15/03/12

Sistemas monetários-financeiros alternativos

A propósito da discussão entre o ladrão de bicicletas João Rodrigues e o insurgente Luciano Amaral sobre o sistema financeiro actual e as suas possíveis alternativas (socialização? "disciplina do mercado", quiçá com regresso ao padrão-ouro?), deixo aqui as opiniões de 3 pensadores do século XIX (pelo menos dois deles - provavelmente os menos conhecidos - escreverem em épocas e contextos em que as "corridas aos bancos" - e respectivas falências - eram frequentes) sobre o assunto:

Pierre-Joseph Proudhon - Solution of the Social Problem [pdf, traduzido para inglês por Henry Cohen, em 1927]; como o nome indica, fala sobre muita coisa, mas grande parte do texto tem a ver com a organização do sistema de crédito

Lysander Spooner - A New System of Paper Currency

Benjamin Tucker - Free Money First, Free Banking, Necessity for a Standard of Value e The Redemption of Paper Money: alguns ensaios do autor sobre a moeda e o crédito

10 comentários:

Diogo disse...

Ponderem neste sistema financeiro alternativo:

http://citadino.blogspot.com/2011/11/e-se-caixa-geral-de-depositos-criasse.html


E se a Caixa Geral de Depósitos criasse uma conta especial de depósitos à ordem – a Conta Especial CGD - através da qual todos os empréstimos seriam concedidos a um juro fixo de 1%?

Esta conta especial de depósitos à ordem – a Conta Especial CGD estaria apenas sujeita a duas restrições:

1 – Da Conta Especial CGD só poderia ser transferido dinheiro para outra Conta Especial CGD - seja por cheque, multibanco, home banking (transacções bancárias através da televisão ou do computador) ou qualquer outro meio.

2 – Da Conta Especial CGD não seria permitido levantar dinheiro em numerário - notas ou moedas – seja ao balcão de uma sucursal, seja num multibanco.

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Para compreender melhor as vantagens da Conta Especial CGD é necessário perceber primeiro como funciona a política de crédito da Banca:

Comprei há meses um excelente livro - Política Monetária e Mercados Financeiros. O livro, síntese da experiência de ensino ao longo dos últimos dez anos dos autores Emanuel Reis Leão, Sérgio Chilra Lagoa e Pedro Reis Leão, na área da economia monetária e financeira, explica-nos, de forma muito simples, a forma como os bancos comerciais, em conluio com o Banco Central Europeu, perpetram diariamente um roubo de proporções inimagináveis às famílias, às empresas e aos Estados.

Logo no primeiro capítulo do livro este processo é descrito de forma magistral:

a) Um banco concede crédito a uma família no valor de 100.000€ para a compra de uma casa, creditando a conta de depósitos à ordem dessa família no montante de 100.000€.

b) Para essa operação, um funcionário do banco altera os números que estão registados informaticamente na conta à ordem da família, somando 100.000€ ao valor que lá se encontrava anteriormente.

c) Esse dinheiro não existia antes em lado nenhum. O banco cria-o a partir do nada - algum funcionário do banco altera os números que estão registados informaticamente na conta à ordem da família, somando 100.000€ ao valor que lá se encontrava anteriormente.

d) O facto de, como resultado dessa operação, terem surgido mais 100.000€ de Depósitos à Ordem no passivo do banco, obriga a sua área de tesouraria a tomar medidas para que o banco continue a possuir reservas suficientes, tanto para cumprir as obrigações legais em termos de reservas (2% na Zona Euro), como para fazer face a eventuais cheques que a família venha a usar e satisfazer eventuais pedidos de conversão de Depósitos à Ordem em notas e moedas físicas pela família.

Dadas as situações simétricas entre bancos, em que, em média, a quantidade de notas, moedas e cheques que sai de cada banco é aproximadamente igual à que entra, o montante de reservas necessário para suportar o acréscimo de Depósitos à Ordem é comparativamente reduzido. Ou seja, para fazer face às exigências referidas para um empréstimo de 100.000€, o banco necessitará aproximadadmente de 3.500€ em reservas adicionais (1.500€ para cheques, notas e moedas, e 2.000€ para reservas legais).

e) Estas «operações» são tornadas possíveis porque os bancos comerciais funcionam em circuito fechado - o dinheiro levantado num banco é depositado noutro, e actuam sob a batuta dos bancos centrais, na sua maioria privados ou geridos por privados, que determinam as taxas directoras e regulam os movimentos financeiros entre os bancos comerciais.

f) Findo o prazo do empréstimo, a família pagou ao banco os 100.000€ que pediu emprestado (e que o banco criou a partir do nada), e, muito provavelmente, pagou em juros uma quantia várias vezes superior ao valor do empréstimo.


Esta fraude sem nome acontece quotidianamente em todos os empréstimos dos bancos comerciais às famílias, às empresas e aos Estados. Haverá roubo maior na história da civilização?

(Continua)

Diogo disse...

(Continuação I)

Funcionamento da Conta Especial de Depósitos à Ordem

A Conta Especial CGD

1 - João pretende comprar uma casa a Afonso no valor de 100.000€. Para tal precisa de um empréstimo nesse valor. Nesse sentido, abre uma conta especial de depósitos à ordem – a Conta Especial CGD, que lhe garante uma taxa de juro de apenas 1%.

2 - João vai falar com Afonso para saber se este tem uma Conta Especial CGD na Caixa Geral de Depósitos e, caso não tenha, se este aceita abrir uma conta deste tipo neste banco.

3 - Se Afonso já tiver, ou não tendo, se aceitar abrir uma Conta Especial CGD, então João pede um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos no valor de 100.000€. Este banco abre-lhe uma conta especial de depósitos à ordem – a Conta Especial CGD, e um funcionário do banco digita 100.000€ nessa conta.

4 - No acto da compra da casa, a Caixa Geral de Depósitos transfere os 100.000€ da Conta Especial CGD do João para a Conta Especial CGD de Afonso.

5 - João ficará a pagar apenas as amortizações do capital e os juros de 1% sobre o montante emprestado, ao contrário do que faria se não tivesse uma Conta Especial CGD, ou tivesse pedido um empréstimo a um banco privado, onde ficaria sujeito às flutuações dos juros (em função da taxa Euribor) substancialmente mais elevados e ao pagamento de spread (taxa de lucro dos bancos).

6 - A Caixa Geral de Depósitos cobraria apenas 1% de juros pelos empréstimos que efectuasse através das Contas Especiais CGD, percentagem necessária para cobrir os custos operacionais do Banco (balcões, rendas, salários, hardware e software, etc.). A Caixa Geral de Depósitos não cobraria spread.

7 - João teria de dar todas as garantias actualmente em vigor neste tipo de transacções à Caixa Geral de Depósitos. A casa ficaria hipotecada à Caixa Geral de Depósitos até ao pagamento integral da dívida por parte do João. Este pagaria igualmente seguro de vida, seguro multirriscos, seguro habitação, custos de aberturas do processo, despesas de avaliação e outras despesas.

8 - João fica com uma dívida de 100.000€ à Caixa Geral de Depósitos e Afonso fica com 100.000€ disponíveis na sua conta na Conta Especial CGD. Repare-se que a Caixa Geral de Depósitos não desembolsou dinheiro algum. Limitou-se a abrir duas contas, uma que creditou – a de Afonso – em 100.000€, e outra que debitou – a de João – em 100.000€. A Caixa Geral de Depósitos procedeu apenas a um movimento contabilístico. A CGD terá também de possuir reservas suficientes para cumprir as reservas legais (2% na Zona Euro) - 2.000€ neste caso.

9 - Agora, Afonso, que possui uma Conta Especial CGD com 100.000€, pretende comprar um automóvel no Stand Autocar no valor de 20.000€.

10 - Mas Afonso só pode transferir dinheiro da sua Conta Especial CGD para outra Conta Especial CGD.

11 - Afonso vai falar com Jorge, o dono do stand Autocar, para saber se este tem uma Conta Especial CGD e, caso Jorge não tenha, se este aceita abrir uma conta deste tipo neste banco.

12 - Se Jorge já tiver, ou não tendo, se aceitar abrir uma Conta Especial CGD, este banco credita a conta de Jorge em 20.000€ e debita à conta do Afonso a mesma importância. Atente-se, uma vez mais, que a Caixa Geral de Depósitos não desembolsa dinheiro nenhum. Procedeu novamente apenas a um simples movimento contabilístico.

13 - Afonso, com os 80.000€ que lhe restam na Conta Especial CGD depois da compra do automóvel, continuará, eventualmente, comprando ou pagando bens e serviços da mesma forma, recrutando, no processo, novos clientes para Contas Especiais CGD.

(Continua)

Diogo disse...

(Continuação II)


Conclusão

Dado a pequeno valor das taxas de liquidação dos empréstimos: 1% de juros somado à ausência do pagamento de spreads, as famílias e as empresas teriam clara preferência pela Conta Especial CGD como método financiador. O número de Contas Especiais CGD de compradores e vendedores neste Banco cresceria exponencialmente, bem como a quantidade e o valor dos movimentos financeiros.


A prazo, dar-se-ia a falência dos bancos comerciais privados neste país:

Uma altura chegará em que Sicrano pagará com dinheiro que possui na sua Conta Especial CGD, através de Multibanco, um almoço num restaurante que terá necessariamente de possuir uma Conta Especial CGD, e que Beltrano pagará com um cheque sobre a sua Conta Especial CGD um par de calças a uma loja de roupas que terá obrigatoriamente de dispor de uma Conta Especial CGD.


Quanto ao Estado Português, possuiria uma Conta Especial CGD, através da qual, a juro zero, obteria a liquidez que necessitasse para as suas necessidades.

Miguel Madeira disse...

Dê uma olhada nos artigos do Proudhon e do Tucker - não é muito diferente (a diferença é que, em vez de uma conta bancária não movimentável para fora do banco, recebiam notas desse banco que só poderiam ser convertidas em ouro em circunstâncias especiais, mas no fundo a ideia é mais ou menos a mesma, sendo uma diferença apenas "técnica")

UFO disse...

Portugal so teria a ganhar com isso, e a CGD continuaria saudavel

Anónimo disse...

Fazer ler Proudhon- a sério e honestamente- é uma virtude capital nos dias que correm, onde, como sublinhou M. Bakounine, a corrupção acaba por assumir o estatuto predatório da vaidade, do orgulho e da falsa prosápia. Debord discorreu muito sobre a inveja...Ora, Proudhon, assinala no " Sistema de contradições económicas ou a filosofia da Miséria ", que " qualquer que seja a tabela dos artigos sugeitos a imposto, como é impossível aplicar taxas ao Capital para lá dos sobre a Renda ou Salário, o capitalisa será sempre favorecido; enquanto que o proletário amargará sob a inquidade, a opressão. Não é a partilha do imposto que é má, é a partilha dos bens ". Por outro lado, Castoriadis não apostava muito nas diferenças entre mercado e plano, mas dizia frontal e estoicamente que " não poderá existir uuma sociedade autónoma se se mantiver uma hierarquia dos salários e dos rendimentos. Manter essa hierarquia é manter todas as motivações do capitalismo,do Homo Economicus: e voltariamos à barafunda de sempre ". E , sobretudo, frisava, que " O processo económico forma uma unidade, de que não se podem artificialmente separar as fases - nem na realidade nem na teoria. Produção, distribuição,troca e consumo são as componentes integrantes e inseparáveis, momentos que se implicam mutuamente, da produção e da reprodução do capital(...). E onde intervém a força coercitiva e desigualitária da imposição fiscal em todos os escalões Salut! Niet

Diogo disse...

Miguel Madeira,

Vou ler os artigos de Proudhon e do Tucker.

Este sistema teria a vantagem de funcionar exclusivamente em euros (embora exclusivamente em dinheiro electrónico), mas os porta-moedas electrónicos que foram cá experimentados há uns anos dariam conta do recado para quantias pequenas.

Também não teria nada a ver com ouro. Seria apenas dinheiro criado «out of thin air» tal como os bancos o fazem hoje (com juros e spreads usurários).

Anónimo disse...

O Diogo anti-semita ficou encantado com estas propostas de leitura. Isso ainda é debatido? O Marx não enterrou já essas porcarias há muito tempo?
http://obeco.planetaclix.pt/rkurz164.htm
Tony Carreira

Anónimo disse...

Essa ideias de criação de dinheiro a partir do nada são mitos, que um certo meio gosta de promover, demonizando o capital financeiro e não reconhecendo a necessidade dele no capitalismo.
Sobre esse assunto sugiro o seguinte:
http://www.worldsocialism.org/spgb/socialist-standard/1970s/1975/no846-february-1975/banks-and-credit
http://www.worldsocialism.org/spgb/socialist-standard/2010s/2012/no-1290-february-2012/where-money-comes-reply-new-economics-foundation
Tony Carreira

Anónimo disse...

Marx e Keynes, eis a dupla possível e alerta para fazer passar o joker do rebelde realista? E por que não empreender um relance analitico na campanha presidencial francesa, onde as propostas de fiscalização e fiscalidade não envergonham as proposições similares de Proudhon e Marx? No fundo as coisas são simples,diz um leitor pariseense num blogue fiel a Bayrou. Ora prolonguemos o seu psicadélico anátema: " Existe a Marine Le Pen e as suas promessas de auto-de-fé com montanhas de livros nas praças dos quartéis. Encontramos o Nicolas S. que delira com yachts e caviar iraniano disfrutados no circulo de amigos com Rolex nos pulsos. E deparámos com Hollande que desejaria imenso que gostassemos dele. E, enfim, ´temos o Melenchon que diz: se queres tudo cor-de-rosa vota vermelho ". Salut. Niet