24/06/14

Em cheio: Ricardo Noronha sobre o BE no Passa Palavra

Excelente, a primeira parte da análise que o Ricardo Noronha publica hoje no Passa Palavra sobre a história do BE, e, sobretudo, sobre as razões profundas da sua falência como alternativa, digamos assim, anticapitalista porque democrática, visando novos modos, tempos e lugares de um exercício político, tendencialmente governante, dos cidadãos comuns.

Ler aqui Continuar de novo? Notas sobre um partido ligado à máquina (1ª parte).

20 comentários:

Joana Lopes disse...

Miguel, excelente porque...? O Bloco merece muitas críticas, mas confesso que nada de novo vi aqui. Além disso: cada vez tenho menos pachorra para textos com mais de 20.000 caracteres para exprimir o que podia ser dito em menos de 10%.

E, se me trocares isto por miúdos, agradeço (perdi uns minutos a brincar ao «cadavre exquis« com as expressões deste parágrafo): «A crescente oscilação do Bloco de Esquerda para o espaço da social-democracia é inseparável da estrutura piramidal de uma organização que funciona, em todos os aspectos relevantes, de cima para baixo.»

Miguel Serras Pereira disse...

Joana,
não me compete defender as razões do Ricardo. Em duas ou três linhas, tentei explicar o meu juízo sobre o que ele escreveu, e não preciso de acrescentar muito mais. Quanto à passagem que incriminas, não só não parece misteriosa, como a acho particularmente certeira: não tendo querido ou sabido instaurar um modo de organização internamente democrático e reprizindo, nesse plano, a distinção estrutural e permanente entre governantes e governados, representantes e representados, superiores e subalternos, etc., etc., o BE perdeu também programaticamente de vista a diferença ou carácter alternativo que reivindicava.
Por fim, se a qualidade de um texto não é directamente proporcional à sua extensão, também não me parece que seja inversamente proporcional à mesma. Tchekov e Borges, sim, mas Tolstoi e Proust, não menos.

miguel(sp)

Joana Lopes disse...

Miguel, Ui... Ricardo Noronha e Proust? Nunca ousaria tal ligação! Mas adiante...

Quanto ao tal parágrafo introdutório: não vejo o que pender para a social-democracia, no caso do Bloco ou não, possa ter a ver com estrutura piramidal ou não piramidal. Mais: estamos a falar de conceitos com conteúdo bem preciso, por exemplo no mundo empresarial, e muitas instituições passaram para estruturas em rede, não piramidais, precisamente para continuarem a gerir bem a distinção entre superiores e subalternos, etc., etc., etc. Imagino que sabes do que estou a falar, vivi isso profissionalmente, e (imagine-se!...) até dei um semestre de mestrado numa universidade pública sobre esse tema.

Miguel Serras Pereira disse...

OK, Joana. O bom humor ajuda sempre. Mas, quanto ao ponto que levantas no final do comentário, quero crer que "piramidal" não é utilizado no sentido técnico de oposto a "em rede", mas metaforicamente, no sentido de "hierárquico". Dito isto, a mobilização das estruturas em rede para assegurar o melhor funcionamento e gestão mais eficaz da distinção entre superiores e subalternos, etc., é um tema que muito gostaria de te ver desenvolver noutra ocasião.

Abraço

miguel(sp)

Joana Lopes disse...

Ah, mas piramidal e hierárquico, para o que está em questão, equivalem-se. Não há nenhuma metáfora.

Miguel Serras Pereira disse...

Bom, Joana, estou a ver que não me expliquei bem. A pirâmide é uma forma fundamental, mas não a única, das relações de dominação (de superioridade versus subalternidade), e o que se passa é que são as relações de dominação que defino como "hierárquicas". E, por fim, é no mesmo sentido que à pirâmide (ao "piramidal") chamei uma metáfora de hierarquia ou dominação (ainda que em rede).

miguel(sp)

Joana Lopes disse...

Esquece, Miguel: temos heranças culturais diferentes. Há relações de dominação hierárquicas e outras que não o são.

culturdança disse...

Caro Miguel,Aprecio o esforço dispendido pelo autor do texto. No entanto, como diz a Joana, acho muita parra para pouca uva. Ficaria mais agradecido se exposessem a forma orgânica dessa sociedade global, não piramidal, que acreditam possível. Caso contrário, continuam a escrever para os 3 ou 4 amigos e daí não sairão, tal como outros tantos grupos autonomos de 3 ou 4, que giram em volta de si, há tantos anos.
Abraço fraterno.
Fernando Lacerda

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Fernando Lacerda,

é muita generosidade a sua. Ma deixe-me dizer-lhe que nem eu próprio giro à volta de mim. Quanto ao resto, teria de me explicar primeiro em nome de que princípio lhe parece que uma sociedade democrática — isto é, de cidadãos iguais em deveres e em direitos que se dão as suas próprias leis, sabendo que o fazem — é uma impossibilidade ou um absurdo.

Saudações democráticas

msp

Anónimo disse...

Que grande acontecimento: R.Noronha escreveu o texto menos autonomista, menos libertário e schizo-analitico do ano!É mesmo obra, e enorme a narrativa...Exagero supremo na determinação histórica do B. Esquerda, gera uma retracção criativa na leitura da prática politica fundamental, criando ao mesmo tempo um magma de contradições em que se " esconde " fatalmente a tentação totalitária e burocrática que informa todo o projecto construido pelo B.E., na base de um modelo estilizado do trotsquismo pariseense ," marxista " e " lenino-trotskista" à moda de Frank e Mandel...E face a tais handicaps teoricos e históricos é de louvar o grau de realização politica conservadora atingida pelo B.E., pois, o PSR ou o NPA de Besançonet e Krivine nunca elegueram um só deputado.numa existência de várias décadas. Como frisa Castoriadis," para nós, não se trata de visar a homogeneidade, nem de suprimir as dferenças ou alteridades na sociedade. Trata-se de suprimir a hierarquia politica, a divisão da sociedade como divisão do poder e do não-poder.(...) O que visamos, é a igualdade efectiva no plano do poder- e uma sociedade que possua como pólo de referência essa igualdade ". Niet

Ricardo Noronha disse...

Vamos Joana Lopes, certamente que consegues dizer a este respeito qualquer coisa de esquerda, que não se resuma ao número de carateres ou a tudo aquilo que me separa de Proust.
Aqui piramidal surge em contramponto a horizontal, mas isso é o menos relevante de tudo. O "novo" está claramente sobrevalorizado e eu comecei logo por propor-me empreender um balanço com maior fôlego. Já agora, é no esquerda.net que se encontram as reflexões mais interessantes e plenas de substância sobre o assunto?

culturdança disse...

Caro Miguel, não disse ser impossível uma sociedade organizada sem hierarquia, embora ache muito, muito dificil tal empreitada, daí entender necessário o surgimento de ideias globais sobre esta questão. Só isso, e já não será pouco.
Sem animosidade, saudações de alguém que ainda acredita numa sociedade fraterna e socialista.

Joana Lopes disse...

Ricardo, eu critiquei o conteúdo do teu texto? Gabei o esquerda.net? Julgo que não.
Quanto a piramidal como contraponto a horizontal, registo.

Anónimo disse...

Talvez seja importante e salutar evocar alguns principios de base infaliveis para detectar o grau de manipulação/dominação e burocratização que pode atingir as organizações empenhadas na transformação radical do sistema capitalista. Segundo Castoriadis, " ninguém pode garantir que uma revolução não degenere. Não existem receitas para manter os trabalhadores/produtores em luta num nivel elevado de actividade.Mas a História revelou que certos factores conduzem, e de forma muito rápida, à retirada dos trabalhadores em luta da actividade politica. Esses factores derivam da emergência e da consolidação, nos diferentes patamares da vida social e politica, de individuos e de grupos que se " encarregam " dos assuntos gerais que" mexem " com a comunidade em luta.( E todas estas observações são directamente pertinentes,no que se refere à problemática da estruturação da própria organização revolucionária em-si,e da sua degenerescência. Basta substituir o termo " membros " ao termo " trabalhadores " nas frases anteriores referidas).A manutenção de um nivel elevado de actividade dos trabalhadores em luta exige que vejam/sintam - não nos discursos, mas na realidade concreta da sua vida quotidiana- que o poder lhes pertence verdadeiramente, e que podem transformar por isso as condições da sua vida em geral ".In " Le contenu du socialisme ", éditions 10/18.Paris 1979. Niet

Ricardo Noronha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ricardo Noronha disse...

Naturalmente que poderíamos contrapor piramidal a rectangular, cilindrico, cubico e até hexagonal, se nos desse para semelhante coisa. Confesso que não chego a perceber muito bem o que pensas do texto. Será certamente uma falha minha, a somar a tantas outras, mas insisto que te pronuncias sobre o respectivo conteúdo, quando dizes não ver "o que pender para a social-democracia, no caso do Bloco ou não, possa ter a ver com estrutura piramidal ou não piramidal". Posso procurar explicar melhor porque vejo as coisas dessa maneira, mas fico com a impressão de que, mais do que os argumentos, é a conclusão que não te agrada.
Dizes tu que há formas de dominação que se estruturam em rede. Não duvido disso e também não afirmei o contrário, limitei-me a sustentar que não é esse o caso do Bloco de Esquerda, onde, como fez questão de explicar Miguel Portas, grande parte das decisões eram tomadas pelo "núcleo fundador". Não corresponderá isso ao vértice de uma pirâmide?

Joana Lopes disse...

Ricardo, deixando de parte a questão de pirâmides ou posturas horizontais (e, também, o conteúdo total do teu post), por que motivo relacionas isso com «a crescente oscilação do Bloco de Esquerda para o espaço da social-democracia»? E não é por isto me agradar ou deixar de agradar, é porque não entendo mesmo: uma estrutura hierárquica, com decisões de cima para baixo, com um núcleo fundador que era tudo menos homogéneo, fez pender para a social-democracia? Porquê? Ou foi porque o alargamento da base de militantes do Bloco se foi fazendo, precisamente, no sentido dessa tendência (Manifesto, Lista B, etc., etc.)? É que eu inclino-me muito mais para esta hipótese.

António Geraldo Dias disse...

"A crescente oscilação do Bloco de Esquerda para o espaço da social-democracia é inseparável da estrutura piramidal de uma organização que funciona, em todos os aspectos relevantes, de cima para baixo.»
Quer isso dizer que o BE aderiu ao bloco do poder em prejuízo
da sua constituição como força contra-hegemónica?consequência de uma deriva eleitoral que deitou a perder o seu potencial "revolucionário"?

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Fernando Lacerda,

agora sou eu quem diz que não será necessário nem desejável ir tão longe como uma "sociedade sem hierarquia". Há domínios em que a hierarquia poderá ser justificada. A questão é abolir a distinção hierárquica e a desigualdade em termos de poder e dos direitos que permitam a todos participar igualitariamente nas leis e decisões colectivas por que se governam e são governados.

Cordialmente

msp

Ricardo Noronha disse...

Joana, a única coisa que posso fazer a esse respeito é remeter para os documentos aprovados nas convenções do Bloco de Esquerda e que cito no texto extremamente longo que escrevi. Só porque as decisões fundamentais são tomadas num círculo extremamente estreito é que é possível passar por cima do espírito desses documentos para ensaiar uma aproximação despudorada à "esquerda o PS" e logo a seguir vir acusar os outros de desejar precisamente o mesmo. Isso que dizes sobre a Lista B e o Manifesto é, desculpa que te diga, uma Luis-Fazendice, desde logo porque conheço um número assinalável de militantes (e isso inclui os da Lista B) que sempre desejou precisamente o sentido inverso e porque a Ana Drago (que é do Manifesto) veio recentemente dizer em público (depois de ter defendido no devido lugar) o que entendia sobre o assunto. E ainda há os militantes que saíram para ir fundar o MAS, pelo que é tudo menos claro que a estratégia adoptada tenha sido um indício da viragem à direita do conjunto da organização.
Vais mesmo continuar a dar a tua opinião sobre o assunto ao mesmo tempo que "deixas de parte" o conteúdo do meu texto? Estás evidentemente no teu direito, mas há qualquer coisa de estranho nisso.