A nossa imprensa de referência tem dado noticia da inesperada decisão do actual presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina de seu nome. O jovem autarca socialista, e a equipa que lidera, decidiram empreender um vasto programa de "melhoramentos e embelezamento" das principais artérias e praças da cidade, com o destaque a recair na segunda circular. As criticas têm sido mais do que muitas. Umas, justíssimas e inevitáveis, provêm dos cidadãos que no seu dia a dia são afectados pelas obras. Outras de carácter oportunista vêm das oposições que tentam identificar os trabalhos em curso com eleitoralismo puro e duro.
No meio desta trapalhada - tanto quanto me apercebi - apenas a obra da segunda circular mereceu um sério debate público. O resto foi mais ou menos apresentado como "obra consumada". A Ordem dos Engenheiros(*) promoveu um debate público com a presença do vereador do urbanismo de Lisboa, Manuel Salgado, no qual as criticas ao projecto e aos objectivos da obra foram evidentes. Mudar a natureza da segunda circular -transformando-a numa grande via urbana - é impossível com obras ,sejam elas quais forem. É necessário mudar a sua natureza e as funções que desempenha na rede urbana. O projecto executado e colocado a concurso não altera nada a essa realidade funcional e não altera nada à natureza da via. Mas, a decisão foi tomada e resolveu avançar-se. Os primeiros resultados - do impacto das obras - confirmaram as piores expectativas. Confusões, atrasos, trânsito entupido, apenas com a primeira parte da intervenção.
Sou dos que acho que Medina tem uma boa e genuína intenção em avançar com estas obras. Quer melhorar a cidade enquanto objecto, tornando-a mais amigável, mais amiga dos cidadãos que se deslocam a pé, investindo na qualificação do espaço público. Estou certo no entanto que todos esses esforços serão irrelevantes se não conseguir alterar a relação da cidade com a sua periferia, isto é a relação que os cidadãos são obrigados a estabelecer entre o local onde residem e aquele onde trabalham (a cidade de Lisboa). Medina entendeu que para ganhar as próximas eleições seria necessário este surto obreirista, mostrar esta capacidade de fazer obra. Talvez se tenha inspirado num outro ilustre politico da cidade, Fontes Pereira de Melo, que no seu tempo empreendeu importantes obras de melhoramento de Lisboa. Julgo que avaliou mal o tempo e o modo e que foi muito mal aconselhado. Há nestas coisas uma regra que é a "proibição do excesso." Medina deixou-se enredar nesse excesso. Os cidadãos detestam, com razão, estas pressas e os seus incómodos.
A tese de que a decisão de cancelar o concurso é determinada pelo medo de perder as eleições, radica nesta realidade. Contrariamente ao que Medina pensou - e foi mal aconselhado ou assessorado, ou ambas as coisas - estas obras, em cima de todas as outras, iriam tornar a sua reeleição muito mais problemática do que numa situação normal.
Fica para o fim o argumento utilizado. A empresa que projectou o pavimento, tornou-se posteriormente, fabricante - ou fornecedora para Portugal, com exclusividade, vai dar ao mesmo - desse mesmo tipo de pavimento. Eis uma boa razão para Medina fazer o que fez: anular o concurso.
Diga-se que a empresa em questão foi sub-contratada pela empresa que tinha a responsabilidade de realizar o projecto da obra. Se este projecto foi adjudicado em concurso público ou por ajuste directo não consegui obter informação. A nossa imprensa de referência não liga nada a essas minudicências. Mas são elas que fazem toda a diferença.
Talvez esta seja uma boa oportunidade para Medina lançar um debate sério sobre a mudança de natureza da Segunda Circular. Discutir em primeiro lugar que tipo de via quer a cidade que a Segunda Circular seja. E, em segundo lugar, como garantir que essa mudança se concretize. Não é com obras de arborização, nem com acertos de traçado rodoviário, por muito bonito e bem feito que seja, tem que se ir mais fundo. É necessário alterar as condições de habitação na cidade. É necessário mudar a própria natureza da cidade. É necessário deixar de lado as questões técnicas e subir ao nível da politica urbana. O que se espera de um Presidente da Câmara que até já disse querer fazer de Lisboa uma cidade para todos. Uma excelente ideia à qual nunca chegará indo por maus caminhos.
(*) - honra seja feita à OE que - embora os engenheiros civis sejam cada vez mais afastados das questões da edificação e do urbanismo, por uma classe politica tão ignorante quanto interesseira - não desiste de debater as questões que interessam à cidade e aos cidadãos.
06/09/16
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1 comentários:
A política de Medina é de pura maquilhagem da cidade ao serviço da actual lógica turística. Inúmeras ruas da cidade, principalmente nos bairros populares, fora dos polos turísticos, estão cheias de buracos, os passeios íngremes continuam sem o piso adequado, a recolha de lixo, e limpeza de ruas, é péssima, os transportes públicos, principalmente da rede de autocarros ficou pior nos últimos anos.
Investir verbas significativas em alguns eixos viários centrais pouco significa na melhoria da qualidade de vida dos moradores de Lisboa. Se essa fosse a preocupação da Câmara as prioridades seriam outras, longe do Saldanha, das avenidas e do Cais do Sodré.
Não vale sequer a pena falar de uma solução para a poluição do Tejo que envolve inúmeros municípios...
A política de Medina é uma manifestação de eleitoralismo na sua mais óbvia tradição alfacinha.
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