07/01/17

Um argumento a favor das quotas de género

Quando se fala em "quotas de género" (p.ex., estipulando um mínimo de cada sexo em orgãos de gestão, como a proposta que parece que vai ser aprovada), costumam aparecer argumentos contra, em termos como:

"É uma ofensa às mulheres acharem que elas precisam de quotas para progredirem"

ou

"Deveremos nomear alguém incompetente só porque é mulher?".

Ou seja, mesmo os argumentos contra costumam ser feitos assumindo que as quotas vão ter como destinatário as mulheres; ora, à partida, uma lei estipulando um mínimo de indivíduos de cada sexo tanto poderia beneficiar mulheres como homens; tanto poderíamos ter uma situação em que se nomeava uma mulher incompetente porque todos os outros membros da administração eram homens como outra situação em que se nomeava um homem incompetente  porque todos os outros membros da administração eram mulheres.

O que é que o facto de se assumir que as quotas vão beneficiar as mulheres e não os homens significa? A mim parece-me que implica que continua a ser dominante um modelo mental que assume que a ordem natural das coisas é os cargos de direção serem maioritariamente ocupados por homens, e que portanto se alguém for nomeado por causa de uma regra estipulando quotas, esse alguém será em principio uma mulher. Ora, a força que (pelo que se vê) esse modelo mental tem parece-me ser uma boa razão para haver quotas.

Um aparente contra-argumento pode ser algo como "Miguel, isso não tem nada a ver com modelos mentais subconscientes - o que se passa é que simplesmente grande parte das pessoas julga que essas leis estipulam quotas para mulheres, e não quotas para ambos os sexos"; em parte é verdade, mas no fundo vai dar ao mesmo: o motivo porque na cultura popular as "quotas para cada sexo" se transformam em "quotas para mulheres" é porque, como se assume que essas quotas vão na prática ser destinadas às mulheres, toda a gente (mesmo os que conhecem o que dizem mesmo as leis) lhes chama "quotas para mulheres", levando a que quem não passe a vida a estudar esses assuntos em detalhe julgue que se trata, mesmo formalmente, de quotas para mulheres - ou seja, mesmo isso é um resultado de se considerar a predominância masculina como o "default".

3 comentários:

Anónimo disse...

Só admito as quotas se à frente do nome de quem for designado para a função se indicar "nomeado para este cargo por mérito" ou "nomeado para este cargo por força das quotas". Assim as coisas tornam-se transparentes e ficamos a saber os porquês.
Não havendo quotas, acho que em processos concursais o sexo dos candidatos não deveria constar do processo.

joão viegas disse...

Ola,

Resposta ao anonimo :

A justificação das quotas, ou alias das outras medidas ditas de "discriminação positiva" (expressão criticada) ou, talvez mais propriamente, de acção afirmativa em favor do restabelecimento da igualdade, é simple : trata-se de corrigir um critério "neutro" em aparência mas que, na pratica, vem eivado de preconceitos, ou associado a representações que introduzem um viés. Por exemplo, ao escolher entre candidatos a cargos da alta responsabilidade tendo em conta apenas a "competência", na pratica, vamos procurar aferir a motivação e a disponibilidade do candidato, dando valor ao facto de ele poder facilmente libertar-se para reuniões fora das horas de expediente que acabam a deshoras. Isto porque, na pratica, não é ele quem vai buscar as crianças à creche, ou quem fica com elas quando elas estão doentes. Isto não é verdade em termos absolutos, pois podemos sempre encontrar excepções num sentido e no outro, por exemplo mulheres carreiristas que estão dispostas a conformar-se aos padrões definidos por a para os homens. Mas é verdade estatisticamente.

Quem compreende o que acabei de expôr compreende também que as quotas e outras medidas do mesmo tipo são, por definição, provisorias e instrumentais. Valem o que são capazes de produzir para inverter estereotipos. Mas isto esta longe de ser zero. Por exemplo, as quotas para mulheres, ao mesmo tempo que fazem com que as ditas cheguem em maior numero aso postos de chefia (e nada justifica que elas não cheguem la, a não ser para quem acredita que elas são por natureza menos ambiciosas, ou mais burras, etc.), fazem também com que o padrão mude e perca progressivamente o seu viés. Por exemplo, quando ha mais mulheres a escolher os chefes, vai dar-se menos importância ao carreirismo em detrimento do exercicio das responsabilidades familiares. E, se calhar, vai também passar a haver menos reuniões de chefes a começar às 19h00, quando os altos quadros acordam da sesta de a seguir ao almoço. O que, em termos de eficiência e competência, se calhar, até não é mau.

Dito de outra forma : trata-se de uma medida pragmatica que assenta no pressuposto de que não nos podemos satisfazer com uma igualdade de papel, e que pelo contrario devemos procurar obter que a igualdade saia para fora dos livros e invista a realidade social. Cabe aqui lembrar um post recente, creio que do Miguel, sobre pragmatismo, onde se explica quais são as bases teoricas destas politicas. Ah, afinal ja me lembro, não era um post do Miguel, mas um post meu.

Abraços.

Anónimo disse...

"são por natureza menos ambiciosas, ou mais burras, etc.)," Não se trata de serem mais burras mas sim de serem diferentes. O sistema hormonal, a capacidade para gerar vida faz muita diferença. É como em outros animais: frequentemente os machos são muito diferentes das fêmeas. Se não acreditam, façam uma tourada com vacas ou com machos castrados. Terão uma imagem da diferença. As mulheres são diferentes dos homens, só são iguais em dignidade.