08/07/12

Democracia e ditadura

No 5 dias, Raquel Varela escreve:
Não sei que alguém tem noção das palavras que escreve e se sabe o que é um golpe de Estado ou a suspensão da democracia ou o fim da democracia, teorizada por Boaventura Sousa Santos e hoje decretada oficialmente por Sérgio Lavos. (...)

Chamar ditadura a um regime liberal é um tremendo erro político porque ele muda o ângulo contra o qual lutamos, as alianças que daí decorrem e as políticas que propomos. Recordo que o Tribunal Constitucional é nomeado para eleição através do Parlamento e que o Parlamento é eleito em eleições livres. Os Parlamentos não representam quem vive do trabalho porque os Parlamentos não podem legislar sobre as questões fundamentais da vida, a começar pela direito ou não à propriedade privada  (justamente para proteger quem detém meios de produção). Mas um Parlamento inútil e a ausência de um Parlamento são coisas distintas.
Eu até concordo com algumas das coisas que ela escreve no seu post, mas parece-me que (apesar de reconhecer que "não existem formas puras") tem uma visão demasiado binária da diferença entre "democracia burguesa" e "ditadura" - se uma "democracia burguesa" deixa de respeitar a sua própria Constituição, reprime o (ou algum) protesto social, ameaça constantemente com requisições civis e entra num caminho de transferência de poder do parlamento para entidades não eleitas (ou cuja legitimidade eleitoral é longínqua), não se estará, pouco a pouco, a aproximar-se da "ditadura" (se quisermos analisar isto fora da conjuntara politica actual, um exemplo poderá ser comparar a França da IV República com a de De Gaulle - ambos eram democracias burguesas, mas havia mais elementos autoritários no segunda do que na primeira)?

Sobretudo no momento presente, parece-me existir um potencial muito sério para uma evolução anti-democrática se a (provavelmente inevitável) transferência de soberania dos Estados nacionais para a UE não for acompanhada por uma democratização das instituições europeias (o que, automaticamente, levará a que muitas mais decisões fiquem foram do âmbito do debate democrático, mesmo na forma puramente representativa).

Ainda sobre a questão da redução gradual de algumas liberdades políticas vs. a substituição da "democracia burguesa" pela "ditadura", gostaria de citar um autor que penso politicamente não muito distante de Raquel Varela (ainda que de outra facção), Ernest Mandel:
"O fundo de verdade na teoria do «fascismo rastejante» é que ela sublinha o perigo de uma aceitação passiva e não política de tais ataques contra direitos democráticos elementares que só podem aguçar o apetita da classe dominante e levá-la a novos ataques mais duros. Se o movimento operário se deixar conduzir sem resistência e se deixar desapossar a pouco e pouco da sua potência, então, à primeira mudança importante da situação económica, qualquer aventureiro inteligente pode ser tentado a exterminá-lo completamente. Se a resistência não tiver sido preparada persistentemente nas batalhas quotidianas durante anos, não cairá miraculosamente do céu do último minuto" (Sobre o Fascismo)

1 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Na mouche, camarada Miguel (M).
A verdade é que todo o confusíssimo post de RV acaba por ocultar o facto de a denúncia da "democracia burguesa" que conta ter de ser feita em nome de mais democracia…