01/03/12

Abutres & Lobos

Os prémios recentes a dois filmes portugueses não amansaram os proponentes de uma arte apenas dependente dos mercados. Pelo contrário; na imprensa e nas redes da internet proliferam esconjuros contra os “subsídio-dependentes”. Isto nada tem de inesperado; todas as religiões produzem resmas de fanáticos, e o liberalismo não é excepção. Mas não veremos os mandantes desta malta a ruminar cretinices similares; os banqueiros gostam de coleccionar o bom gosto que dá um ar respeitável à mais nova das fortunas; quem não se lembra do patusco comendador Berardo disfarçado de artista da rive gauche, boina e tudo? Os políticos com ânsias de estadistas, idem. O tempo é dos abutres. Dos que se lambuzam com as sobras dos poderosos. Debaixo dos escombros da crise crescem magotes de cogumelos tóxicos, chefias que despedem gente mais competente que eles, sem perderem uma só batida de coração. E dúzias de necrófagos de teclado, sempre em bicos de pés para impressionar os carnívoros a sério. É o regresso à “ordem natural das coisas”, em que os fortes comem os demais e estes só têm é de fazer bicha para o almoço. Entretanto, no mundo real, os abutres passam fome por faltar quem tenha tempo para legislar a seu favor. E programas para conservar muitas outras espécies estiolam ao sol da austeridade. É assim o mundo que vai sobrar depois de esta malta o ter remodelado à sua imagem: sem qualquer herança que possamos deixar aos nossos filhos, “imaterial” ou outra. Assim será o mundo destes abutres.

0 comentários: