27/05/12

Não é a Alemanha, por Zeus, é o capital financeiro

JM Correia Pinto lança um alerta, que não podia ser mais premente,  contra "o programa em seis pontos", referido num esclarecedor artigo de Der Spiegel, que Merkel tentará que o governo alemão imponha contra as propostas de Hollande para a zona euro e a UE.  Retomando o post da Politeia, eis a substância da alternativa às medida spropostas por Hollande — euro-obrigações, mutualização, empréstimos directos do BCE, etc., etc. — que a chanceler tem em mente:


o governo de Merkel, seguramente para apresentar um agenda que possa ombrear com a de Hollande, está a preparar um programa de “crescimento e emprego” para a “Europa deprimida”. Um projecto que a direita alemã curiosamente já quis pôr em prática aqui há uns anos na Alemanha de Leste mas que teve de abandonar pelo coro de críticas que então suscitou.


Em que consiste tal programa? É muito simples: inspira-se numa ideia posta em prática pela China nas regiões mais atrasadas que consiste no abandono da protecção social e laboral do trabalho acompanhada da atenuação das regras ambientais e da desoneração fiscal do capital como forma de atracção do investimento.

Até aqui, o meu acordo com a urgência do alerta é completo — e parece-me igualmente de subscrever a ideia de JM Correia Pinto, quando este vê neste programa a ameaça de uma extensão à escala da Europa de um regime concentracionário, ou, pelo menos, de workfare, equivalendo à liquidação dos direitos sociais e das liberdades carcaterísticos do compromisso do welfare state forjado no pós-guerra.

No entanto, identificar o programa do actual governo alemão com a Alemanha parece-me mau caminho, além de logicamente inconsistente. Com efeito, trata-se de um programa que faz a unanimidade dos grandes interesses financeiros da oligarquia europeia e global. Basta pensarmos nas declarações de Lagarde, ou, na região portuguesa, de Passos Coelho ou Gaspar, para vermos que o problema não se pode pôr nem exclusiva nem principalmente em termos nacionais (alemães contra franceses, por exemplo). E é, na mesma ordem de ideias, pouco lógico confundir com a Alemanha essa "direita alemã" que, como JM Correia Pinto bem assinala, já quis impor há anos o mesmo projecto na ex-Alemanha de Leste.

Aceitar que a Alemanha seja o governo alemão, teremos de identificar Portugal com o governo de Passos Coelho,  de excluir da França o sarkozismo ou o Front national e assim por diante. O que, além de ser pouco satisfatório intelectualmente, pode acarretar as consequências políticas funestas, tão monstruosas do ponto de vista de Correia Pinto como do meu, que ameaçam sempre que os antagonismos sociais são reduzidos aos termos do combate entre as nações.  Não é a Alemanha, por Zeus, é o capital financeiro.

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