Leszek Kolakowski (1927-2009), filósofo e historiador polaco, um dos mais importantes estudiosos críticos do marxismo, na sua obra maior “Main Currentes of Marxism”, 1978:
“Longe de ser o resultado do seu carácter científico, a influência que o marxismo alcançou deve-se quase inteiramente aos seus elementos proféticos, fantasistas e irracionais. O marxismo é uma doutrina de confiança cega num paraíso de satisfação universal que nos espera. Quase todas as profecias de Marx demonstraram serem falsas, mas isto não perturba a certeza espiritual dos fiéis porque essa certeza não se baseia em premissas empíricas ou presumíveis «leis históricas», mas, simplesmente, na necessidade psicológica de uma certeza. Neste sentido, o marxismo desempenha a função da religião, e a sua eficácia é de carácter religioso.”
(publicado também aqui)
22/10/10
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7 comentários:
Discordo em parte - acho que o que tornou o marxismo muito mais famoso que todas as correntes e sub-correntes socialistas surgidas no século XX foi exactamente a sua pretensão científica.
Penso que há que distinguir de que marxismo realmente se fala. O marxismo é científico é na medida em que critica o desenvolvimento do capitalismo e formula a hipótese do materialismo histórico; mesmo que se entenda que o capitalismo não deve ser derrubado mas reformado, deve ser dado mérito ao método científico de Marx. Sobre a sociedade a construir, de científico há muito pouco a declarar, já que essa tarefa cai no empirismo. Claro que também há debate científico, e o mais importante do século XX foi a pretensa impossibilidade do comunismo devido à impossibilidade do cálculo económico.
(Em todo o caso, o determinismo que existia a Leste - o Estado a ditar os parâmetros que desenvolvem a sociedade - devem assustar qualquer pessoa de bom-senso.)
Desconhecia o autor e a sua obra, mas esta curta citação, que me parece constituir uma conclusão baseada nalguma fundamentação, retrata bem a causa fundamental da influência social e política do marxismo. A crença no marxismo, por parte da intelectualidade, ou no comunismo marxista, e na sua variante marxista-leninista, por parte das massas operárias e trabalhadoras, é baseada nessa “confiança cega”, a fé, que também caracteriza as religiões. E porque promete o paraíso na Terra, o marxismo acaba constituindo verdadeiramente uma religião profana.
Lembrava ao comentador anterior, Miguel Madeira, que a pretensão de validade científica do marxismo pode ter contribuído para fortalecer a convicção do Marx e do Engels, talvez os únicos que o compreendiam bem ainda no século XIX, e de mais umas centenas ou milhares de adeptos intelectuais posteriormente. Mas o que foi determinante para a influência social e política do marxismo julgo ter sido não só a sua componente profética de identificação do sujeito ontológico e da sua função de remissão dos pecados da humanidade, como a sua aceitação do desenvolvimento das forças produtivas levado a cabo pela burguesia, o que lhe conferia maior exequibilidade prática, porque bastaria a tomada do poder político e a apropriação social dos meios de produção para tornar possível a construção do mundo novo que profetizava, assente no desenvolvimento contínuo das forças produtivas sociais. Isto era independente de qualquer validade científica do marxismo, que como teoria científica do desenvolvimento social ou de crítica à economia política, no que é fundamental, é uma falsidade pegada sem qualquer consistência.
Ao contrário do marxismo, todas as correntes idealistas operárias, anteriores ou contemporâneas, dos socialismos utópicos aos comunismos anarquistas, visavam a construção de nichos sociais e políticos paralelos (caso dos socialismos utópicos) ou a destruição do Estado burguês e da organização produtiva do capitalismo (caso dos comunismos anarquistas). Enquanto o marxismo se inseria na senda do progresso burguês, o aproveitava e desenvolvia; as outras utopias operárias rejeitavam a sociedade burguesa, na qual apenas viam malefícios, e preconizavam o retorno a um mundo idealizado da produção artesanal anterior ou a construção de um novo mundo baseado na gestão operária autónoma da realidade existente, desprovida das hierarquias rígidas e centralizadas que a caracterizavam, rejeitando o estado e as suas múltiplas funções de gestão e de controlo da vida económica, social e pessoal, e não aspirando à revolução contínua da produção e do consumo.
(continua)
(continuação)
Ainda hoje, mesmo perante a falência dos regimes políticos que se reclamavam do marxismo, é o comunismo marxista que continua a gerar novos adeptos políticos, precisamente pelos seus aspectos proféticos, que cada crise do capitalismo, e em particular esta que estamos atravessando, confirmaria, e pela actividade militante dos partidos comunistas, que agem como autênticas seitas de fanáticos. Estes acontecimentos, tornados mais claros pela crítica da economia política feita pelo marxismo, não conferem qualquer validade à profecia marxista da revolução proletária, mas são assim entendidos pelos adeptos, que como quaisquer fiéis devotos encontram sempre na realidade a confirmação das profecias em que crêem.
E isto apesar do que vamos vendo surgindo nos interstícios da sociedade capitalista actual serem novos tipos de relações de produção, cooperativos e com outras características mais informais, que vão substituindo o salariato, porque os produtores não vendem trabalho, mas produtos do trabalho, e que configuram nichos sociais alternativos à actual organização industrial do trabalho e à repartição do produto que lhe está associada, que se manifestam por ideologias, ainda difusas, de valorização da liberdade e de outras formas de organização social, que muito pouco, ou mesmo nada, têm a ver com a profecia marxista (encontrando-se mais próximas, ainda que sem qualquer consciência ou pretensão, da alternativa produtiva preconizada pelos comunismos anarquistas, a organização autónoma dos produtores associados).
Caro Camarada e Democrata Libertário Miguel M,
o que dizes é verdade, Mas com a seguinte reserva que torna pertinente, embora, a meu ver, incompleta, a tese de Kolakowski: o marxismo, sobretudo na sua versão kaustskyana e depois leninista, reforçou os elementos deterministas/positivistas, o naturalismo e o necessarismo histórico que o próprio Marx partilhou com os grandes racionalistas do século XIX. E tornou a ciência objecto de uma crença de tipo religioso - expressão absoluta e redentora de uma explicação última da acção humana por uma lei ou ordem de determinações exteriores que a determinariam exaustivamente e fora das quais não haveria salvação nem verdade.
Havemos de voltar a este assunto.
Até lá, fica um libertário abraço para ti
msp
Caro Miguel (M),
Pela minha parte, digo que não me parece razoável admitir que as quantidades de aderentes ao longo dos tempos do marxismo e da praxis correspondente, e hoje ainda há alguma dessa espécie em vias de extinção, se tenham guiado e se guiem pelo seu pretenso caracter científico no fundamento das adesões, essencialmente estribadas em inclinações emocionais. O fundamento parece-me genuinamente religioso. Quanto ao caracter científico do marxismo (certo na parte em que faz uma das críticas ao capitalismo; do domínio mágico quanto às previsões) é importante para camuflar a religiosidade das profecias, dado que o marxismo é a única religião que se auto-atribui méritos científicos (e absolutos). Aliás, repara que talvez 1% dos seguidores marxistas acederam aos fundamentos dos materialismo dialéctico e histórico. O grosso segue uma crença e sobretudo pratica-lhe os rituais e as liturgias.
O Leszek é parecido com o Olmert.
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