Como acho que quem quer o mais quer o menos, embora sem nutrir ilusões sobre a democraticidade dos regimes representativos nem abandonar a participação igualitária nas decisões como critério da única democracia por que vale a pena lutar, julgo que, em princípio, o voto , ainda que em branco, nas próximas eleições europeias é preferível à abstenção. Num período de ofensiva oligárquica contra os direitos e liberdades constitucionais e de consolidação dos dispositivos económicos e políticos de exploração e expropriação dos cidadãos comuns, não parece aconselhável desprezarmos por completo as garantias defensivas — por insuficientes que sejam — do controle eleitoral dos governos e do sufrágio universal.
Mas julgo também dever introduzir uma reserva neste meu apelo ao voto. Com efeito, a utilidade que lhe atribuo será anulada ou inverter-se-á no seu contrário se o voto servir para reforçar a posição daqueles, nomeadamente o PSD/CDS e o PS, que, a pretexto da defesa da UE, têm vindo com as políticas austeritárias dos últimos anos, e desde muito antes delas, a defender a política que agora encontra expressão condensada e privilegiada num Tratado Orçamental, que, como escreve Alfredo Barroso, “implica necessariamente uma forma de austeridade perpétua, sobretudo para os países periféricos da União Europeia, aumenta acentuadamente o risco de explosão da Zona Euro e conduz inevitavelmente a uma retração brutal da democracia na Europa, que pode ser mortal, ao agravar impiedosamente o défice democrático de que sofre há décadas a União Europeia”.
Do mesmo modo, e segundo a mesma lógica, será preferível, apesar de tudo, a abstenção ao voto no PCP, que aposta directa e completamente na desagregação da União Europeia, na "explosão da Zona Euro", em alinhamentos geoestratégicos monstruosos e que recusa o federalismo como horizonte e via da democratização, em termos que correspondem à "nacionalização" da austeridade, ainda que à custa do seu reforço e peso sobre a grande maioria dos cidadãos portugueses. Votar no PCP — ou, para o efeito, na extrema-esquerda "anti-europeísta" — é simplesmente optar por uma via alternativa e mais musculada em todos os males que Alfredo Barroso denuncia: perpetuação da austeridade, explosão da Zona Euro, "retracção brutal", senão "mortal" das liberdades e direitos democráticos na Europa e no mundo.
9 comentários:
És tu o criminoso, ó Povo, já que és tu o Soberano. És, é verdade, o criminoso inconsciente e ingénuo. Votas e não vês que és vítima de ti mesmo.
Contudo, não reparaste ainda por experiência própria que os deputados, que prometem defender-te, como todos os governos do mundo presente e passado, são mentirosos e impotentes?
Sabe-lo e queixas-te disso! Sabe-lo e nomeia-los! Os governantes, quaisquer que sejam, trabalharam, trabalham e trabalharão pelos seus interesses, pelos das suas castas e das suas súcias.
Onde foi e como poderia ser de maneira diferente? Os governados são subalternos e explorados: conheces algum que o não seja?
Enquanto não tiveres compreendido que só a ti cabe produzir e viver à tua maneira, enquanto suportares – por medo – e fabricares – por crença na autoridade necessária – chefes e directores, fica também a sabê-lo, os teus delegados e os teus amos viverão do teu labor e da tua patetice. Queixas-te de tudo! Mas não és tu o autor das mil chagas que te devoram?
Queixas-te da polícia, do exército, da justiça, das casernas, das prisões, das administrações, das leis, dos ministros, do governo, dos financeiros, dos especuladores, dos funcionários, dos patrões, dos padres, dos proprietários, dos salários, dos desempregados, do parlamento, dos impostos, dos fiscais da alfândega, dos possuidores de rendimentos, da carestia dos víveres, das rendas dos prédios rústicos e urbanos, dos longos dias de trabalho na oficina e na fábrica, da magra ração, das privações sem conta e da massa infinita das iniquidades sociais.
Queixas-te, mas queres a manutenção do sistema em que vegetas. Revoltas-te, por vezes, mas para recomeçar sempre no mesmo. És tu que produzes tudo, que lavras e semeias, que forjas e teces, que amassas e transformas, que constróis e fabricas, que alimentas e fecundas!legalizas com os teus boletins de voto – e que nos impões com a tua imbecilidade.
Porque não consomes até à saciedade?
Porque és tu o mal vestido, o mal alimentado, o mal abrigado? Sim, porque és o Zé Ninguém sem pão, sem sapatos, sem morada? Porque não és o senhor de ti mesmo? Porque te curvas, obedeces, serves? Porque és tu o inferior, o humilhado, o ofendido, o servidor, o escravo?
Elaboras tudo e nada possuis? Tudo é por ti e tu nada és.
Engano-me. És o eleitor, o maníaco do voto, o que aceita o que é; o que, pelo boletim de voto, sanciona todas as misérias; o que, ao votar, consagra todas as suas servidões.
És o criado voluntário, o doméstico amável, o lacaio, o serviçal, o cão que lambe o chicote, que rasteja diante do pulso teso do dono. És o chui, o carcereiro e o bufo. És o bom soldado, o guardaportão modelo, o locatário benévolo. És o empregado fiel, o servidor dedicado, o camponês sóbrio, o operário resignado com a sua própria escravatura. És o carrasco de ti mesmo. De que te queixas?
És um perigo para nós, homens livres, para nós, anarquistas. És um perigo de igual modo que os tiranos, os senhores que crias para ti próprio, que nomeias, que apoias, que alimentas, que proteges com as tuas baionetas, que defendes com a tua força de bruto, que exaltas com a tua ignorância, que
És bem o Soberano que bajulam e levam à certa. Os discursos lisonjeiam-te.vota bem!
Os cartazes prendem-te a atenção; gostas das parvoíces e que te façam a corte: satisfaz-te, enquanto aguardas que te fuzilem nas colónias, te massacrem nas fronteiras, à sombra ensanguentada da tua bandeira.
O CRIMINOSO É O ELEITOR!Albert Libertad, Proclamação do jornal “L´anarchie”, Março de 1906
Estranha concepção de democracia, apelar ao voto desde que o voto não seja em XPTO. Como diria o outro, «sou livre de escolher na condição de fazer a boa escolha». A boa escolha, não uma boa escolha. E a boa escolha não é arbitrária.
Diz lá em quem votas, homem! (E não me desiludas!)
Abraço
Sim, Joana, adivinhaste. Mas espero que não votes tu, pelo teu lado, com demasiadas ilusões, senão lá se vai a nossa convergência por água abaixo.
Abraço
miguel(sp)
Caro hmfb,
se ler o que escrevi, não pretendo impedir ninguém de votar. Aliás, acho que deveríamos votar mais vezes e em coisas mais importantes do que a escolha de representantes que governarão em vez de nós. E aqui remeto-o para o comentário do camarada Libertário.
Cumprimentos
Libertário,
a nossa divergência é táctica. Creio ter explicado que o meu apelo é a um recurso defensivo. Na ausência de movimentos expressivos em acção que ponham na ordem do dia a participação igualitária de todos na decisões que nos governam, etc., etc., a abstenção não me diz muito como afirmação alternativa.
Abraço
msp
Miguel,
três pontos.
1) as eleições são muito menos decisivas do que muitas pessoas pensam, no que diz respeito à definição das políticas a implementar. O que não quer dizer que as pessoas devam desprezar os votos. Mas uma coisa é achar que basta mandar o partido A ou B para o governo para que algo mude. Outra coisa é votar mas ter consciência de que a produção das políticas não está nos orgãos de soberania, mas nas empresas e em instituições de coordenação internacional (BCE, etc.). Ao mesmo tempo, não adianta chorar por isto, pois sempre foi mais ou menos assim nos últimos 150 anos. O Marx tem imensos erros e becos sem saída, mas dedicou a análise do 18 de Brumário de Luís Bonaparte à compreensão de que os grandes capitalistas não têm de estar nos postos-chave dos orgãos de soberania para controlarem a política dos Estados. Foi a esquerda que, nos séculos XIX e parte do XX, trouxe um pensamento de classe para a compreensão dos fenómenos políticos e sociais, para milhões de pessoas. Hoje é grande parte da esquerda que contribui para que ninguém discuta a sociedade capitalista nas suas bases fundamentais.
2) do meu ponto de vista e relacionando o que disse anteriormente com as eleições de domingo, chamo a atenção que as eleições são mais importantes do ponto de vista político-ideológico do que na definição das políticas estatais em geral. Isso significa que na esquerda à esquerda do PS (na minha opinião muita dessa esquerda até está à direita do PS e dos partidos do governo, mas façamos de conta que eu aceito a designação corriqueira), portanto, na esquerda à esquerda do PS ninguém tem uma posição europeísta satisfatória e que veja numa integração democrática das instituições europeias o único caminho possível tanto para uma modernização da actual situação, como para a construção de uma consciência política supra-nacional, aspecto essencial para uma eventual e futura mobilização política anti-capitalista. Para tentar ser mais claro, a existência de uma consciência política supranacional é condição sine qua non, tanto para qualquer projecto minimamente democrático dentro das amarras do capitalismo, como para um projecto que as busque superar.
Todavia, na medida em que não existe nenhuma organização que seja capaz de lutar contra a austeridade numa perspectiva plenamente europeísta, esta perspectiva plenamente europeísta só pode emergir dentro de um campo relativamente europeísta. Em Portugal, o caso do BE. Independentemente de divergências relevantes, um mau resultado do Bloco será péssimo para a germinação e maturação de um ideal medianamente europeísta que seja. No actual contexto em que são sectores ditos à esquerda quem mais propagam o nacionalismo (PCP, MRPP, MAS, intelectuais) e a fusão do social do nacional em Portugal, então parece-me óbvio que um reforço do nacionalismo e um recuo de um certo cosmopolitismo será o pior resultado das eleições para a esquerda.
Nos próximos anos serão os tecnocratas a determinar de alto a baixo as políticas de integração europeia. Se não houver um movimento (ou conjunto de movimentos) social capaz de contrapor uma proposta europeia à que os tecnocratas estão a aplicar, a esquerda reagirá em bloco com o reforço dos instintos nacionais. Ora, tudo o que puder minorar ou contrariar o crescimento da hegemonia nacionalista e proteccionista à esquerda é, para mim, positivo. Não faço a mínima ideia do peso interno de cada corrente no Bloco, mas tenho a convicção que um mau resultado para o Bloco poderá levar o seu sector mais PCPista e anti-euro(peu) a tentar tomar as rédeas. Aí seria o desastre total, onde as dicotomias mecânicas e redutoras iriam transformar a política em sinónimos do género "europeísmo = direita", "nação = esquerda".
Um abraço,
João
João (Valente Aguiar),
quanto ao primeiro ponto, concordo contigo. Sempre que falo em democratização e democracia tento deixar claro, não temendo repetir-me, que não da abusivamente chamada "democracia represenativa" que falo, mas sim da participação igualitária de todos na decisão das questões e das leis que afectam a existência colectiva. Só acrerscentaria que o voto pesa mais nalgumas circunstâncias do que noutras, que a abstenção pode, em certas circunstâncias, ser recomendável, etc.
Quanto ao segundo ponto, acho que as nossas posições voltam a ser semelhantes. Há muito que defendo que devemos lutar por mais "Europa" para mais democracia, e que a democratização, as condições do seu avanço, requer uma perspectiva federalista. Aliás, tenho criticado a timidez e as cedências que os europeístas mais noórios do BE têm incorrido (menos talvez desde que o Syriza reforçou o seu prestígio nos últimos tempos), minimizando, ao mesmo tempo, o que os separa do PCP e outros social-nacionalistas e o alcance político da questão europeia, bem como do critério da democracia.
Sobre o terceiro ponto: quando escreves que "Se não houver um movimento (ou conjunto de movimentos) social capaz de contrapor uma proposta europeia à que os tecnocratas estão a aplicar, a esquerda reagirá em bloco com o reforço dos instintos nacionais", eu acrescentaria também uma referência ao crescimento da extrema-direita que o caldo de cultura do europeísmo tecnocrático dominante favorece, tanto mais perigosamente quanto mais é visível a dificuldade com que o combate. E sublinharia que a peste nacionalista como denominador comum de certa esquerda e da extrema-direita tende, quando se torna epidémica, a produzir recomposiçoes do campo politico monstruosamente regressivas e mortíferas. Enfim, é mais uma razão para, com os sentidos sóbrios e sem ilusões eleitoralistas nem idealizações da "representação", me parecer que um apelo ao voto como o que exprimi tem boas razões de ser.
Abraço
miguel(sp)
Miguel,
concordo plenamente com a tua referência ao meu ponto 3.
Um abraço!
João
Apesar do apelo de todos os partidos, da Comissão de Eleições e do presidente Cavaco os resultados que interessam:
BRANCOS: 4,41 %
NULOS: 3,06 %
ABSTENÇÃO: 66,09 %
«Todos, absolutamente todos os partidos parlamentares perderam votos em relação a 2011. O somatório combinado de votos perdidos é 2.605.337. destes, 701.010 são do ps, cdu e be.»
http://jugular.blogs.sapo.pt/
Está tudo dito sobre a credibilidade dos partidos...
Enviar um comentário