11/08/10

A ilustre Casa de Hopper, revisitada

É sabido que a casa que serviu de modelo ao infame Bates Motel – recordam-se do Psycho de Hitchcock, por certo... - foi a House by the Railroad de Edward Hopper.
Esta obra de 1925 é hoje vista como sendo a primeira tela da maturidade de Hopper, um ano depois do êxito da sua segunda exposição a solo. Ele sempre negou ter recebido qualquer influência importante durante as suas viagens à Europa; no entanto, custa a crer que o paralelismo com a visão de Giorgio de Chirico seja apenas uma coincidência. A sensação de abandono sem remissão, a suave ameaça que parece descer sobre paredes e ruas com o avanço do entardecer, as sombras que chegam a obliterar secções dos edifícios, a presença dos carris (os comboios foram por muito tempo uma constante nas telas do italiano, filho de um engenheiro ferroviário), o céu mortiço e nunca azul que contradiz a iluminação solar impiedosa... são muitos os pontos de contacto entre os dois universos pictóricos. Mas, acima de tudo, existe uma vaga malaise, a premonição de um qualquer cataclismo iminente, a noção de que ali falta um ingrediente fundamental à estabilidade do mundo que conhecemos. Mesmo quando Hopper lança a figura humana nos seus cenários inóspitos - em obras-primas como Nighthawks -, aqueles homens e mulheres (na realidade sempre baseados em si próprio e na sua infeliz mulher, Jo) nunca deixam de se apresentar submersos no sentimento de alienação e estranheza que os manequins de de Chirico transpiram.
A Casa junto ao Caminho de Ferro é, por muitos antepassados que lhe possamos inventar, uma obra extraordinária, capaz de investir um modesto objecto inanimado com toda uma paleta de "sentimentos" a custo definíveis. Nas inspiradas palavras do poeta Mark Strand, «the house shines with finality. It’s like a coffin.» É verdade: esta casa sem sinal de ocupação parece mais hospitaleira à morte do que às actividades frívolas dos vivos.
(Curiosamente, a vivenda que serviu de modelo a Hopper ainda hoje existe, quarenta quilómetros a norte de Manhattan, na vila de Haverstraw. )
Por outro lado, esta casa ilustre já inspirara o cenário de um outro grande filme, quatro anos antes de Hitch ali colocar a família mais estranha dos anais do Cinema. Em 1956, os cenógrafos de George Stevens haviam desenhado a mansão de Giant a partir da obra de Hopper. O Bates Motel em "pessoa" foi sujeito a uma mudança de cor para figurar na comédia de 1981 Modern Problems, com o canastrão Chevy Chase; dois anos depois, começaria a ignomínia das sequelas manhosas de Psycho. Mas nem tudo é deplorável neste final de história: pelo menos, parece não se confirmar a teoria segundo a qual a casa da Família Addams teria também sido inspirada pela obra-prima de Hopper...

PS: Hoje, revisitei por acaso este post, já com uns anos. Entretanto, houve mais quem andasse a explorar a casa de Hopper.

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