29/05/14

Jorge Bateira pede meças a Marine Le Pen

Leiam as declarações de Marine Le Pen, que estipula, contra a ameaça de uma Europa federal, a frente comum dos "patriotas de esquerda" e dos "patriotas de direita, transcritas neste retrato seu publicado pelo Nouvel Obs; comparem-nas com as de Jorge Bateira nesta sua crónica,  e, por fim, se não tiverem outro passatempo mais divertido, tentem responder à seguinte pergunta: Qual dos dois é mais de "esquerda" — e qual dos dois é mais "patriota"? A "deles" ou o "nosso"?

10 comentários:

João Valente Aguiar disse...

Eu acho piada à neutralidade semântica e discursiva com que esse senhor aborda o resultado da da Frente Nacional. Aliás, o regozijo dele com os resultados eleitorais não estão ali escondidos e quase não há as referências rituais contra o crescimento da extrema-direita com que, por exemplo, o PCP procura obscurecer as suas semelhanças programáticas. Das larachas à estratégia federalista de que fala esta esquerda à "hidra europeísta" de Marine Le Pen, o leitor que consiga ver as diferenças.

É igualmente desconcertante como o registo de felicidade com os resultados anti-europeus são transversais a diferentes espectros do campo político. Tanto a esquerda nacionalista como a extrema-direita fazem da Europa e da integração europeia o seu principal inimigo. Se se preferir ver a coisa de um modo ligeiramente distinto, repare-se como as teses de Marine Le Pen de que a França seria o coração da Europa convergem com as teses contra a "germanização da UE". O autor parece até lamentar que o sistema eleitoral francês impeça o avanço da Frente Nacional pela "dissolução da UE".

Para terminar esta parte mais directamente dirigida à análise das implicações políticas do texto de Jorge Bateira, repare-se ainda que nunca o autor menciona sequer a esquerda em França, dando a entender que naquele país a luta é entre o projecto de "germanização da UE" protagonizado pelas "várias famílias federalistas" e a "dissolução da UE" encabeçada por Marine Le Pen.

Ora, isto é interessante por dois motivos. Por um lado, a análise à extrema-direita é feita num tal tom neutral e puramente táctica que despolitiza qualquer eventual crítica a esta corrente, o que lhe permite focar precisamente a partilha de posições, especificamente no que diz respeito à tal "dissolução da UE" que estaria a caminho. É que já nem há pejo em assumir que há mais em comum com o projecto da extrema-direita de "dissolução da UE" do que com o inimigo comum do "federalismo". Espanta-me como ainda exista quem à esquerda pense que é possível fazer alianças com intelectuais de esquerda que abordam a extrema-direita da maneira mais neutral possível, como se fosse um mero passo táctico contra um inimigo maior. No caso, o tal federalismo.
(cont.)

João Valente Aguiar disse...

(continuação)

Por outro lado, falar em "germanização da UE" só serve para transformar o que é inerente a um domínio social numa particularidade territorial e geográfica. Ou seja, o que ocorre hoje na Europa (por exemplo, a austeridade) tem tudo a ver com as respostas que os gestores europeus querem dar à crise económica e financeira (colocando os custos da crise em cima da população trabalhadora de todo o continente) e não com uma qualquer acção específica de um país. Se houvesse um mínimo de racionalidade nas avaliações e de perspectiva histórica, estes opinadores veriam que, afinal de contas, os tecnocratas alemães até se viram obrigados pelos seus restantes "camaradas" europeus a concordar em, por exemplo, não deixar a Grécia sair do euro. É ver as declarações dos responsáveis do Bundesbank e da própria Merkel até meados de 2012 e compará-las com as declarações subsequentes. Se há alguém que tem feito compromissos com a restante tecnocracia europeia foram os gestores alemães. A esmagadora maioria destes gestores aparenta por isso uma certa lucidez (para a prossecução dos seus interesses, claro está) e percebeu que a solução para as crises no capitalismo implicam o forjar das mesmas relações sociais num espectro geográfico e socioeconómico sempre mais vasto e num quadro institucional mais integrado. É isto a mais-valia relativa. Pelo contrário, a minoria mais nacionalista dos gestores alemães - e que comungam as teses da saída do euro - formaram o partido AfD. Em suma, tanto nas respostas à crise económica como nas reconfigurações dos gestores não houve nada de especificamente germânico mas algo de profundamente específico e inerente aos processos de reorganização capitalista.

Como última nota. Acho curioso que Jorge Bateira rejubile com o "tiro no coração do federalismo" e já abra garrafas de champanhe a comemorar o fim do projecto europeu. E isto por causa de umas meras eleições. Ora, os processos de produção das políticas económicas nas sociedades capitalistas avançadas não ocorrem nesse plano mas no interior de uma tecnocracia que se tem mostrado solidamente unida e com a consagração de novos consensos relativamente ao euro e à integração europeia, como mencionei acima. Daí que seja risível a festarola pelo "tiro no coração do federalismo" no mesmo momento em que a união bancária se prepara para ser aplicada, precisamente o passo imediato no prosseguimento da integração europeia. O mundo vai numa direcção e certa esquerda pensa que vai noutra.

Sérgio Martins disse...

O voto da FN foi maioritário entre as classes baixas. Mas também é nas classes baixas que existe maior abstenção. Não é líquido que o voto PC passe assim para a FN e não para a abstenção.

Parte do discurso pode ser o mesmo. Parte do discurso até pode favorecer o discurso fascista.
Mas os objectivos não são os mesmos.

O grande problema é que a vosso europeísmo também é um beco sem saída. A federalização da UE resultaria num fortíssimo estado neo-liberal em que os países e povos mais pequenos não teriam qualquer força. Desde logo porque a posição das classes baixas e dos trabalhadores da Alemanha situam-se em interesses opostos aos dos portugueses.

Engano. Os gestores europeus querem dar resposta à crise económica e financeira carregando nos países periféricos, Os países centrais têm os seus interesses económicos noutras partes do mundo. O que a população trabalhadora da Alemanha tem passado não é nada comparada com os periféricos. Não há interesses de classe comuns.

E é abusivo concluir que JBateira está a aplaudir a FN. Apenas analisa que o federalismo foi derrotado por 3 campos na esquerda, direita e abstenção. E também remata que se espera por uma alternativa convincente e não dizendo que não é de esquerda ou direita, depreende-se que é de esquerda e não FN como é aqui adulterado.

João Valente Aguiar disse...

Então Jorge Bateira não menciona uma alternativa de esquerda neste texto e depreende-se que a alternativa é... de esquerda quando o texto todo andou a abordar a extrema-direita de modo neutral, como se fosse uma corrente como qualquer outra?

Sobre a passagem de votantes do PCF e secundariamente do PSF para a FN existe documentação sobre o assunto. Ao mesmo tempo, leia-se o excerto de um texto do colectivo Passa Palavra citado por mim aí há dias neste mesmo blog. Tem lá vários exemplos históricos de passagem de temas, pessoas e práticas entre a esquerda e a extrema-direita, onde a direcção foi sempre a mesma.

Sobre o federalismo. Nem sei que diga sobre isso, já que grande parte da esquerda que chora contra qualquer forma de integração supranacional convenientemente nunca comenta o autoritarismo de um outro Estado federal e que foi construído na base da guerra, da invasão e do genocídio: a Federação Russa. Ou seja, o federalismo só incomoda os nacionalistas quando é feito pelas democracias europeias. Se for concretizado por um Estado que nem sequer alguma vez conheceu traços que fossem de uma democracia liberal, nem um pio. Ao mesmo tempo, uma federalização europeia contempla uma expansão dos mecanismos políticos liberais existentes. São certamente imperfeitos e criticáveis num sem-número de aspectos. Mas a vantagem é que não assentam na expansão de aparelhos militares, policiais e burocráticos muito maiores, que seria precisamente o que aconteceria se um país periférico saísse do euro (http://passapalavra.info/2012/12/67887). É de realçar a bonomia com que certa esquerda e a extrema-direita tratam o Estado autoritário de Putin.

Ainda sobre o tema do federalismo, ninguém aqui defende a federalização mas ela é preferível à acentuação dos nacionalismos na Europa. É bem diferente. Tanto por causa do estatismo associado - que seria, aliás, muito pior do que os nacionalistas acusam a um Estado federal europeu - como nos impactos ideológicos junto dos trabalhadores.

Um último ponto. O longo processo histórico de federalização continua a avançar. A união bancária hoje, a unificação orçamental e fiscal para daqui a uns anos. Ora, eu prefiro que a esquerda pense a partir desse quadro objectivo e contraponha um projecto transnacional e europeu do que andar a iludir-se e a iludir os outros, como se fosse possível numa economia capitalista global voltar décadas atrás.

A esquerda que até um passado recente se notabilizou por lutar contra a nação, é hoje em vários países periféricos a principal difusora do nacionalismo.

Sérgio Martins disse...

O federalismo não vai avançar. Num espaço de 5 a 10 anos é muito provavel a implosão do euro e do centrão político. A Europa não conseguirá garantir o bem estar social em todos os seus territórios. A Europa é disfuncional, entre um bloco central liderado pela Alemanha e um bloco periférico (incluindo a França). O bloco central tem interesses económicos antagónicos com o bloco periférico e já nem precisa deste porque tem alargado a sua esfera de negócios para outras latitudes. Manter a fé numa luta transnacional dos trabalhadores (que eu defendo como principio mais favorável) na prática apenas é defender o aprofundamento de uma integração europeia que implicaria um retrocesso gigantesco economico e social do bloco da periferia. Esta seria uma condição do bloco central para podermos continuar atrelados a ele.

David da Bernarda disse...

Modestamente acho mais relevante que toda esta discussão:

«É um dos encontros mais exclusivos do mundo e continua a alimentar um semissecretismo. Só a elite é convidada a entrar. Dos 73 portugueses que participaram, 51 foram (ou são) ministros ou secretários de Estado, 12 foram líderes partidários, cinco foram primeiros-ministros e um foi presidente da República.»
http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=3944724

Blogs como o Vias de Facto podiam publicar a lista dos portugueses do Bilderberg (o que o DN fez hoje)para dar conhecer uma das listas dos homens de mão das máfias do capitalismo global. Mais importante do que os resultados eleitorais, a FN, o crescimento do «nacionalismo» ou o que pensa o Srº Bateira é quem são os donos do Poder global e seus lacaios locais..

João Valente Aguiar disse...

David da Bernarda,

A coesão da classe dominante não se resume a um mero encontro anual. A coesão de uma classe não decorre de uma perspectiva moralista/criminal mas da profusão e articulação de instituições: BCE, BIS, OMC, EIR, etc.

A classe dominante não é apenas o que nalguns espaços se começou a chamar de 1% mais ricos, ou menos. A classe dominante compreende muito mais membros e o que lhe permite ser extremamente eficaz é ser capaz de articular instituições como o Estado, as empresas, ONG's, sindicatos, partidos e movimentos. Ora, os gestores são bem-sucedidos quanto mais capazes são de manter níveis de concorrência e fricção entre aquelas instituições e evitar que elas se fagocitem umas às outras. E tudo isto sem terem de necessitar de uma autoridade central que determinaria as suas orientações para o conjunto da sociedade. É porque a classe dos gestores é plástica e integra a direcção de um sem-número de instituições que ela pode, por um lado, captar e recuperar as lutas sociais e, por outro, manter um dinamismo que permita que em cada canto de esquina, em cada espaço do globo terrestre que expandam as relações de extracção de valor.

Por último, achar que o nacionalismo não tem importância nenhuma no actual contexto político é-tão simplesmente ignorar uma das mais poderosas armas que tem impedido a articulação das lutas sociais. E que tem conseguido colocar milhões e milhões de trabalhadores num processo de concorrência directa por postos de trabalho e num processo político que, durante os últimos 200 anos, tem sempre detonado manifestações de ódio nacional.

Sérgio Martins,

a federalização vai avançar não porque eu ou você queira, mas porque essa aparenta ser a realidade objectiva. Por exemplo, a união bancária no imediato e as declarações dos mais importantes tecnocratas europeus (http://passapalavra.info/2013/11/88757; http://passapalavra.info/2013/12/89124; http://passapalavra.info/2013/12/89347). Por isso eu prefiro avaliar as coisas a partir de como a realidade se vai apresentando e não a partir do que eu gostaria que ela fosse ou não. Nesse sentido, eu só posso avaliar a partir do que existe ou aparenta existir.

David da Bernarda disse...

Como todo o bom marxista João Valente Aguiar desvaloriza a questão do Poder e tudo se decide na instância económica empresarial. A realidade é que essas instituições de que fala (BCE, BIS, OMC, EIR, etc.) são tal como os governos e parlamentos nacionais, geridos a partir de fora por uma elite do grande capital global. Grupos como o de Bilderberg, não sendo o único, são determinantes para entender o presente, e o futuro, que nos preparam pois hoje já não é a ITT ou a General Motors que decidem os destinos da economia e da política capitalista. Os tempos em que Erwin Wilson, da GM, dizia: “O que é bom para a General Motors é bom para os Estados Unidos, e vice-versa” já passaram. A globalização gerou núcleos duros de poder mundial oculto que articulam os interesses económicos e políticos das classes dominantes de todos os países.

Sérgio Martins disse...

A realidade objectiva do avanço do federalismo europeu sofreu um forte safanão nas últimas eleições. E sofrerá mais nos próximos anos e terminará num prazo de 5 a 10 anos. As contradições do euro e do federalismo vão-se agudizar, assim como as agonias da periferia e os egocentrismos do centro.

Anónimo disse...

Se olharmos para os fins que se quer atingir, não é possível distinguir um social-democrata radical, de um socialista, de um comunista ou de um anarquista: todos queremos uma sociedade sem classes, à escala global, de produtores e consumidores associados. Os fascistas não entram nesta lógica, por muito que queiramos, pois a nação unida pela pureza da raça é um fim em si mesmo.

Se olharmos para as coisas a curto prazo, então também não conseguimos distinguir uma grande parte dos chamados neoliberais de grande parte dos que escrevem no vias de facto pois ambos defendem a fuga em frente: uma maior integração europeia.