08/09/11

O Fascismo e Kadafi. Um contributo do João Bernardo para o Vias e para a discussão sobre a Líbia

O João Bernardo enviou para o Vias de Facto este contributo para o debate que aqui tem decorrido há meses sobre os acontecimentos na Líbia. A discussão continua…


Kadafi

Estou hoje a reler um pequeno livro de Karl Jaspers (La Culpabilité allemande, Paris: Les Amis des Éditions de Minuit, 1948) e é curioso ver que uma das acusações que ele proferiu contra as potências aliadas foi a de não terem tomado a iniciativa de fazer guerra contra a Alemanha logo depois de 1933, para porem termo à ditadura hitleriana. E é bem conhecida a indignação dos republicanos espanhóis pelo facto de a França não os apoiar militarmente na guerra civil, quando o Reich, a Itália e Portugal apoiavam os nacionalistas. Se houve reclamações pelo comportamento da União Soviética na Espanha, elas não se deveram à sua intervenção militar na guerra civil, que foi elogiada por todos no lado republicano, mas ao facto de essa intervenção ter sido considerada insuficiente e ainda à intromissão policial nas disputas políticas internas ao campo republicano. E devemos ter presente que, sem a intervenção militar dos comunistas sensatos do Vietnam, os comunistas paranóicos ainda hoje governariam o Cambodja.
Mas agora o facto de os Estados Unidos e alguns membros europeus da Nato terem posto os seus aviões a bombardear as forças de Kadafi serve para conferir uma aura progressista ao anterior regime líbio. É claro que os Estados Unidos e a União Europeia procuram aproveitar os acontecimentos na Líbia. Que outra coisa se poderia esperar? Do mesmo modo, tentaram desde início aproveitar a revolta popular no Egipto e noutros países árabes e continuam a tentá-lo. Tal como o Reino Unido, usando Armindo Monteiro, e depois os Estados Unidos, usando Júlio Botelho Moniz e finalmente Mário Soares, tentaram aproveitar-se da insatisfação popular em Portugal e conseguiram fazê-lo. Vamos defender o salazarismo em nome da independência nacional e do antiamericanismo? Aparentemente, continua a existir uma porção da esquerda que não aprendeu a grande lição da guerra fria — as consequências funestas de confundir as lutas sociais com a geopolítica.
Aqueles que, na esquerda, usam o pretexto da intervenção da Nato para defenderem o regime de Kadafi fariam talvez bem se lessem uma das obras do melhor dos teóricos fascistas do pós-guerra, o francês Maurice Bardèche. Em Qu’Est-ce que le Fascisme? (Paris: Les Sept Couleurs, 1961) Bardèche censurou aos neofascistas do seu país a reacção «sentimental» que os levava a lutar pela presença da metrópole no Norte de África, sem verem que estavam assim a defender também «os interesses da democracia plutocrática». «É preciso escolher as suas guerras», preveniu Bardèche, e em vez disso os neofascistas aceitavam todas. «Eles não examinaram se, na realidade, os nacionalistas argelinos não fazem parte dessas forças que querem estabelecer regimes novos e autoritários, independentes de Washington e de Moscovo» (o raciocínio foi desenvolvido nas págs. 116-121 e as passagens e expressões citadas encontram-se nas págs. 116 e 119). O que permaneceu em filigrana nas observações de Bardèche, demasiado escandaloso para se afirmar claramente, é que na guerra da Argélia o fascismo estava talvez do lado dos independentistas. Mas o sentido das suas conclusões é tanto mais claro quanto no capítulo seguinte Bardèche se dedicou a mostrar o carácter fascista do regime de Nasser, para detectar adiante um carácter nasseriano em alguns elementos do FLN argelino (págs. 123-130 e 149-150). O carácter fascista do regime de Nasser foi reconhecido até pelo teórico neofascista italiano Adriano Romualdi, apesar de ele circunscrever o fascismo à Europa e criticar Bardèche por ter classificado como fascismos vários terceiro-mundismos. «O único fenómeno extra-europeu que, com um pouco de boa vontade, se poderia definir como “fascista” é o Egipto de Nasser, onde efectivamente se procurou enxertar uma mística da antiga cultura árabe sobre uma disciplina política revolucionária», escreveu Romualdi (citado em Francesco Germinario, Estranei alla Democrazia. Negazionismo e Antisemitismo nella Destra Radicale Italiana, Pisa: Biblioteca Franco Serantini, 2001, pág. 45). Ora, tudo o que se disser acerca do nasserismo deve ser multiplicado por dez acerca do regime de Kadafi.

João Bernardo

26 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro João Bernardo ao que parece também se aplica como uma luva esse juízo sobre «as consequências funestas de confundir as lutas sociais com a geopolítica» a este seu texto.
As ilusões do passado sobre esperar ajuda dos países democráticos na Revolução Espanhola ou sobre a «ajuda» da União Soviética aos movimentos de libertação, que custou bem caro, seria suficiente para entender que devem ser os povos a travar as suas próprias lutas.
Toda a intervenção militar de outros Estados, nas lutas sociais ou nacionais alheias, é sempre motivada por seus interesses «geo-estratégicos».

Contra-a-Corrente disse...

Para quem escreveu um livro «Labirintos do Fascismo. Na Encruzilhada da Ordem e da Revolta» com 959 páginas o João Bernardo não pode enveredar pela análise de mesa de café de assimilar Kadafi ao fascismo. Para isso bastam os porta-vozes do pensamento único para quem tudo que não é democracia representativa é fascismo...Isso quando não são os regimes «nossos amigos», pois nesse caso podem ser chamados de autoritários ou paternalistas.
Afinal, agora fico curioso, em Portugal houve ou não «fascismo»?

João Bernardo disse...

Quanto à primeira das observações, se é verdade que as lutas têm de ser travadas pelos próprios, parece-me igualmente certo que não basta uma intervenção estrangeira para denegrir uma luta.
Quanto à segunda observação, duas coisas. Uma, eu citei autores fascistas que consideraram o nasserismo como um fascismo (e assim o considero também por motivos que exponho no tal livro, e creio que o mesmo se pode aplicar ao regime de Kadafi). Outra, eu nunca considerei senão como um fascismo, com todas as letras, o regime político que vigorou em Portugal desde 1926 até 1974. Nunca lhe chamei outra coisa, pela simples razão de que foi um fascismo.

Anónimo disse...

São textos como este- juntamente com os de Jorge Valadas- que nos podem dar a coragem suplementar para acentuar o combate contra a ilusão e o hipnotismo claudicante das soluções dualistas e simplistas do marxismo esterilizado. Como sublinhou Castoriadis, " Não existem deuses nem diabos. Não existem na História processos automáticos. Não existem na sociedade capitalista processos revolucionários que alcancem uma significação e uma revelação definitivas para serem facilmente entendiveis pelos que lutam". No caso libio, no meu entender, e como nenhuma " significação histórica é irrevogável e fechada ",urge pensar como é que um bloco de potências, as principais do G-8, conseguiram impôr e ultrapassar uma situação de contenção e defesa da vida das populações autóctones,mas que tinha merecido a abstenção ruidosa da Alemanha, a 2.a potência industrial do Mundo,
em conjunto com os BRICS- Brazil, Russia, India?!? Existiu -ou não?- violação da determinação 1973 do C.de Segurança da ONU? E que lógica - de guerra neo-colonial?- presidiu aos bombardeamentos indiscriminados por todo o território? Claro, como Hitler Kadafi conseguiu escapar a intentonas e atentados múltiplos ao longo dos anos, mas os misséis de cruzeiro ainda são infalíveis. Niet

O rural disse...

No seu Livro Verde, Kadafy preve a supremacia africana para breve, sobre todo o globo.

A.Silva disse...

"Aqueles que, na esquerda, usam o pretexto da intervenção da Nato para defenderem o regime de Kadafi"

Olha mais um aldrabão a exemplo de msp, para eles quem não abana o rabinho de satisfação pelos 50 000 mortos provocados pelos mais de 10 000 bombardeamentos da nato, é a favor de kadafi, já salazar pensava da mesma forma

Luís disse...

(É completamente lateral ao assunto, desculpem)

"Se houve reclamações pelo comportamento da União Soviética na Espanha, elas não se deveram à sua intervenção militar na guerra civil, que foi elogiada por todos no lado republicano, mas (...) à intromissão policial nas disputas políticas internas ao campo republicano."

Pá, um certo understatement... Chamar à aniquilação de milícias e partidos, e de seus membros, uma intromissão policial é como dizer que a guerra colonial era um mero caso de polícia... Eles não estarão cá para o dizer de viva voz, mas diria que o Orwell e o Nin não se identificariam com tal formulação...

Miguel Madeira disse...

Penso que o Jaime Nogueira Pinto também tem uns textos em que fala da admiração que (nos tempos do Movimento Jovem Portugal) tinham pelo Nasser e pelo Ba'ath; segundo este livro, o "Movimento Nacionalista" (oposição pela direita ao Marcello Caetano) também andava por esses caminhos.

Acerca do Kaddaffy, ele sempre reuniu uma ecléctica rede de admiradores - em Inglaterra os seus maiores defensores eram, por um lado, a Socialist Labour League (trotskista, da linha equivalente ao POUS em Portugal), e por outro uma das facções da National Front, que distribuia o "Livro Verde" nos comícios.

tempus fugit à pressa disse...

O regime fascista (todos os militares são fascistas aparentemente) foi considerado progressista pelos fascistas do exército mais que encarnado

Tal como o regime Angolano ou Paquistanês são democracias fascistas de partido múltiplo
(em que o exército é o suporte, de resto como todos os regimes)

O livro verde também era distribuido pela associação de amizade Portugal-Bulgária e Pretugal-Cuba e tantas outras que ficavam ao pé dos largos catarina eu fémia.

Curiosamente até havia um livro
"como se faz um fascista" de 1975 ou 76

uma porno-chanchada de um italiano
em que o adolescente mostrava a sua veia fascista por gostar de livros da 2ªguerra, não conseguir coisar (logo sexualmente inadaptado e tal como Polpot não podia ser de esquerda)

e revelando a sua mentalidade burguesa ao não querer participar numa menáge a trois virado na direcção de MEca

era uma caracterização do fascismo

tal como Mubarak

ou o último dos primeiros Absolutistas do XXº que se chamou
kÁ DÁ FIGOS?

HÁ absolutismo faz s'isto?

Anónimo disse...

Eric Denécé, director do Centro de Pesquisa francês sobre Espionagem, publicou no Le Monde, a 8 do corrente, um artigo que reforça o papel essencial da NATO e de vários países do Golfo no processo vitorioso final da queda da ditadura de 42 anos na Líbia. Destacando a combatividade no interior do teatro de guerra dos elementos do Grupo Islâmico Combatente líbio( GICL), com fortes ligações ao Al-Qaida, Denécé salienta o papel das brigadas da Cia e da Royal Navy inglesa junto dos revoltosos, desde o início da sublevação. A que seguiram por efeito de contágio a actuação no terreno junto dos núcleos de combatentes de comandos de intervenção secreta da França, Itália,Egipto, Qatar e Emiratos Unidos. E, ponto fundamental, o director do CF2R, sublinha que, apòs o assassinato do general Abdel Fatah Younès, o primeiro comandante militar dos revoltosos, representantes dos " Estados Ocidentais e dos países do Golfo exigiram a demissão do governo da C.N.L. e tomaram conta da direcção das operações( militares), o que acelerou o desfecho do conflito ". Niet

JPFonseca disse...

Caro João Bernardo:

Parece-me indispensável que nos indique quais são "Aqueles que, na esquerda, usam o pretexto da intervenção da Nato para defenderem o regime de Kadafi", porque, de facto, este acontecimento escapou-me.
É que, não esclarecendo isto, o seu texto é entendido como uma defesa inaceitável de uma guerra onde 50.000 mortos fedem a petróleo.

Jagganatha disse...

kadafistas são episódicos

THE NEVER ENDING WAR - NINE ELEVEN THE MILLENIUM WAR
Death is more universal than life; everyone dies but not everyone lives

A war to achieve limited aims is basically a war staged either to show the enemy the U.S. of A. strength (Show of Force) or to claim a part of the enemy's (THE AXE OF EVIL) surplus as your own.
A perfect example of this case scenario is the 2001 Afghan war, 2003 Irak Ipod Invasion and 2008 South Ossetian War, where the American's and Russian's decisively defeated the EVIL FORCES, but as the objective itself is to "Liberate" the breakaway ANGELS,the Political and Military power is neutralized.
Therefore, having a limited aim or objective, it qualifies as a "War to achieve limited aims it a livespan of 10 or 20 years of occupation".

A war to neutralize and render the opponent politically and militarily powerless is a war to completely defeat the EVIL enemy and reduce (is numbers) from a threat to a relatively benign threat(by means of massive killing)

At the end of World War I, the Western Powers (Britain,France and the United States) defeated Imperial Germany , the Otto man's and The Austrian Empire

the resulting armistice rendered them powerless until 20 years later

Therefore, as the Allies had turned their opponent into a Politically and Militarily powerless state, World War I and W.W II could be considered as a "war to neutralize and render the opponent politically and militarily powerless" .


The Outcome of war will favor those who employ the most force and resources?

well if they have resources enough to spend


the outcome of war will favor those who employ the most force and resources....not
Автор: jagga nathan кешин на 8:13
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Ярлыки: AND THE WAR GOES ON

desde o velho Churchill que em 1915 pôs o mazute a substituir o carvão

todas as guerras fedem a oil

Anónimo disse...

O Chavez, o Daniel Ortega, vários autores publicados no site repelente rubro-castanho resistir.info, certas seitas trotskistas, todos eles são de esquerda ou admirados pela esquerda e apoiam o carniceiro kadafi.

contra-a-corrente disse...

O «arroto democrático» já vai em carniceiro...Daqui a pouco dirão que foram descobertas orelhas dos inimigos no frigorifico do Kadafi. Os comentadores, já que não têm idade, penso eu, para ter vivido o estalinismo ou o nazi-fascismo, entusiasmam-se com a crítica apaixonada aos regimes autoritários que temos.
Dessa forma talvez fiquemos todos definitivamente convencidos com a famosa frase de Churchil sobre o regime democrático.
É o melhor que o género humano conseguiu e, pelos vistos, não poderemos ir além disto!
Para mim é pouco, muito pouco, quase nada.

JPFonseca disse...

Caro Anónimo:

Obrigado pela ajuda. Mas não encontrei no resistir.info a defesa de kadafi que diz ter existido. Pelo contrário, encontrei um texto de Miguel Urbano Rodrigues, jornalista e escritor do PCP, que diz: "O dirigente líbio não me inspira hoje respeito. Acredito que muitos dos seus compatriotas que participam na rebelião da Cirenaica e exigem o fim do seu regime despótico actuam movidos por objectivos louváveis.". E mais à frente "os desmandos de Muamar Khadafi". E naturalmente, para além da crítica a Kadafi, faz a denúncia dos crimes que, na sua opinião, o ocidente executou e prepara na Líbia (aqui:http://resistir.info/mur/libia_26mar11.html).
Pode dar-me indicações mais exactas sobre as declarações que cita?

Anónimo disse...

Não penso perder tempo agora vasculhando esse covil conspiranóico, em todo o caso já lá vi matéria pior, julgo ter lido lá textos que difundem a ideia de a rebelião ser encenada e falsamente relatada pelos media "ocidentais". Em todo o caso li esse tipo de coisas em textos de autores abundantemente difundidos nesse site. O Rodrigues não se candidatou a um prémio atribuído pela república islâmica do irão? Li um texto dele em que compara a cultura norte-americana e o ambiente que se vive nesse país, e ao que parece a gesticulação dos jovens ianques perturba-o mais que a lapidação de mulheres e a tortura aplicada a militantes do movimento operário. O prémio será chorudo?

Anónimo disse...

errata: gesticulações dos jovens ianques em concertos de rock.

João Bernardo disse...

Peço desculpa a J. P. Fonseca pelo carácter tardio da minha resposta.
No Brasil, onde resido, é corrente a apologia de Kadafi pela esquerda contrária à intervenção. Quase diariamente recebo mensagens com artigos onde essa apologia é feita. Ainda para mais, Hugo Chávez tece rasgados elogios a Kadafi e ao seu regime, e como no Brasil a esquerda nacionalista (os dois termos são aqui quase sinónimos) é chavista, gostando de tudo o que Chávez gosta e destestando tudo o que ele não gosta, essa identificação fica reforçada.
A leitura de alguns dos outros comentários fez-me recordar que durante a segunda guerra mundial a resistência na Europa ocupada pelos nazis, desde a França até à Jugoslávia, foi activamente promovida e apoiada pelo SOE britânico. Acerca do SOE é interessante, por exemplo, a obra de um dos melhores especialistas da segunda guerra mundial, M. R. D. Foot, «SOE: An Outline History of the Special Operations Executive, 1040-1946». Isto fazia com que não só as autoridades do Terceiro Reich mas a extrema-direita dos vários países ocupados considerassem a resistência como terrorismo ao serviço do estrangeiro. Aliás, é interessante que um historiador conservador britânico, Martin Gilbert, na sua obra sobre a segunda guerra mundial, tende a atribuir todas as acções de resistência ao apoio logístico fornecido pelo SOE. Mas os historiadores franceses da resistência pouco ou nada falam do assunto.

JPFonseca disse...

Caro João Bernardo:

Obrigado pela resposta.
Daquilo que procurei parece que a esquerda portuguesa alinha pelas teses De M.U. Rodrigues: acha que a guerra é a pior solução, condenam Kadafi, e prevêem o pior para a Líbia.

Usando a pista que me deu, Marcos Domich do P C Brasilheiro alinha pelo mesmo tipo de critica de MUR, embora num texto mais curto http://pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=2535:a-guerra-suja-contra-a-libia&catid=43:imperialismo.
Já no site do PCdoB não encontrei um único texto que avalie o contexto político do regime de Kadafi. Embora um deles saliente os elevados indicadores de desenvolvimento humano, alguns dos quais confirmados pela CIA e SÓ UMA VEZ refere o carácter repressivo do regime. (Aqui: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/ly.html).
Em resumo, estes textos focalizam a guerra e o futuro da Líbia, não analisam o regime de Kadafi.

Já relativamente a Chavez não encontrei fontes directas. Apenas artigos em que dizem o que ele terá dito. E é pena pq o homem é um desbucado, mas a imprensa aldraba. Poderia fazer-me chegar as fontes?

Caro João Bernardo: aquilo que é criticado nos textos que citei escritos por gente de esquerda, NÃO é a intervenção dos serviços secretos numa guerra. É a necessidade, é a mais-valia, de começar uma guerra.

Talvez concordemos que para resolver problemas políticos, a guerra deve ser a última solução.
Talvez concordemos que a população da Líbia ganhava se as mudanças políticas não fossem fomentadas através de uma guerra, da destruição das infra-estruturas públicas, de 50000 mortos e um número desconhecido de estropiados.

Não acha?

João Bernardo disse...

Caro J. P. Fonseca,
Desta vez a minha resposta é mais rápida. Quanto à esquerda brasileira, entendida aqui como situada na oposição de esquerda ao actual governo, o PC (que na verdade é uma reconstituição do antigo PC, visto que o original rumou ainda mais para a direita e mudou de sigla) praticamente só tem expressão na universidade pública, entre os docentes, não os alunos. O PcdoB faz parte da coligação governamental. O PSTU tem mais expressão sindical do que política e o mesmo se pode dizer do Psol, embora em menor grau. Na caleidoscópica Quarta Internacional só o PSTU tem alguma importância no Brasil, mais pelos sindicatos do que pelo partido propriamente dito, mas trava-se uma acesa disputa entre as minifacções quanto ao carácter do kadafismo. Se o assunto lhe interessar, pode talvez começar por aqui http://lutamarxista.org/artigos/internacional/textosinternacional/libiacombaterimperialismo.html e por aqui http://lbi-qi.blogspot.com/2011/08/pstu-agente-da-contrarrevolucao-na.html e depois é como as cerejas, puxa-se uma e vêm muitas atrás. De qualquer modo, tudo isto, mesmo somado, é pouco significativo, porque os componentes importantes da actual esquerda brasileira são os movimentos sociais, dos quais o principal é o MST, mas há a acrescentar os Sem-Tecto, os Desalojados por Barragens, as variantes do Movimento Negro e vários outros, e é neste meio diversificado e de fronteiras pouco definidas que alcança enorme difusão um nacionalismo pretensamente de esquerda. Os artigos e links que me enviam enaltecendo o regime de Kadafi têm sobretudo essa origem.
Igualmente interessante é procurar nos últimos números do Pambazuka News ( http://www.pambazuka.org/en/ ) notícias sobre a Líbia, geralmente elogiosas do regime de Kadafi. Ora, o Pambazuka dá bastante relevo às posições da esquerda nacionalista africana, e não só, porque tem artigos muito interessantes sobre lutas sociais. Ora, isto torna ainda mais significativos os referidos apoios.
Quanto ao Chávez, na época o seu apoio a Kadafi foi bastante difundido, tanto na imprensa de língua inglesa como na brasileira, creio que isto é incontroverso.
Mas o fundamental é a sua pergunta final, e estou de acordo com o que diz. Neste meu texto eu não apoio a intervenção militar da Nato, mas faço uma coisa muito diferente, que é chamar a atenção para os dois pesos e as duas medidas a que a esquerda frequentemente recorre para analisar um lado e o outro. Recordei várias lutas sociais e políticas que a esquerda sempre defendeu apesar de elas terem sido auxiliadas por intervenções militares estrangeiras. Portanto, no caso presente da Líbia, não me parece que bastem os bombardeamentos aéreos da Nato para inferir que os revoltosos são mercenários do imperialismo. E muito menos para situar Kadafi na esquerda anti-imperialista. É este, tão-somente, o objectivo do meu texto.

tempus fugit à pressa disse...

O último dos absolutistas norte-africanos?

Duividoso...quantoo a ser fasciste

é o mesmo que dizer que Jean Bedel era nacional-socialista por massacrar (e comer ) os inimigos políticos ou os suspeitos de serem suspeitos

ou os ruandeses hutus de recriarem o holocausto artesanalmente e com recurso a produto nacionalizado

há neofascismos e neosocialismos

e outras ideologias feitas de retalhos

Mas os capo de regime

variam assi como a sua falta ou excesso de conteúdo ideológico

Miguel Lopes disse...

"as consequências funestas de confundir as lutas sociais com a geopolítica."

As duas entrecruzam-se.
Eu também não defenderia Salazar perante uma invasão da NATO, mas tendo em conta a informação que recolhi sobre a Líbia, e até prova em contrário, acho muito descabelado comparar a Jamahiriya ao Estado Novo.
Na Líbia o poder legislativo e executivo são função do Congresso Geral do Povo, composto por 2700 mandatários dos congressos populares de base. Qualquer líbio pode votar, submeter propostas à votação e escolher o seu mandatário no Congresso Geral.
Não existe um Primeiro-Ministro, nem um Presidente. Gaddafi não tem qualquer poder na hierarquia do Estado desde 2 de Março de 1977 com a abolição do Concelho da Revolução. Gaddafi tem apenas um título honorífico de "Guia da Revolução", que não lhe confere poderes nenhuns. É nessa qualidade que é escolhido para falar na ONU, Liga Árabe, etc..

E perante as forças que se confrontam, eu não hesito em escolher aqueles que permanecem leais ao regime, contra essa mistela de apoiantes da antiga monarquia, NATO e jihadistas, a que chamam "rebeldes". A menos que surja na discussão alguma evidência que refute a forma como eu descrevi a Jamahiriya.

Cumprimentos

tempus fugit à pressa disse...

kadahfi tinha o poder real e económico

optou por não criar um estado
e tornou-se figura paternalista

como o papá Mao ou Estaline

mas as crianças eram muitas
mais do que os pais

e em 42 anos cresceram

e o papá envelheceu

o facto de ter apoiantes que ainda se batem resulta mais da incerteza

e dos ajustes de contas
como da anarquia que se segue à sua queda

mas cada qual...vê as suas figuras de proa (e põe-lhes etiquetagens)

Anónimo disse...

O grande equilibrio ético, o tom fraterno e a abertura dinâmica e simples- como que a pensar em voz alta- da troca de pontos de vista entre os comentaristas e João Bernardo, o autor do texto, necessitam de mais aprofundamento e análise. Há questões de teoria política e de análise textual/lógica a discriminar e resolver, por forma a evitar objectivismos ilimitados sem alcance histórico transformativo. Os valores e os factos argumentativos nem sempre batem certo, ou existe o perigo de se alimentarem confusões e aporias numa interpretação rasa mesmo em relação a um estado, a Líbia, que se assumia como " socialista " e fazia gala em ter orgãos repressivos descentralizados a cem por cento... A plena discussão do texto de J. Bernardo ainda não está terminada, creio. Há um conjunto muito poderoso de politológos e ensaiastas adstritos ao Vias que deviam intervir e esclarecer, na minha modesta opinião, claro. É uma ocasião soberana para avançar no sentido de esclarecer o que Castoriadis aponta com muita subtileza: " O objectivo da autonomia conduz à interpretação do que a ela se opõe como fazendo parte do imaginário instituído e autonomizado; e em relação ao projecto revolucionário isso traduz-se pelo questionamento do imaginário instituído ".
No Democracia Now! apareceu ontem uma entrevista com Noam Chomsky, em que ele sublinha - recorrendo a um estudo elaborado em 1958 para o Presidente Eisenhower- que o povo árabe sempre protestou contra o facto dos USA protegerem ditaduras ferozes na zona e nada fazerem pela sua derrota...Ontem como hoje! Chomsky alerta para o facto dos USA terem hoje espalhadas mais de 900 bases militares através de 130 países.Niet

Anónimo disse...

O grande repórter do Il Manifesto, Manlio Dinucci, escrevia ontem no seu diário que irão ser os fundos soberanos ( de Estado) líbio descongelados, orçados em cerca de 220 biliões de dólares, que irão sustentar o pleno de reformas preconizado pelo FMI,e que apresenta como traços fundamentais " abrir a economia às multinacionais, privatizar as propriedades públicas e endividar a economia ".
O analista italiano destaca o valor potencial da qualidade do petróleo e gaz libio bem como as gigantescas reservas de água doce- ouro branco-calculadas em cerca de 150 mil quilómetros cúbicos. O FMI- siblinha Manlio Dinucci- depois da reunião do G8 em Marselha há dias, está pronto a " enviar o mais depressa possível para a Líbia uma equipe para fornecer assistência técnica, conselho político e apoio financeiro para reconstruir a economia e começar as reformas ". Niet

Anónimo disse...

Fukuyama e Richard Perle, dois reputados teóricos neo-conservadores, visitaram Kadafi em Tripoli poucos meses antes da intervenção da NATO, prova provada da sustentada iteração da real- politik posta em prática pelos USA e seus aliados. Quem o afirma é David Gibbs, historiador da Uni. do Arizona, no Counter-Punch. Gibbs alude à violação da resolução 1973 do CS da ONU e, por outro lado, indica a sabotagem do embargo do fornecimento de armas quebrado pela NATO e seus aliados, o que lhes proporcionou rearmar os revoltosos. Niet