Ali em baixo, o João Valente Aguiar escreve que "[n]ão existe um exemplo de luta social – reivindicativa e/ou de autogestão – que alguma vez tenha colocado como objectivo a redução da massa de bens e serviços a disponibilizar à população".
Será que todas as lutas pela redução do horário de trabalho (a começar pela que deu origem ao 1º de maio) não contarão? Afinal, para um dado nível de produtividade e de população empregada, menor horário de trabalho implica menor produção (logo menos "bens e serviços a disponibilizar a população").
Possíveis objeções:
a) mesmo que a redução do horário de trabalho implique menos produção, reduzir a produção não é o objetivo da luta; o objetivo é ter mais tempo de lazer, sendo a menor produção simplesmente um resultado colateral. Mas creio que o mesmo se passa com todos os críticos da "abundância" - acho que ninguém considera reduzir a "abundância" como um fim em si mesmo; suponho que todos os criticos da "abundância" vêem a redução da abudância, não como um bem, mas como um custo que vale a pena suportar para atingir outras coisas que, essas sim, são consideradas como positivas (ou mais tempo livre, ou preservação dos recursos naturais, ou mais autonomia/criatividade do trabalhador no processo de produção, ou outra coisa do género)
b) por vezes a redução do horário de trabalho é apresentada como uma medida para reduzir o desemprego - se passarmos todos a trabalhar menos, haverá mais gente a trabalhar. Efetivamente nesse caso a redução do horário de trabalho não levaria a uma redução da produção (até poderia levar ao seu aumento, se a diminuição do desemprego levasse a um aumento da procura); no entanto, não me parece que as lutas pela redução do horário de trabalho venham sempre (ou mesmo na maioria dos casos) enquandradas num programa de combate ao desemprego (nem me admirava nada que seja exatamente nas situaçãoes de pleno emprego que haja mais greves pela redução do horário de trabalho ou pelo aumento dos dias de férias, mas isto já é um palpite meu)
22/05/14
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5 comentários:
O pragmatismo analítico do Miguel Madeira continua a surpreender!!
A lógica é exactamente essa, caríssimo, a da recusa da prosperidade!! O juízo é quase inevitável, por força da lógica da aritmética!! O incremento na produtividade implica um incremento por unidade de trabalho e produção. Admitir um ponto final óptimo para a produção e produtividade significa essencialmente repudiar um incremento da abundância e admitir a escassez presente. O ponto, verdadeiramente, não se prende com quaisquer razões de ordem mecanico-económica mas com razões puramente metafísicas e políticas.
Como é que um aumento da produtividade, resultante da consagração das oito horas diárias de trabalho, não aumentou a produção? Então a produção económica é uma questão de stocks fixos? E eu a pensar que a economia era uma ciência dos fluxos e das relações. Meu Deus!
Relativamente ao comentário anterior. De facto, quando alguém enaltece a «recusa da prosperidade» e assume «admitir a escassez presente» percebo como as tragédias do século XX se tornaram possíveis. Neste momento, e felizmente, a esmagadora maioria dos trabalhadores aspira a uma vida melhor e despreza estas seitas defensoras da barbárie.
Caro João Valente de Aguiar, viva!! Uma vez mais, parece-me, não percebeu o meu comentário (não é novidade)
É incontornável. Claro que o incremento da produtividade aumenta a produção, é evidente. Nove horas diárias de trabalho com a mesma produtividade traduzem uma maior produção doque seis horas diárias...A questão é elementar, o juízo de limite, ou se preferir de oportunidade, determina um abdicar de prosperidade adicional. Foi isto que disse!!
E desse lado retiramos, naturalmente, o juízo de recusa de prosperidade e conformação com a escassez presente. Os juízos não são meus, são da natureza da coisa.
O ponto relevante é este que lhe coloco: E se ocorrer um incremento na produtividade de modo a que seis horas de trabalho equivalham à mesma produção das oito horas anteriores, mas em que as futuras oito horas, após esse incremento de produtividade, equivaleriam, portanto, a um aumento da produção. Abdica das oito horas para a seis? Cede à maior prosperidade (serve a produção) ou admite a escassez presente como limite actual!? Secunda a produção face ao trabalho, trabalhador e repouso, ou secunda o trabalho, trabalhador e repouso, face à produção!?
Um bem haja,
"Neste momento, e felizmente, a esmagadora maioria dos trabalhadores aspira a uma vida melhor e despreza estas seitas defensoras da barbárie." Deixo ao meu caro o trabalho de saber onde estão essas seitas da barbárie ou a chusma e a turba!
Vamos colocar aquela hipótese, a questão que coloquei no comentário anterior, aos trabalhadores que aspiram a uma vida melhor para saber o que será esse desejo metafísico!! (vamos partir de um princípio socialista em que os trabalhadores são os beneficiários da produção)
«Não sei quanto tempo levará a transformação actual (esperemos que não muito, pois gostaria de a presenciar). Mas não tenho dúvidas que esta nova aliança com as forças da vida e da natureza disseminará igualdade e gratuidade. Devemos ultrapassar a nossa indignação natural pela apropriação lucrativa da nossa água, ar, solo, meio ambiente, plantas e animais. Devemos criar colectivos capazes de gerir os recursos naturais em benefício dos interesses humanos, não dos interesses do mercado. Este processo de reapropriação que eu prevejo tem um nome: auto-gestão, uma experiência tentada muitas vezes em contextos históricos hostis. Neste altura, dada a implosão da sociedade de consumo, parece ser a única solução tanto do ponto de vista individual como social[...]»
Raoul Vaneigem
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