[A respeito deste post d'O Insurgente]
Eu vejo pelo menos duas boas razões para um individuo tentar ser o mais auto-suficiente economicamente (isto é, ser ele a produzir grande parte dos bens e serviços que consome) possível.
A primeira é que um individuo vivendo em regime de autoconsumo não está sujeito ao perigo de desemprego nem é afectado pelas crises económicas (pelo menos, da forma que existem actualmente); no caso extremo de alguém que viva numa cabana nas montanhas (construída por ele), cultivando o seu quintal, caçando nos bosques vizinhos e pescando no ribeiro, e tecendo as suas próprias roupas, sem vender ou comprar nada ao resto do mundo, o PIB pode descer 10% e o desemprego pode duplicar que nada lhe acontece a ele (basicamente, o problema do desemprego só existe por causa... do problema do emprego; alguém que não precise de procurar emprego não está sujeito ao desemprego); no caso (mais realista) de alguém que tenha um emprego mas que costume ir à pesca no fim-de-semana, tenha uma horta onde cultive verduras e faça a maior parte das obras e arranjos eléctricos lá em casa, ele continua a poder ser afectado pelas crises económicas, mas menos que alguém que todo o rendimento real esteja dependente do mercado (se for para o desemprego continua a ter acesso aos bens e serviços que ele próprio produz).
Aliás, quase todas as teorias explicativas das crises económicas (keynesianismo, monetarismo, "escola austríaca"...) explicam-nas a partir da moeda (seja porque os agentes querem acumular mais moeda que a que têm, ou porque a quantidade de moeda diminuiu, ou porque aumentou...); assim, podermos concluir que numa economia sem moeda não haveria este género de crises (embora pudesse haver outras).
Outra vantagem é que a maior parte das pessoas nas sociedades modernas são trabalhadoras assalariadas, ou sejam, trabalham sob a direcção de outras. Assim, passar uma hora, digamos, a afinar o motor do seu próprio carro tem uma vantagem face a passar mais uma hora no emprego a ganhar o dinheiro para pagar a uma oficina - no primeiro caso, é ele próprio que dirige o seu trabalho, que pode executar no hora e local que lhe dá mais jeito, quiçá até com a roupa com que se sente mais à vontade, etc., enquanto na hora passada no trabalho formal está submetido à disciplina organizacional.
Diga-se, desde já, que estes meus argumentos a favor da auto-suficiência não me parecem escaláveis do nível individual para o nível de um país: ao contrário do que se passa com os indivíduos, não é por um país ser auto-suficiente que deixa de estar sujeito a ciclos económicos, nem menos sujeito à tal "disciplina organizacional" (até há quem diga o oposto - que o proteccionismo favorece a concentração dos grupos económicos). Esta observação pode ter alguma importância porque me dá a ideia que muitas discussões sobre a auto-suficiência individual usam-na sobretudo como metáfora para a questão da auto-suficiência nacional, seja a favor ou contra.
Sugestão de leitura adicional - O Direito ao Desemprego Criador, de Ivan Illich
28/08/10
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10 comentários:
(Suponho que o post seja apenas uma piada, mas de qualquer forma aqui vai)
O indivíduo em auto-consumo não está sujeito aos ciclos económicos, mas está sujeito ao próprio ciclo de vida (doenças, velhice se lá chegarem, etc), aos ciclos climatéricos, etc Como não existe acumulação de capital por parte do indivíduo.
Em relação à segunda vantagem, é certo que o indivíduo pode passar algum tempo a arranjar o seu carro em vez de passar tempo a trabalhar para pagar alguém para o fazer. A questão é que não é hora por hora. Normalmente o indivíduo é mais eficiente no seu próprio trabalho (no sentido de produzir mais) do que a arranjar carros. Pelo que a comparação deveria ser: quer o indivíduo passar mais uma hora no emprego a ganhar dinheiro para pagar a oficina ou passar 3 dias à volta do seu carro a tentar adivinhas o que se passa. Depois, claro, há questão de como ele conseguiu ter um carro em primeiro lugar: teve que extrair os minérios necessários (escavando a sua própria mina com as mãos ou ferramentas básicas), transformá-los (recorrendo a uma fogueira e um martelo), aprender o suficiente de engenharia, etc, etc
Caro MM, mas auto suficiencia pode muito bem ser explicada com a aritmética do excesso ou diferença!! O que é necessário é que, pelo menos, produza mais trigo doque o que consome para poder dar trigo àquele que lhe afina o automóvel!!! E este argumento pode ser extrapolado para a dimensão macro estadual!! (Como é aliás)
MM, este parágrafo é uma brincadeira, não é!!?? "Aliás, quase todas as teorias explicativas das crises económicas (keynesianismo, monetarismo, "escola austríaca"...) explicam-nas a partir da moeda (seja porque os agentes querem acumular mais moeda que a que têm, ou porque a quantidade de moeda diminuiu, ou porque aumentou...); assim, podermos concluir que numa economia sem moeda não haveria este género de crises (embora pudesse haver outras)."
Isto partindo do princípio fiduciário da máxima fungibilidade da moeda. O dinheiro também nasce nas árvores. Não é verdade!?
A evolução tecnológica está a roubar os nossos empregos?
Texto de Martin Ford - Engenheiro informático de Silicon Valley e empresário.
Desemprego devido à Robótica, à Inteligência Artificial e aos Computadores – Irão os Robots e as Máquinas roubar os nossos empregos? Poderá o trabalho da Automação Tecnológica Avançada causar Desemprego Estrutural?
"Em relação à segunda vantagem, é certo que o indivíduo pode passar algum tempo a arranjar o seu carro em vez de passar tempo a trabalhar para pagar alguém para o fazer. A questão é que não é hora por hora. Normalmente o indivíduo é mais eficiente no seu próprio trabalho (no sentido de produzir mais) do que a arranjar carros. Pelo que a comparação deveria ser: quer o indivíduo passar mais uma hora no emprego a ganhar dinheiro para pagar a oficina ou passar 3 dias à volta do seu carro a tentar adivinhas o que se passa."
E se a alternativa for 1 hora no trabalho vs. 2 horas a mexer no carro?
Onde eu quero chegar - se a alternativa for passar X horas no emprego ou passar X+Y horas a arranjar o carro, haverá um Y abaixo do qual será melhor o individuo arranjar ele próprio o carro (mesmo que o Y continue a ser maior que zero).
Além disso, pode haver pessoas que achem divertido andar a mexer no motor e a tentar perceber qual o problema; para esses pessoas, o tempo passado a arranjar o carro será simultaneamente: consumo (já que estão a ter prazer pelo acto de arranjar o carro), trabalho (já que estão a produzir algo) e acumulação de capital (já que os seus conhecimentos de mecânica automóvel aumentarão).
Diga-se que a única coisa que eu sei "arranjar" no meu carro é mudar o pneu e os fúsiveis, mas tenho um colega que adora fazer experiências com os mecanismos do carro dele.
"Depois, claro, há questão de como ele conseguiu ter um carro em primeiro lugar: teve que extrair os minérios necessários (escavando a sua própria mina com as mãos ou ferramentas básicas), transformá-los (recorrendo a uma fogueira e um martelo), aprender o suficiente de engenharia, etc, etc"
No caso do auto-consumo total, essa questão coloca-se; no parcial, não.
>Caro MM, mas auto suficiencia pode muito bem ser explicada com a aritmética do excesso ou diferença!! O que é necessário é que, pelo menos, produza mais trigo doque o que consome para poder dar trigo àquele que lhe afina o automóvel!!!
E seu eu não tiver dinheiro suficiente para pagar a afinação do carro e ele não tiver dinheiro suficiente para comprar o meu trigo? (segundo algumas escolas de pensamento é exactamente nisso que consistem as crises económicas)
>MM, este parágrafo é uma brincadeira, não é!!?? "Aliás, quase todas as teorias explicativas das crises económicas (keynesianismo, monetarismo, "escola austríaca"...) explicam-nas a partir da moeda (seja porque os agentes querem acumular mais moeda que a que têm, ou porque a quantidade de moeda diminuiu, ou porque aumentou...); assim, podermos concluir que numa economia sem moeda não haveria este género de crises (embora pudesse haver outras)."
Isto partindo do princípio fiduciário da máxima fungibilidade da moeda. O dinheiro também nasce nas árvores. Não é verdade!?
Eu nem percebo o que o Justiniano quer dizer com isso (no imperio azteca o dinheiro crescia nas árvores, mas e daí?)
MM,
No primeiro caso, longe da questão da auto suficiencia, estaremos face à penúria falimentar!! (o ciclo económico retractivo implica uma diminuição do produto, pelo seu valor no mercado, quer por volume quer por valor intrínseco, não uma ausencia de produto, onde, convinhamos não há ciclo - Nesse caso estaremos a falar de crise(profunda))
No segundo caso, sendo evidente que o dinheiro também nasce das árvores, não percebo a sua questão, e muito menos o exemplo azteca!! E repare, caro MM, que falo de dinheiro e não de moeda, que nem sempre vale dinheiro, especialmente se não cumpre essa função!!
O que eu quero dizer é que eu não faço a mínima ideia do que o Justiniano quer dizer com:
MM, este parágrafo é uma brincadeira, não é!!?? "Aliás, quase todas as teorias explicativas das crises económicas (keynesianismo, monetarismo, "escola austríaca"...) explicam-nas a partir da moeda (seja porque os agentes querem acumular mais moeda que a que têm, ou porque a quantidade de moeda diminuiu, ou porque aumentou...); assim, podermos concluir que numa economia sem moeda não haveria este género de crises (embora pudesse haver outras)."
Isto partindo do princípio fiduciário da máxima fungibilidade da moeda. O dinheiro também nasce nas árvores. Não é verdade!?
MM, o parágrafo!!! É brincadeira ou é coisa à séria!?? Só isso!!
O parágrafo é a sério - tanto keynesianos como monetaristas como "austríacos" têm explicações para as crises económicas que implicam, entre outras coisas, a existência de moeda:
- os keynesianos dizem que as crises ocorrem porque os individuos tentam aumentar o seu stock de moeda (mas como a moeda que um acumula é moeda que outro deixa de ganhar a economia retrai-se)
- os monetaristas dizem a manipulação da moeda (para cima ou para baixo) pelos bancos centrais confunde os agentes económicos e causa os ciclos
- os "austríacos" dizem que a expansão da moeda pelos bancos centrais leva a juros artificialmente baixos, à realização de investimentos que são são viáveis com esse nível de juros, e, quando a taxa de juro regressa ao seu nível natural, grande parte dos investimentos tornam-se inviáveis
Estas teorias são bastante diferentes, mas todas elas só se aplicam numa economia monetária.
[já agora, John Stuart Mill citado por Brad DeLong explicando que a "Lei de Say" - que diz há sempre "procura" para a "oferta" - só é totalmente correcta numa economia não-monetária]
Quanto à referencia azteca, essa sim, era uma brincadeira com o velho adágio que o dinheiro não cresce nas árvores.
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