Acho que entretanto sosseguei bastante, na vida, quando, já faz algum tempo, dei conta que afinal não só jamais viria a ser o melhor do mundo, quanto mais cá na banda. E que também não tinha obrigação nenhuma de o ser. Mas uma das questões pessoais que se me anda agora, com a idade, a por com mais frequência, é a de saber se será possível continuar a envelhecer sem sucumbir de todo a uma senilidade insuportavelmente azeda ou sem incorrer também numa dessas beatitudes patetas e patéticas que pretendem fundamentar-se numa sabedoria qualquer que a idade acumulada por si só garantiria.
É verdade que um percurso biográfico se faz de tempos, de lugares, modos, percepções, ocorrências, experiências, resultados, aquisições, perplexidades, digestões e ressacas. Mas também é verdade que eu não vou nunca deixar de permanecer muito irremediavelmente ingénuo, embora não de todo burro, e de lidar muito mal com toda a ordem de leviandade, de irresponsabilidade, de arbitrariedade, de mentira, de prepotência, chantagem, esperteza, insolência e soberba, e de achar que o que mais envenena as relações entre as pessoas, quaisquer relações, é o uso e o abuso da boa-fé dos outros. E é disso que o mundo está cheio e a bem dizer se faz. E há de fazer-se sempre, talvez, porque afinal, parece, é assim mesmo que ele é. Temo não chegar nunca a ser capaz, mesmo senil, de vir a conformar-me com isso. E o resto são umas ideias minhas que ando ainda cá com elas.
Ruy Duarte de Carvalho, Biobliografia
0 comentários:
Enviar um comentário