opção "nacionalista" (ou pan-nacionalista, se assim o entenderem) que corria o risco de arrastar o mundo (ao invés da Ue) para "a contra-revolução, a guerra e o fascismo"?
Resumindo, entendo que vocês se batem contra o por um federalismo em oposição a um nacionalismo, mas esse "europeísmo" não é mais que uma luta nacionalista em ponto grande. E isso sinceramente leva-nos a um beco sem saída onde, mais que impossível, é indesejável combater o capitalismo.
Gostaria que o Srº Coiso, que não deve ser anarco, nos desse a graça de definir o que é isso de anarco-capitalismo...
Que eu saiba o que existe uma outra coisa (sempre a coisa) que é liberalismo, uma velha concepção de economistas do sistema capitalista.
Dou de barato que pode chamar "liberalismo" àquilo que nos círculos de direita se chama "anarco-capitalismo". Não são bem a mesma coisa, mas para esta conversa importa apenas que lutam pela aniquilação do Estado ao mesmo tempo que pela existência de propriedade privada, em suma, pelo mercado livre.
A partir do minuto 36: http://www.youtube.com/watch?v=3tx7ysw48Zs
"Mas enquanto a esquerda continuar a lamentar-se contra os governos e as maiorias parlamentares sem ligar patavina ao que se passa nas classes dominantes, estas podem respirar de alívio."
Meu caro, a esquerda continua a querer pegar no fio da meada do Possível. E esse possível é a democracia burguesa que herdámos, que permite alguma acção, já sabemos que errada, mas ajude-nos, iluminando, a entender o que é possível fazer aqui e agora, num quadro de alargamento do liberalismo, livre comércio, transnacionalização do capital ou o que lhe quiser chamar.
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