21/11/12

Sobre "a ideia de matar provisoriamente uma vizinha com quem embirro": excerto de um mail do João Bernardo ao signatário deste post comentando as actualidades nacionais…


…e podendo ser lido como resumo e balanço de muito do que continua a ser necessário dizer e repetir sobre o nacionalismo (contra-)revolucionário, a aposta na implosão da zona euro e na desagregação da UE, o irracionalismo vanguardista e o "ódio à democracia" — bem como a cumplicidade que encontra por parte de "belas almas" patrióticas de todos os matizes — que boa parte da "esquerda da esquerda" regional tem propagandeado, com destque, mas sem exclusivo, para a que pertence à área do PCP e dos seus "companheiros de jornada".

Penso que as pessoas não têm a mínima percepção de que um capitalismo de Estado pressupõe um quadro nacionalista, pelo menos a nível económico, com todas as inviabilidades e distorções que isso implica. E talvez de tanto ouvirem dizer que o Partido Comunista estava vendido aos soviéticos e era traidor à pátria ignorem que é o mais patriótico dos partidos portugueses, desonra lhe seja feita.

Enquanto isso, nas hostes dos indignados discute-se se é bom ou mau atirar pedradas aos polícias, parecendo-me a mim que uma maioria acha que é mau porque é contra o humanismo e o pacifismo. Ao mesmo tempo leio pessoas a escreverem que, com a carga policial de 14 de Novembro, vivemos em Portugal sob uma ditadura como a do Pinochet e que é preciso reclamar ao Provedor de Justiça. Aparentemente não se dão conta da contradição nos termos.

Entretanto, há dias li um comentador no Vias de Facto que propunha que abandonássemos provisoriamente o euro. Isso deu-me a ideia de matar provisoriamente uma vizinha com quem embirro. Depois se verá.

João Bernardo (20 de Novembro de 2012)

22 comentários:

Anónimo disse...

Como já foi dito muitas vezes neste blog, por mim e por outros nas caixas de comentários, e pelo Pedro Viana num ou noutro post, se a instituição que pode promover um alargamento de democracia é a União Europeia, e se a saída do Euro não implica a saída da União Europeia, não vejo como se está a matar a vizinha com quem embirramos.
A revolução russa, apesar do seu carácter nacional é geralmente bem acolhida nos meios anarquistas (claro que quando há o esmagamento dos sovietes é a "verdadeira" morte da revolução). Recordem-se que apesar de nacional, houve tentativas revolucionárias em vários outros países, incluindo na Alemanha, que foram esmagadas.

João Valente Aguiar disse...

O anónimo do comentário anterior conseguiu nacionalizar o que na época (1916-23) todos viram como um processo internacional e interligado de lutas... E a revolução russa só se nacionaliza quando decidem assinar Brest-Litovsk e deixar os operários alemães e húngaros sozinhos e quando o Lénine tem a "linda" ideia de deixar a Ucrânia às mãos do nacionalismo.

João Bernardo disse...

Será que as pessoas não sabem ler? Será que não é patente que eu estou ironizando não a tese da saída do euro sem abandonar a União Europeia, mas a noção de uma saída provisória do euro? Está escrito no título e no texto também: «provisoriamente». Como se diz na terra onde vivo, Minha Nossa!

Miguel Serras Pereira disse...

Sobre o comentário de Anónimo das 13 e 43

A sua posição parece-me ser a que referi num post anterior - ou seja daqueles "defensores da saída unilateral do euro, que não se pretendem anti-europeístas nem visam deliberadamente a desagregação da UE, mas subestimam gravemente os efeitos económicos e políticos das medidas soberanistas que propõem", medidas essas que equivalem a um primeiro passo na direcção proposta pelos nacionalistas "revolucionários" (PCP e outros), que têm por objectivo "uma mítica 'independência nacional' ou 'recuperação da soberania', que funciona como justificação dos seus projectos de poder hierárquico reciclado e a reconversões geoestratégicas favoráveis aos seus cálculos, implicando de facto a dependência — só que rebaptizada para o efeito como 'cooperação solidária' ou outra coisa do mesmo género - de potências emergentes e países creditados de 'anti-imperialismo', por se oporem aos Estados Unidos e à UE, apesar de governados por regimes que equivalem a formas agravadas de dominação classista". É por isso que, sem pôr em causa a sua boa-fé. lhe sugiro que pondere melhor o assunto.

msp

Anónimo disse...

JB: precisamente! Sendo a saída do euro e não da UE não se abandona a "plataforma" que mais interessa à internacionalização da luta.

João Bernardo disse...

Não se pode abandonar provisoriamente o euro. Quando se abandonar será de uma vez por todas. Foi sobre isso que eu fiz uma ironia, e não sobre outras coisas, mas ter de explicar duas vezes uma ironia é duro.

João Valente Aguiar disse...

A tese dos que querem a UE mas não o euro esquecem para que foi criado o Mercado Comum e as instituições políticas europeias: a unificação de um grande mercado europeu e a expansão das oportunidades de negócio. A UE é hoje instrumental - como sempre foi - para a expansão do mercado capitalista. Ora, se o pilar dessa construção ruir ou ficar debilitado essa unidade política não serve para nada.

Pedro Viana disse...

Caro JVA,

Juro que ainda não percebi o que realmente propõe que façamos, já nem digo a "Esquerda", mas simplesmente aqueles, como eu, que pretendem uma radical democratização das relações no seio duma sociedade. Porque aquilo que parece que o JVA defende é que nada façamos que possa "irritar" a Direita, a oligarquia reinante, porque eles podem-se mesmo "chatear" e dar "cabo de tudo" (leia-se UE, porque já não têm o euro). É-me estranho constatar que existem pessoas com quem pareço ter grande afinidade política em termos de objectivos político-sociais, defender que devemos "baixar a cabeça" perante quem efectivamente manda, porque "não é o melhor momento para fazer ondas". Peço desculpa, mas nunca haverá "um melhor momento para agitar o barco" exigindo um outro sistema de relações sociais. Está em curso uma ofensiva da oligarquia, que não vai parar, até porque o Capitalismo entrou numa fase clara de degenerescência, que acima de tudo tem a ver com o facto de estarmos a atingir os limites de exploração dos recursos naturais.

Parece-me claro que a mensagem de que o nacionalismo e o abandono do euro são um erro, defendida por pessoas como o JVA não tem tido eco em outras pessoas que se identificam como de Esquerda. Pelo contrário. E não é porque essas pessoas sejam fanáticas, imunes a qualquer opinião exterior ao seu "sistema de crenças", mas acima de tudo porque não lhes é apresentada nenhuma alternativa concreta e exequível de acção que tenha como horizonte a substituição do modelo Capitalista. É a este problema que tentei aludir nos meus posts anteriores sobre o tema. Não basta dizer não, não vão por aí, é preciso apresentar caminhos alternativos que tenham como possível destino final o mesmo: substituir o sistema Capitalista. É este desafio que deixo para sobre ele reflectirem.

Um abraço,

Pedro

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,
bem sei que o interpelado não sou eu - mas o JVA, se é que não é por lapso que o interpelas a ele e não ao João Bernardo -, mas gostaria de te dizer que não vejo porque é que a luta pela democratização de que falas e a luta em defesa dos direitos e liberdades ameaçados terá de passar pela reivindicação da saída unilateral do euro, em vez de se fazer em torno da renegociação da dívida, de resistência aos cortes, de reivindicações democráticas ao nível da UE, etc., etc.
Francamente, não vejo o que tem de democratizador a reivindicação da saída unilateral do euro nem em que é que essa saída a consumar-se reforçaria a capacidade de intervenção dos trabalhadores e da maioria dos cidadãos comuns - quer europeus, em geral, quer portugueses, em particular.
O cortejo de consequências previsíveis do isolamento soberanista de Portugal seria, pelo contrário, desastroso aqui e um passo em frente na via de uma balcanização da UE. Um governo militarizado, ainda que com a banca nacionalizada e um programa de salvação nacional populista, restringiria as liberdades políticas e sindicais, militarizaria a esfera da produção "estratégica" alegando necessidades de defesa, oporia todo o tipo de barreiras à acção e à participação independentes dos cidadãos na vida pública e "laboral", perseguiria como "traidores" e "contra-revolucionários" os que tentassem resistir-lhe, poria a questão nacional como uma mordaça sobre a questão social, e por aí fora. Tudo isto, sem dúvida, nos antípodas de qualquer projecto de democratização e de organização democrática das lutas defensivas que tanto tu como eu temos advogado desde o início desta aventura do Vias, e já antes disso.

Abraço para ti

miguel (sp)

João Valente Aguiar disse...

Pedro Viana,

onde é que eu disse que não devemos contestar a troika e as políticas de austeridade? Reducionista é querer fazer da luta contra a austeridade uma luta pela saída do euro, como se fora do euro a austeridade não viesse a ser bem pior...

Estes tempos são terríveis pois às medidas absolutamente vergonhosas e criminosas da troika e do governo, a esquerda que se diz revolucionária apresenta uma alternativa ainda pior e ainda mais nociva. Por mim reitero que se deve continuar a lutar incansavelmente (e num quadro europeu e sem cair na armadilha dos gregos e dos portugueses contra os alemães, etc.) contra estas medidas de austeridade e, ao mesmo tempo, não abraçar o caminho do abismo que outros prometem. Até lá novas reais alternativas e provenientes, essas sim, do verdadeiro interesse colectivo democrático dos trabalhadores surgirão. Sempre foi assim e pelos vistos assim continuará.

Entre dois males recuso-me a escolher entre o mau e o pior.

Abraço

Miguel Serras Pereira disse...

João, inteiramente de acordo. E, depois de ler estas tuas linhas, eu acrescentaria ainda que recusar a possibilidade ou o acerto de lutar no quadro europeu, e reclamar, a pretexto de que este é governado pela oligarquia austeritária, acaba por corresponder a uma manobra de diversão - e divisão, já agora - na luta contra as raízes e as causas chamada "austeridade" neoliberal.

Abraço

miguel

Fernando disse...

Partindo do simples e concreto comentário do Pedro Viana coloquemos as coisas como elas são na realidade e no primeiro da fila na crise: a Grécia. A posição que neste blog se defende resume-se ao programa mínimo que reivindica a mais de dezena de partidos gregos que integra o Syriza. O Syriza efectivamente ganhará eleições, que acontecerão mais cedo do que se pensa, dado que os cofres estão vazios e a tranche de 30 mil milhões não aterrou ainda na Grécia e a situação continua cada vez mais explosiva. Eu quero saber qual será a vossa tomada de posição quando o Syriza rasgar o memorando (e for por isso convidado a sair do euro) ou exigir a renegociação e esta lhe for negada. Não sobrarão mais que duas posições, caso nada aconteça: (1) sair do euro pelo próprio pé (e talvez da UE, o que curiosamente convergiria com o desejo do KKE) ou (2) acartar com mais austeridade para poder aceder a mais crédito da UE, o que inviabiliza qualquer cumprimento do tal programa mínimo que une os integrantes do Syriza, sendo para isso até preferível abandonar o governo e chamar um grupo tecnocrático para gerir o país.

Há uma terceira posição, que é uma falsa posição dada a relação de forças a nível institucional dentro da UE: a reivindicação de mais coesão, que se distribua o fardo da dívida (no fundo resume-se à primeira posição, de chantagem perante os países credores para conseguir uma vantajosa). A realidade é que a UE é hoje maioritariamente governada por partidos de direita, que não lutam propriamente por maior integração nem veriam qualquer vantagem em continuar a salvar a Grécia, quando manifestamente a austeridade não funciona.

Atentem numa coisa simples: se o fardo da dívida grega se repartir pela Europa por igual ("eurobonds" ou o que quiserem chamar ao que aparentemente é uma solução de esquerda a curto-prazo), o nacionalismo que já existe a Norte tornar-se-á ainda mais agressivo e debilitará ainda mais a união da classe trabalhadora, precisamente porque não existe noção de classe trabalhadora coisa nenhuma. E esta constatação faz-se apesar de também eu reconhecer que o "orgulhosamente sós" é um caminho penoso a evitar.

Miguel Serras Pereira disse...

Fernando,
as relações de força não são estáticas: não está dito que, por exemplo, o Syriza seja expulso do euro no caso de travar a batalha - e isso será ainda mais difícil se as suas posições forem secundadas noutros países da UE… Os "governos de direita" ou "austeritários" podem ser obrigados a recuar, e é isso que devemos tentar obrigá-los a fazer - em vez de tentar fugir para o isolamento de uma "independência nacional" mítica que só poderá servir de disfarce ideológico ao regime autoritário e militarizado com que alguns sonham como primeiro passo para a implosão da UE e para uma situação de emergência que, a coberto da "salvação nacional", lhes permita negociar uma participação - como capatazes da força de trabalho - na nova ordem.
Se os trabalhadores e, na realidade, a grande maioria dos homens e mulheres comuns que são os cidadãos da zona euro e da UE não conseguirem defender a esse nível os seus direitos e criar condições para o avanço de uma democratização efectiva na Europa, tanto a defesa dos direitos e liberdades ameaçados como quaisquer perspectivas de democratização se veriam ainda mais dificultadas com a balcanização, os conflitos entre nações, os regimes de emergência que a desagregação da UE acarretaria.
Ou seja, e como escrevi esta manhã na caixa de comentários de um post no 5dias, respondendo a alguém que nos acusava, ao JVA e a mim, de anticomunismo e sabe-se lá que mais ainda:'O João Valente Aguiar e o Miguel Serras Pereira – entre outros – não defendem o euro coisa nenhuma. Entendem que a luta em defesa dos direitos dos trabalhadores e da enorme maioria dos cidadãos portugueses – bem como por essa democratização radical das relações de produção e poder que uma “terra sem amos”, “sem césares e sem tribunos”, pressupõe – deve ser travada para além do quadro nacional, rompendo as fronteiras do Estado-nação e da sua soberania, e ao lado dos trabalhadores e da enorme maioria dos cidadãos europeus. Entendem também que a “nacionalização” das lutas em termos do reforço da soberania de cada Estado da zona euro e da UE é um beco sem saída – ou, pior, uma via que abre caminho à balcanização, à militarização e a soluções de tipo fascista, seja qual for a cor de que se pintem. É este entendimento comum – que, de resto, o JVA formularia provavelmente noutros termos, mantendo-o, todavia, no essencial – que ambos e outros partilham e tem pautado as suas intervenções sobre a questão' (http://5dias.net/2012/11/21/o-euro-e-as-colonias-por-pedro-lains/comment-page-1/#comment-474031).

Saudações democráticas

msp


Pedro Viana disse...

Caros JVA e MSP,

O Fernando toca com o seu comentário no problema fundamental das vossas posições. Não são simplesmente sustentáveis face à realidade. Uma (re-)negociação implica disponibilidade das partes envolvidas para cedências mútuas, o que habitualmente quer dizer que cada uma das partes tem algo que a outra pretende e/ou então que tem capacidade de induzir danos na outra parte. Ora, parece evidente que a "troika" não está disponível para negociar, o que decorre de nós não termos nada de relevante para oferecer em troca nem sermos uma ameaça para o sistema (o que é ainda mais claro quando publicamente se rejeita liminarmente a possibilidade de saída da zona euro e/ou suspensão ou anulação do serviço de dívida, nem bluff somos capazes de fazer...). Portanto, afirmar que a via a seguir é a da (re-)negociação do memorando de entendimento com a "troika" é uma mistificação (tal como o é esperar que a relação de forças mude a curto-médio prazo na UE, no longo-prazo muito já estarão mortos...). Mesmo que alguém acredite nessa via, não pode, repito não pode, recusar-se a colocar a hipótese dessa (re-)negociação falhar devido à indisponibilidade da "troika" em ceder o suficiente relativamente ao que anda a exigir. E para alguém de Esquerda, o suficiente é na verdade muito! E se a (re-)negociação falhar, como é obviamente o mais provável? Engolimos em seco, aceitamos de cabeça baixa? Desculpem, mas não acho que tal seja admissível. Tal representa exactamente o oposto da defesa da democracia e da autonomia perante a oligarquia e a subjugação. Não tenho dúvida alguma que nessa situação defenderia o Não! Defenderia a recusa da continuação da implementação do memorando de entendimento, sabendo que a consequência seria o corte no financiamento externo do estado e economia portugueses. Só pode ser assim. Não se pode entrar numa negociação admitindo à partida que o que quer que seja que a outra parte queira, será aceite. Seria absurdo. Ora, é óbvio que o corte no financiamento externo do estado e economia portugueses teria um efeito devastador nos bancos que operam maioritariamente em Portugal, que em termos de consequências directas seriam ainda mais afectados que o estado português, o qual tem ou está perto de ter um superavit nas contas públicas se excluirmos o serviço de dívida. A inevitável falência desses bancos exigiria um esforço financeiro tal do estado português, que este só poderia ser efectuado com recurso à emissão duma nova moeda. Não sei se este passo exigiria a saída de Portugal da zona euro, nunca vi uma resposta a esta questão. Parece-me é óbvio que qualquer que seja a resposta, tal não implicaria a saída de Portugal da UE, podendo constituir-se no seu seio como exemplo a seguir na resistência à oligarquia no poder a nível europeu.

(cont.)

Pedro Viana disse...

(cont.)

Finalmente, desculpem-me mas defender ao mesmo tempo que se deve "(...)lutar incansavelmente (...) contra estas medidas de austeridade(...)" e recusar a possibilidade de saída de Portugal da zona euro é uma impossibilidade lógica. Vamos lá repetir: (1) lutar incansavelmente contra estas medidas de austeridade implica necessariamente um desejo de acabar com tais medidas; (2) se o governo português assim o decidir, a troika corta o financiamento; (3) acontecendo tal é inevitável a emissão de moeda própria, e ficamos mais perto da saída da zona euro. Ou seja não se pode defender (1) sem admitir como aceitável (3). Achar que a luta pode ter efeitos a nível europeu, em particular a curto-médio prazo, levando a que seja a própria troika a recuar nas suas exigências austeritárias é completamente irrealista, tendo em conta a relação de forças e a efectiva falta de solidariedade entre a maioria dos cidadãos europeus. Aliás, a própria luta, seja ela de cariz mais nacional ou europeu, gerará instabilidade, a qual tornará a maioria dos cidadãos dos países mais ricos ainda mais defensivos, isolacionistas, e menos solidários (nomeadamente, porque culparão "os outros" pela instabilidade que os afecta).

Quanto às "(...)novas reais alternativas(...), elas existem. Não faltam. O que não são é exequíveis no actual contexto europeu, ou em qualquer outro minimamente provável a curto-médio prazo. Não podemos esperar mais tempo. Temos de tomar o nosso destino em mãos, e construí-lo o melhor que podermos, sem subserviência a quem quer que seja.

Um abraço,

Pedro

Anónimo disse...

Ouvi há coisa de uma hora o António Costa na sic notícias defender a renegociação do memorando, o que me deixou boquiaberto. Depois de provocado por Lobo Xavier ("não acredito que você se refira à mesma renegociação de António José Seguro"), António Costa lá sorriu, disse que a Alemanha terá eleições em Outubro do ano que vem, e por essa época todos seremos keynesianistas na Europa. Certamente a classe trabalhadora terá, no imediato, mais a ganhar com essa solução do que com uma outra que vocês insistem de chamar "nacionalista". Mas acredito que estaremos, nós, trabalhdores europeus, comparativamente à turbulência de hoje e o imprevisível de amanhã, mais longe de ver a Europa rumar ao socialismo.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,

o meu "Não!" perante a política de austeridade num cenário como o que sugeres não seria, espero, menos decidido do que o teu. Mas não reclamaria a saída unilateral do euro. Se a "expulsão" do euro fosse brandida como ameaça de retaliação, teria de ser denunciada e combatida, procurando a solidariedade de outros cidadãos europeus.E nunca aceite de livre vontade, ou, pior ainda, secundada por nós. Quando partimos para a luta, não podemos estar certos dos resultados, mas convém sabermos para onde queremos ir e estar dispostos a agir em consequência.

Abraço

miguel (sp)

Miguel Serras Pereira disse...

Anónimo (das 00.51)

Você escreve: " Certamente a classe trabalhadora terá, no imediato, mais a ganhar com essa solução do que com uma outra que vocês insistem de chamar "nacionalista". Mas acredito que estaremos, nós, trabalhdores europeus, comparativamente à turbulência de hoje e o imprevisível de amanhã, mais longe de ver a Europa rumar ao socialismo". Ora, parece-me que seria difícil exprimir mais claramente a política do "quanto pior, melhor" - ou do "venha o fascismo, porque será o primeiro passo para a revolução". O mérito do seu comentário é a honestidade: você aposta claramente no pior como via de transição para o óptimo; na degradação das condições de existência dos trabalhadores e do conjunto dos cidadãos como aguilhão que os fará avançar rumo ao socialismo. Mas que "socialismo" seria esse, do qual a defesa das conquistas históricas e a melhoria das condições imediatas nos afastariam?

msp

Pedro Viana disse...

Caro Miguel,

Então estamos essencialmente de acordo. Mas nota que esse "Não!" teria consequências imediatas e inescapáveis: fim do financiamento do Estado, bancos e empresas portuguesas por parte de capitais externos; falência dos bancos por incapacidade de cumprir o pagamento das suas dívidas, em particular ao exterior; nacionalização dos bancos e controlo estatal da circulação da moeda existente em Portugal (acesso limitado a contas bancárias). Isto é certo. Agora, seria mesmo necessário criar uma nova moeda? Seriamos em consequência obrigados a sair da zona euro ? Isto é o que eu gostaria de ver discutido. Mas só vejo pessoas a afirmar que a saída da zona euro é algo desejável, e outras a afirmar que nem pensar. E, francamente, se a primeira posição parece-me por princípio ter a sua lógica (com a qual podemos argumentar), acho que a segunda posição é ilógica vindo de alguém que se diz contra a política austeritária da troika, e que se pudesse amanhã esavaziava os gabinetes da troika em Lisboa, porque a consequência mais provável disso seria ver-se rapidamente numa situação em que teria de ponderar seriamente a emissão de nova moeda, com as consequências daí decorrentes a nível da inserção na zona euro.

Um abraço,

Pedro

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,
há coisas que não percebo bem na tua posição. Ou será da maneira como as formulas.
Para mim, combater a austeridade, e defender as liberdades e os direitos, numa perspectiva que terá de ser sempre de "mais democracia para a Europa" e "mais Europa para mais democracia", passa por recusar, perante uma eventual ameaça de "expulsão do euro", essa chantagem do "ou fazem o que dizemos, ou saem do euro". Recusá-la é não sair pelo próprio pé, denunciá-la, mobilizar contra ela a grande maioria dos cidadãos europeus, que todos têm a sofrer com o actual "austeritarismo". Não consigo ser mais claro, e, se concordas, tanto melhor. Só que, então, não compreendo porque é que declaras a impossibilidade de alterar a situação, as relações de força "sociais", na Europa, e pareces pensar que isso já se torna possível numa região portuguesa isolada. Apesar de tudo, não foram os governantes alemães e menos ainda os eleitores alemães que escolheram Passos Coelho, ou antes Sócrates… Se pensas que, apesar de, neste momento, segundo as sondagens, no caso de haver eleições, o Bloco Central continuaria a receber a maioria dos sufrágios, a situação não é inalterável em Portugal, porque terá de ser inalterável - excepto no longo prazo - nos restantes países da zona euro e da UE? A verdade é que, quanto mais se degradar a situação na Europa - que se manifesta nas tendências nacionalistas, tanto a Norte como a Sul, a reafirmação dos direitos de soberania de cada Estado-nação, a generalização das perspectivas do "cada um por si" e do "interesse nacional", etc., etc. - piores serão para os cidadãos portugueses e, já agora, mais ou menos directamente, para os de todo o mundo, as condições de existência e as das tarefas da democratização (no sentido pleno em que ambos usamos este termo).

Abraço para ti

miguel



Pedro Viana disse...

Olá Miguel,

É simples. A degradação da situação sócio-económica em Portugal é muito mais extensa do que nos Estados da UE com poder suficiente para alterar as exigências da "troika" (i.e. basicamente a Alemanha). É só devido a tal degradação que há perspectiva de alteração da correlação de forças em Portugal. De outro modo não haveria apoio social significativo para essa alteração. Numa situação de relativa estabilidade social (como a que existia antes de 2009), as pessoas são, na sua grande maioria, conservadoras (em particular após os 30 anos) no que concerne a alterações significativas das relações sócio-económicas, devido ao medo de perderam o que adquiriram entretanto.

Portanto, acho que é irrealista pensar que o governo Alemão, mesmo que o SPD chegue ao Poder, vá alterar de modo significativo a política austeritária que tem imposto (por via de outros) aos "PIGS" no curto ou médio prazo. Acho que não podemos simplesmente esperar por eles. Se o fizermos teremos uma sociedade destruída. Se não esperarmos por eles até pode ser que o resultado seja pior, mas também há possibilidade de assim não acontecer. E há o exemplo da Islândia para nos lembrar do que é possível.

Um abraço,

Pedro

Miguel Serras Pereira disse...

Viva, Pedro.
Duas ou três objecções que me ocorrem ao que dizes agora.
Não me parece que a degradação das condições seja um quadro favorável à democratização. Não encaro a pauperização ou a miséria como condições privilegiadas para a superação do capitalismo. Se apostarmos que só a degradação da situação abre caminho a alternativas de emancipação e autonomia, corremos o risco de abrir caminho a formas de reciclagem e absolutização do poder classista.
Por outro lado, a luta que considero necessária passa menos pelos combates eleitorais do que pareces supor. Passa mais pelo investimento político do terreno social, pela (re)politização explícita da esfera económica, através da acção directa e da auto-organização dos trabalhadores e cidadãos, começando por transformar o regime das lutas, do que por programas de governo, ainda que ambiciosos, que contribuam para reforçar o princípio hierárquico das actuais divisão do trabalho política e divisão política do trabalho, ou a distinção estrutural e permanente entre governantes e governados. E creio, por fim, que, nesta perspectiva, a "europeização" das lutas, a "exportação" dos conflitos, é tanto uma exigência de fundo da racionalidade democrática radical como uma opção pragmática mais sensata.

Renovado abraço

miguel(sp)