12/11/17

Ainda sobre a questão catalã



Quando vejo pessoas que considero inteligentes como a Joana Lopes ou o Daniel Oliveira inveredarem por caminhos ínvios acerca desta questão, tais como a ideia peregrina de que haveria uma confusão entre aplicação da lei penal e da lei constitucional(*), apetece-me perguntar se estamos mesmo a debater a questão de fundo, ou a fugir à dificuldade com caricaturas fantasiosas. Com efeito, na maioria dos casos, as reticências em relação às reivindicações independentistas :

1/ Não radicam na negação do direito à autodeterminação, que me parece um princípio fundamental e que merece obviamente toda a consideração. Neste sentido, julgo que é hoje óbvio que a sobranceria do governo de Madrid e a maneira policio-desastrosa com que geriu a crise foi uma cretinice e, numa larga medida, uma forma imbecil e contraproducente de cair numa cilada engenhosamente armada pelos independentistas (o que não é uma crítica aos independentistas, a política é assim mesmo).

2/ Mas antes na questão de saber se as reivindicações catalãs correspondem mesmo a uma vontade genuina e consequente de separar os destinos da Catalunha do das regiões que a envolvem, ou antes à fantasia perigosa de uma Europa das regiões ricas, determinada sobretudo a guardar para si os lucros que tira do seu acesso aos mercados europeus e completamente disposta a deixar de parte as regiões periféricas pobres a pretexto de que elas são estruturalmente incapazes de se tornar “competitivas”, mercê da sua atávica fascinação por “mulheres e copos”. É que, no primeiro caso, a reivindicação pode ser discutível, mas é respeitável. Já no segundo, é difícilmente audível, pelo menos para quem subscreve aos valores essenciais nos quais a esquerda se reconhece.

Confesso que a minha inclinação é no sentido das reticências (o que deriva muito provavelmente do meu "europeismo"). Mas a questão merece ser debatida e estou atento aos argumentos dos pro-independentistas. Desde que se debata a questão de fundo, e não diversões que, em vez de esclarecer o problema real, nos empurram para o pantanal da desconversa.

(*) = Como é evidente, as acções judiciais movidas contra os membros do governo catalão fundam-se na lei penal, e não directamente na constituição. Em Espanha, como em qualquer pais, a lei penal prevê crimes contra a soberania, contra o Estado e contra a integidade nacional (compare-se com o título V do Livro II do nosso código penal).

2 comentários:

Niet disse...

Oh. J.Viegas: Saiu um livro fabuloso sobre o sistema Sarkozy de dois jornalistas de
investigacäo do Mediapart,Fabrice Arfi e Karl Laske, Ets. Fayard, " Com os cumprimentos do Guia ",inquérito de 6 lngos anos sobre o financiamento do sistema Sarko antes e depois dele ter sido Presidente. O trabalho ultrapassa tudo o que até agora tinha sido realizado em Franca sobre as sulfurosas relacöes na V República entre o Executivo ( manipulado cada vez mais pelo PR eleito e os seus gabinetes secretos ...) e a classe politica e os ditadores mundiais que se pelam por ter relac+oes privilegiadas com a pátria de Voltaire. Nesta narrativa fantástica- mesmo superior ao label Le Carré ou os de Péan -se revela e insinua por mil e uns detalhes que a obsessäo nacionalista é o avatar moderno do ultra-liberalismo e da opacidade da violência de classe mais disfarcada. Niet

joão viegas disse...

Obrigado Niet, vou procurar ler. O facto é que neste momento na Europa, quem sai claramente beneficiada com as obstruções e crises ligadas aos diversos nacionalismos é a politica liberal. Existe acesso aos mercados para as empresas, existe concorrência social e fiscal que leva os Estados às mais chocantes cedências para atrair o investimento e existe uma paralisia total (assegurada por varios anos) para as veleidades politicas de impor limites e regras contra a corrupção, que imponham um minimo de redistribuição, ou apenas de equidade fiscal.

Que demande le peuple ?

Abraço