O Carlos Vidal, o nosso estimável filósofo de badana, aparenta ter o sentido de humor da múmia do Lenine. Em vez de responder a uma brincadeira anódina (já agora, terei acertado na sua posição quanto às lapidações islâmicas?) com graça acerba, ironia cáustica ou qualquer outra receita de homenzinho com pinta, desatou aos guinchos em plena praça. O que tem graça mas não o favorece.
Vai daí, rasga as vestes académicas e acusa-me de dois pecados capitais: saber um “poucochinho de tudo um pouco” e inchar-me de “escrever bem”.
Estes dois crimes, no codex vidalis, só nunca se podem imputar a uma pessoa: o próprio legislador. Repare-se que o homem não é nenhum burgesso absoluto: dá aulas a estudantes de Pintura, percebe do assunto e até tem obra publicada sobre o mesmo. O pior é que a criatura julga-se imbuída de uma espécie de espírito santo dos intelectuais, que o habilitaria a discursar ex cathedra sobre tudo e mais um par de botas. Mas, como não existem milagres, lá se socorre ele das amadas badanas, não indo além do que se encontra em qualquer wiki-coisa deste mundo para perorar, por exemplo, sobre o homo sacer de Agamben; é de fácil detecção neste exemplo a superficialidade com que reproduz platitudes e a coxa forma como aplica o que leu: primeiro é o touro que é equiparado ao tal homem sagrado, duas linhas depois, por mágica osmose, «alargam a todos os campos as vias nuas que somos, pois os “animais protegidos” são ao mesmo tempo mortos mas insacrificáveis.» A fraude, para quem se quiser dar ao trabalho de penetrar neste emaranhado vidaliano, é óbvia. Outro dos seus pensadores “preferidos”, Badiou, foi por ele incensado como sabendo «mais – tecnicamente – de matemática que todos os matemáticos cá do burgo juntos» – desta vez, nem a badana leu com a atenção devida. E saiu asneira da grossa.
O defeito que o homem me aponta (e que se calhar até manifesto) é o melhor retrato da forma pesporrente e acintosa como o próprio Vidal acusa toda a gente de ignorância: só ele tem acesso aos arcanos de artistas desconhecidos e esotéricos como... Wagner. Maluquices mais ou menos inofensivas.
Esta receita tipicamente vidaliana – acusar aos gritos todos os outros de desconhecer a sua área profissional, a Arte – às vezes dispara pela culatra. Ainda há dias “provava” a nulidade de António Barreto através das escassas vendas que os livros deste terão; precisamente o mecanismo que denunciava nos escritos dos inimigos da cultura, que subordinam tudo à existência de públicos e de viabilidade económica. Mais maluquices a que poucos ligarão.
Como a maioria dos alienados, o Vidal é volúvel nas suas apreciações. Agora, ter-me atrevido a opinar sobre Cy Twombly é prova dos meus hábitos tão tristemente omnívoros. Mas, na altura, o crítico Vidal leu o meu reparo – «No entanto, a fase de Twombly mais caligráfica/graffiítica mantém o rasto do gesto de forma bastante mais contínua e homogénea» – e concordou: «De facto, nas pinturas aparentemente mais caligráficas, Twombly conserva uma certa homogeneidade ou continuidade de traçados.» Enfim; outro ataquito menor.
Quanto a isso do «arvorar e relevar(-se) uma “boa escrita”, um “bom português”», lamento, mas não faço de propósito. Nem o consigo evitar. É daquelas coisas que ou se tem ou não se tem. E não é a inventar neologismos como “acrobacie” que o Vidal lá chegará.
O pessoal gosta sempre de palhaços, de macacos amestrados e demais criaturas circenses; eu não sou excepção. Confesso assim o meu gosto pelas cabriolas e urros com que este amigo me recebe. E será com o maior dos prazeres que voltarei a tão divertido tema.
20/08/10
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20 comentários:
Luís,
O post do 5 dias para o qual fazes ligação, a propósito do suposto uso incorrecto da teoria dos conjuntos pelo Badiou, liga por sua vez para outro post, de outro blog que, infelizmente, parece que já não está lá.
Por acaso não ficaste com o texto? Dava-me muito jeito ter acesso a essa crítica.
Um abraço,
Bruno.
Bruno,
Com um pouco de arqueologia, ainda dei com ele:
http://web.archive.org/web/20080626220718/http://nowtimes.wordpress.com/2007/12/02/whats-wrong-with-badiou-i-mathematical-fragments-1/
A tese está a correr bem?
:-)
Um grande obrigado pelo desenterrar arqueológico deste - vai dar-me jeito, que eu saiba não há muita gente a por em causa a utilização badiouana das matemáticas.
Mas a maior parte dos que escrevem sobre o Badiou vêm das humanidades, por isso, tomam a competência dele como um dado e, mais importante, depois do esforço que fazem em compreender o texto (nada fácil) não se dão ao trabalho (ainda mais difícil) de questionar o sentido da utilização das matemáticas pelo Badiou. É que a competência numa dada linguagem não significa que os usos concretos a que submete essa linguagem não possam ser criticados. A ver vamos...
Quanto à tese, estou justamente na fase da tese em que trato desta questão da equação entre ontologia e teoria dos conjuntos. Digamos que neste momento está a andar mais do que a correr :)
Abraços axiomáticos,
Bruno
Bom, uma vez que suas reverências, o exmo. sr. Carlos Vidal e o jubiloso Renato Teixeira, colocam 'muros' aos comentários dos seus posts, autenticos 'bloqueios' à liberdade de expressão, resolvi (se os donos da casa o permitirem) publicar o ultimo comentário 'retido' pelo 'lápis azul' de suas eminências:
«Pronto já que se está nesta fase acusações e denuncias inter-blogueiras, vamos lá a isso... e meter mais carburante na cambota:
Carlos Vidal, tem que admitir... v.exa. de comunista nada tem... ou melhor, tem a impressão que é, mas não é.
Talvez ainda não tenha percebido isso, mas faça lá um exame profundo à sua consciência, inspire e expire. Faça este exercicio com calma e talvez depois consiga encontrar uma ideologia mais compativel com a sua real visão das coisas.
Eu compreendo, é dificil aceitar opinião alheia diversa da nossa... e olhar o mundo e verificar «olha que boa porra, tudo em que eu acreditava, ruiu» e então exclamar «vou apoiar tudo o que sejam regimes totalitários, pronto» e concluirá a estratégia «apartir de agora vou odiar Judeus, Israelitas ou outra coisa qualquer que os valha, pronto»
V.exa. até um bacano... quer dizer um bocadinho impulsivo (quase imperceptivel), mas isso não é defeito, é feitío.
E depois, se fossemos todos iguais, isto era uma chatice...
Revejo-me nos seus posts com a mesma vibração com que o faço com os posts do camarada Renato Teixeira. Tambem eu, oriento as minhas leituras para a substancia das coisas; ligo pouco para a forma.
Confesso-me leitor assiduo dos vossos excelentes posts. É quase uma inevitabilidade fazê-lo... é como estar na sala de espera de consultório médico e não conseguir resistir em ler a revista Maria. É mais forte do que eu.»
(Ricciardi)
Bruno
existem algumas (e boas) criticas à forma como badiou usa set theory nas suas elaborações ontológicas.
poderás encontrar inumeros ensaios sobre o assunto no www.jstor.org e no muse.edu (em Inglês) e diversos ensaios sobre o mesmo assunto em françês.
boa sorte com o doc
cumps
ezequiel
Verdade, verdadinha, Luís, tens sido arrasador para o Vidal. É um massacre! Vá lá, tem compaixão: as tuas armas são infinitamente mais poderosas. Não podes combater com os teus mísseis, quando do outro lado só há pedras...e toscas.
Há piadas e piadas, ou devemos sempre responder com o desportivismo de um gentleman inglês, mesmo se a piada for de mau gosto?
Eu confesso que também nao achei a piada engraçada e até nao aprecio (nada) o Carlos Vidal. Mas a tal "piadinha" é realmente o ridicularizar de uma tentativa de por as coisas em perspectiva como se essa tentativa fosse sempre disparatada (e nao é sempre disparatada, mesmo devendo ser deixada de fora neste caso, o que compreenderá até o Carlos Vidal). Num blog direitolas o post seria resumido a "olha, vao agora apedrejar uma gaja, aposto que estes esquerdistas conseguem exlicar porque é que devíamos aplaudi-lo, tudo em nome do multiculturalismo".
E porque é que o gozo do Luis Rainha nao se fica pelo oneliner? Eu nao sei. Deve ser para sugerir inteligência, subtileza, humor fino. Mas eu por uma vez concordo com o Carlos Vidal e também me parece só pedantismo.
Rita Maria,
já experimentou perguntar ao artista CV o que pensa ele da lapidação anunciada? O Luis Rainha desafiou-o a responder e só obteve silêncio e várias piruetas laterais sobre outros assuntos. Tem a certeza de que ele, CV, não considera a lapidação islâmica um acto de "resistência" ao laicismo, ao imperialismo e à democracia?
msp
Eu nao gosto mesmo do Carlos Vidal, mas o facto de ele ser algo primário nao significa que ao ser alvo de um ataque (nao necessariamente muito mais sofisticado, aliás) seja obrigado a responder como vocês entendem.
Eu, por exemplo, ignoro pelo menos metade das bocas que me mandam na rua e por vezes também acho que se me perguntam se quero dedicar-me ao truca-truca com um cavalheiro que passa, "vá dedicar-se ao truca-truca sozinho" é uma resposta perfeitamente válida, embora nao responda exactamente à questao colocada nem seja, hipoteticamente, a resposta que o cavalheiro preferia ouvir.
De resto, nao me parece nada que o Luis Rainha estivesse mesmo interessado na opiniao do Carlos Vidal (o que me parece justo, já que também nao me parece que a mesma tenha qualquer relevância).
Mandam-se bocas para um lado e para o outro, tudo bem, sempre foi um dos passatempos favoritos da esquerda, mas fazer de conta que um dos lados estava interessado num debate honesto e clarificador que chegasse a algum lado...enfim.
Rita Maria,
o que está aqui em jogo é a aceitação tácita à - ou a minimização da - tirania que um regime como o do Irão ilustra. Estes apoio tácito ou minimização praticados por quadrantes políticos diversos e rivais são cúmplices ou partes activas de uma política de supressão directa ou liquidação gradual dos direitos e liberdades sociais e cívicos conquistados por séculos de lutas populares e radicais. . Cf. http://viasfacto.blogspot.com/2010/08/o-silencio-de-pedra-de-um-loquacissimo.html - e também: http://viasfacto.blogspot.com/2010/08/sinais-de-peste-de-farsa-em-farsa-ate.html
Saudações democráticas
msp
Gostava muito que isso fosse verdade, mas cada vez mais me parece que o que está em jogo é um conflicto entre egos que nao contribui realmente para qualquer debate. O Luis Rainha goza com a forma de escrita do Carlos Vidal e o Carlos Vidal goza com a escrita do Luis Rainha. Aliás, basta ler as caixas de comentários dos dois posts.
PS: Quanto aos teus links, acho sempre de péssimo gosto tentar interpretar o facto de alguém nao ter escrito sobre determinado assunto. É como se existissse uma agenda oficial e quem nao se submetesse fosse suspeito, assim mais ou menos como quem se abstém nos congressos do PCP.
Rita Maria,
claro que nem toda a gente tem de escrever acerca de tudo - nem de escrever tudo o que pensa. Mas que o PCP e a sua área política ou alguns sectores afins não tomem posição perante o que se passa, ao mesmo tempo que falam todos os dias do que se passa na região, confronta-nos com um silêncio eloquente.
O Carlos Vidal e o Renato escrevem também abundantemente sobre o Médio Oriente, os regimes da região, etc., etc. Faria ou não sentido que dissessem uma palavra sobre isto? O Renato, por exemplo, celebra a renovação do equipamento bélico iraniano, mas não diz uma palavra sobre os apedrejamentos emblemáticos do regime e por ele reivindicados. Enfim, são coisas semelhantes as que tenho em vista quando falo de apoios tácitos ou de minimização da tirania. E é aqui que o ponto bate.
msp
Vou cortar este comentário:
"Anónimo disse...
No fundo, no fundo, o problema com o MSP é que se dedica demasiado ao truca-truca sozinho e sente falta de mais convívio...
23 DE AGOSTO DE 2010 21:29 "
Mas deixo-o ficar aqui na íntegra à laia de aviso à navegação: é que ele há mesmo gente assim, que escreve assim, se encolhe assim, se desgraça assim e assim tenta desgraçar todos aqueles com quem se cruza.
msp
Qual é o aviso à navegação? Que a sensibilidadezinha flor-de-estufa do Miguel Serras Pereira não vai permitir daqui para a frente graçolas, talvez um pouco insolentes, mas claramente dentro dos padrões aceitáveis em discussões como esta do pingue-pongue entre o Rainha e o Vidal?
O Miguel Serras Pereira que me perdoe, mas é que ainda por cima foi bem apanhado, o “truca-truca sozinho” já vinha da conversa mas caracteriza bem as suas masturbações intelectuais. E a “falta do convívio” caracteriza bem a sua necessidade claramente compulsiva de meter o bedelho em qualquer discussão (direito que, note-se, lhe assiste, que não contesto, nem critico, e que eu próprio utilizo neste momento).
Mas afinal, e isso é que eu gostava de perceber, qual é o aviso à navegação, isto é, a nós todos e não ao autor da graçola? O Miguel Serras Pereira vai passar a censurar as anedotas do Herman? Um célebre poema satírico da Natália Correia no Parlamento, não menos cáustico, seria censurado pelo Miguel Serras Pereira, esse grande paladino das causas da democracia libertária?
Rui Fontes
Rui Fontes,
e que tal ir experimentar esses comentários "um pouco insolentes" na imprensa iraniana? Também tem sempre, menos arriscada, a alternativa de encanar a perna à rã.
Quanto ao resto, a "censura" de que me acusa não impediu ninguém de ler o seu post - até contribuiu para lhe dar visibilidade.
O aviso à navegação? Repito:"é que ele há mesmo gente assim, que escreve assim, se encolhe assim, se desgraça assim e assim tenta desgraçar todos aqueles com quem se cruza".
msp
uau, o Bruno Peixe vai colocar em questão a forma como o Badiou utiliza a teoria dos conjuntos na sua ontologia...
Babo-me de expectativa. Sobretudo porque o homem é um profundo conhecedor da teoria dos conjuntos e renomado matemático (ah, desculpem, para falar da teoria dos conjuntos é preciso saber alguma coisa de matemática. esqueci-me que este pressuposto não abunda nestas discussões)
vamos ter livro...e se for tão bom como o do Vidal (ele que me perdoe, mas o do (sobre) o Badiou não me convence) então estamos garantidos.
e eu, aqui me confesso um ignorante em ambas as matérias - badiou e teoria dos conjuntos. mas o que sei dá e chega pra ver quando há calhordisse.
Não, Miguel Serras Pereira, está enganado e a dizer disparates: não sou eu o autor da piadinha. Mas que a sua inabilidade (censura, mas depois "à laia de aviso" já não censura) contribuiu para lhe dar visibilidade, disso não tenho dúvidas. Enfim, problema seu.
RF
RF,
problema meu? Ora essa, RF, mas não há problema nenhum. Só que, perante a sua resposta, pensei que fosse você o Anónimo do primeiro comentário e que resolvera - muito louvavelmente, seja dito sem ironia - identificar-se. Também não deve ser problema para si - uma vez que aplaude e, de certo modo, faz seu o comentário.
Até melhor ocasião
msp
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