Se o Avante! tivesse acolhido um texto em que, chamando a atenção para a importância do debate sobre elas, fossem criticadas e discutidas as posições do João Valente Aguiar sobre o "nacionalismo de esquerda", a "ruptura unilateral do euro" e a miséria de socialismo dos que, como tem mostrado o João Bernardo, não sabem propor outra alternativa que não seja o "socialismo da miséria" ao regime capitalista, tal seria sinal do início de uma reforma, eventualmente revolucionária, do estilo — de fazer política — a que nos habituou.
Mas a opção foi mais coerente com a tradição desse organizador colectivo que o jornal em apreço se pretende, e traduziu-se na publicação de um artigo de António Vilarigues que ataca e distorce, com o arsenal do costume, uma, duas ou três intervenções blogosférivas de JVA, sem o citar uma única vez. O que permite a António Vilarigues, dando vioz de fogo ao pelotão dos fiéis, deixar claro, para os que leram os textos em causa, a natureza herética das teses criticadas, e, ao mesmo tempo, ocultar a sua fonte - para que aqueles que não leram as teses blasfemas continuem a desconhecer a sua versão original e fiquem ao abrigo da tentação de uma curiosidade que poderia acabar por fazê-los ler JVA e insinuar nos seus espíritos sabe-se lá que nefandas dúvidas.
17 comentários:
O livro III d'O Capital está traduzido no Brasil.
???
Do capitalismo só se sai de duas maneiras, pelo abandono do consumismo em favor da frugalidade e da suficiência, ou pelo colapso. Adjectivar como "miséria" o necessário (e revolucionário) modo de produção que reconheça a finitude do planeta e dos seus recursos, é uma ideia que só pode sair da cabeça dum lunático como o João Bernardo, que decidiu simplesmente ignorar, à velha maneira dos economistas liberais, a base biofísica do milagroso crescimento económico dos últimos 150 anos, sem o qual não haveria sociedade urbana e industrial.
Imaginar que é possível salvar a sociedade industrial sem energia fóssil abundante e barata, num plantea com 2 mil milhões de hedonistas e mais 5 mil milhões com desejos de o serem, é completamente ridículo.
Enquanto a esquerda não descer do mundo das ideias (hegelianas, no caso de JB)) para o da realidade biofísica, aquilo que ela tem a dizer sobre o presente e o futuro será totalmente irrelevante, porque pretender analisar a realidade económica sem contar com as limitações biofísicas do planeta é o mesmo que pesar comparativamente um elefante e um leão numa balança de cozinha: um fútil exercício de lunáticos.
A esquerda representada pelo João Bernardo pensa que o inimigo ainda é o capitalismo porque é isso que diz a teoria marxiana. Se levantasse a cabeça, veria que o seu querido inimigo se encontra já na condição de pré-cadáver(como de resto foi previsto há décadas por gente simplesmente sensata como E. F. Schumacher), e que se chegou a pré-cadáver foi simplesmente porque lhe aconteceu o que fatalmente acontece a todos os sistemas e organismos vivos: ficarem sem energia. Tentar deitar fora a água suja do capitalismo para conservar o bebé da sociedade industrial não é ser revolucionário, é ser idiota. Os únicos revolucionários, hoje, são a pessoas que vivem e defendem a transição para a sustentabilidade. Tudo o resto é mera conversa para entreter ilusões apodrecidas.
JMS
No "Avante" o autor diz que o livro III não havia sido traduzido. Ver nota 2.
JMS,
Sobre a "questão ecológica", que é um pouco marginal relativamente ao tema deste post, já exprimi uma posição que difere da do João Bernardo em dois pontos principais, esem prejuízo de reconhcer a lucidez e a profundidade da sua crítica a numerosos aspectos característicos da "ecologia profunda".
Os dois pontos de desacordo são os seguintes:
1. Insisto no carácter finito dos recursos naturais e na necessidade de o ter em conta - embora admita que, a partir dos recursos existentes, através da acção humana, continua a ser possível a criação de novos recursos.
2. Penso que as intervenções humanas sobre a paisagem natural, porque esta é um aspecto essencial da realidade humana (social e histórica), deve, numa sociedade autónoma, ser entendida como um trabalho de auto-transformação consciente da própria sociedade. Pelo que dizer, como faz o João Bernardo e muito bem, que transformamos sempre a natureza que habitamos, me leva a insistir mais do que ele no facto de nem todas as transformações da natureza serem igualmente legítimas - do ponto de vista da emancipação - ou desejáveis.
(cf. http://viasfacto.blogspot.pt/2012/06/resposta-de-joao-bernardo-ao-post.html?showComment=1340286744906 )
Dito isto, o seu comentário dá inteiramente razão a algumas das críticas mais duras que o JB dirige ao "ecologismo". Substituir à democratização efectiva das relações de produção e poder características do capitalismo e dos aparelhos e formas de poder político que o garantem e instituem uma ruptura baseada na "frugalidade" corresponde justamente a fazer do ecologismo uma ideologia que visa "apagar as clivagens políticas" e que oblitera, através de um naturalismo conservador, "a moral cívica" (Cf. http://passapalavra.info/?p=60646). Pior ainda, a sua posição, com a prioridade que dá a uma "frugalidade" apresentada como critério da ruptura com o capitalismo, abre a porta, admito que involuntariamente, a soluções de tipo "eco-fascistas", como as denunciadas por Castoriadis, que não ignorava a preocupação com a finitude dos recursos, ao escrever:
'Devemos dizê-lo mais claramente ainda: o preço a pagar pela liberdade é a destruição do económico como valor central e, de facto, único. […] Quem pode crer que a destruição da Terra poderá continuar por mais um século ao ritmo actual? Quem não vê que essa destruição seria ainda mais acelerada se os países pobres se industrializassem? E que fará o regime quando deixar de poder conter as populações fornecendo-lhes constantemente novos gadgets?
Se o resto da humanidade tiver de sair da sua miséria insuportável, e se a humanidade inteira quiser sobreviver neste planeta num steady and sustainable state, será necessário aceitarmos uma gestão de bom pai de família dos recursos do planeta, um controle radical da tecnologia e da produção, uma vida frugal. […] para assentar as ideias, podemos dizer que já seria bastante bom que pudéssemos garantir 'indefinidamente' a todos os habitantes da Terra o 'nível de vida' dos países ricos em 1929.
O que pode ser imposto por um regime neofascista; mas pode ser também livremente feito pela colectividade humana, organizada democraticamente […] abolindo o papel monstruoso da economia como fim e voltando a pô-la no seu lugar adequado, de simples meio da vida humana'.
(Cf. ("Fait et à faire", retomado em Fait et à faire. Les carrefours du labyrinthe V, Paris, Seuil, 1997)
Com efeito, esquecer ou recalcar, em matéria de "ecologia" e/ou de ruptura com o capitalismo, a prioridade da democracia é, uma vez mais, dar razão ao Jb quando este escreve, no seu "Ponto final": "Nada pode deixar os patrões mais satisfeitos do que o facto de a esquerda ecológica pregar que a luta pela abundância é nociva e, afinal, ilusória, porque a própria natureza imporia as restrições" (embora se deva aqui ressalvar que nem todas as "abundâncias" se equivalem, como creio que o próprio JB não contestará).
msp
Caro Miguel Serras Pereira,
Uma das afirmações mais absurdas do texto de J. Bernardo é precisamente essa que cita, sobre a satisfação com que o patronato verá a esquerda ecologista defender a frugalidade. Se ele tivesse falado na elite financeira, que nada produz nem dá emprego a ninguém porque percebeu que é no casino da Bolsa que se ganha dinheiro, eu até poderia dar-lhe razão. Mas ele fala em patrões. Ora, que eu saiba, um patrão é alguém que vive da exploração do trabalho alheio e do reinvestimento das respectivas mais-valias, logo, é alguém a quem o que menos interessa é que as pessoas se retirem do ciclo alienante da produção e do consumo. Ou será que o consumo já deixou de ser, como gostam de afirmar os economistas liberais, a “alavanca do crescimento”? Portanto, a afirmação de JB é completamente disparatada.
Em todo o caso, o que os patrões pensam ou deixam de pensar não faz subir o petróleo nos poços nem baixar os custos da sua extracção, não faz subir o nível da água nos aquíferos, nem aumenta a produtividade agrícola, que muitos ecologistas consideram ter alcançado um máximo inultrapassável.
Não vejo em que é que o meu comentário pode dar razão às críticas de J. Bernardo. A perspectiva de Castoriadis parece-me muito mais lúcida do que o tecno-fetichismo de J. Bernardo, e em nada contradiz o que eu digo. A gestão do necessário decrescimento pode e deve ser feita democraticamente. Claro que há o risco de essa gestão vir a ser feita totalitariamente, imposta de cima para baixo por elites corruptas e apostadas em fazer retroceder a relação de forças dentro do sistema produtivo para os tempos do ancién regime, quando a vida era tão doce para a aristocracia, no dizer de Talleyrand.
Mas, por muito que isso pese ao JB, que vive num mundo de ficção assombrado por fantasmas "eco-fascistas", não é isso que eu defendo, nem é isso que defende a ecologia social. Mas é isso que acontecerá, provavelmente, se a esquerda insistir em pelejar com inimigos-fantasma, se a esquerda continuar a pensar que o grande objectivo é tomar os comandos do trem-bala capitalista na sua pretensa viagem para o Eldorado do consumismo para todos (ignorante de que o carril acaba num despenhadeiro); se a esquerda continuar a fingir que vivemos ainda em 1930, ou em 1950, e que é fisicamente possível um mundo com 8 mil milhões de automóveis e de IPods.
(continua)
(continuação)
Eu compreendo: a mensagem não é popular, e a esquerda partidocrata receia, e com razão, que um eleitorado estupidificado por ilusões consumistas lhe fuja ainda mais depressa perante o anúncio de que o único programa realista, humanista e revolucionário passa pela gestão equitativa (e democrática, obviamente!) dos recursos que restam. Isso implicaria necessariamente que o mundo ocidental deixasse de se poder atulhar com gadgets fabricados por escravos asiáticos. Porque o povinho ocidental está viciado em gadgets, certo? Tal como os partidos políticos estão viciados em votos.
Mas de um pretenso analista económico como J.B, que ainda por cima não é líder de partido nenhum, o mínimo que se esperaria era que não embarcasse em ilusórias promessas de crescimento exponencial num mundo finito, como se vivêssemos ainda no tempo em que bastava espetar uma picareta no solo para extrair petróleo, no tempo em que éramos apenas 2 ou 4 mil milhões a pesar sobre a Terra, no tempo em que ainda havia lucros fabulosos a fazer na exploração da mão-de-obra. O que JB não percebe, estranhamente, é que para os capitalistas, neste momento, os seres humanos já nem como mão-de-obra barata têm serventia, e que o que eles gostariam é que metade da humanidade desaparecesse subitamente, para que se aliviasse a pressão sobre os recursos e a produção pudesse retomar a mágica do crescimento, sem o qual não existem lucros possíveis.
O excerto de Castoriadis parece-me bastante lúcido e apenas vem dar-me razão. A ecologia social, que eu saiba, não defende o apagamento das clivagens políticas; pelo contrário, o que defende é a sua exacerbação radical. JB vive encerrado numa teoria materialista-dialéctica de “sujeitos históricos” , para a qual tudo o que conta são as relações de produção e a propriedade dos seus meios. O que eu digo é que essas teorias perderam actualidade, porque o mundo que elas analisavam tinha subjacente uma realidade biofísica que não era (não é) menos real pelo facto de o profeta Marx não a ter reconhecido. O sujeito histórico, no mundo real limitado pela finitude dos recursos e pelas diversas crises (ambientais, financeiras, energéticas) que impendem sobre nós, não pode ser menor do que a humanidade inteira, e quem persiste em situar na fábrica (esse fóssil da economia industrial!) o lugar por excelência da praxis revolucionária, quem julga que o sujeito revolucionário continua a ser o proletário, ou o estudante, ou o eleitor, ou o vendedor de castanhas, vive simplesmente num mundo de fantasia. No mundo real em que eu vivo, cada vez se torna mais evidente que a guerra de classes do século XXI se travará entre os oligarcas rentistas (coadjuvados pela sua rede de apparatchiks políticos e de realções públicas) e o resto da humanidade. Não sei em que terreno será travada essa luta, mas nas fábricas ou nos escritórios não será de certeza.
Quanto à moral cívica, só se pode fundar na noção de que a hubris predatória da economia capitalista é não só imoral como insustentável a médio prazo, e que novas relações de produção (preferencialmente, longe do salariato) terão forçosamente de orientar o nosso futuro, se é que queremos ter um futuro.
Cumprimentos,
JMS
http://www.youtube.com/watch?v=MnnjDdAMIIk&feature=player_embedded
JMS
JMS,
tanto quanto sei e conheço a sua obra, Castoriadis não falaria de "necessário decrescimento" nos termos em que V. o faz.
Por outro lado, subscreveria em termos inequívocos a crítica da ideia de uma natureza axiologicamente vinculativa ou orientadora que o JB também assume. É provável que insistisse mais fortemente num ponto que estes textos de JB deixam na sombra: a exigência de transformação da técnica (ou "tecnologia") e da relação que temos com ela por uma sociedade autónoma.
Mas acentuaria tanto ou mais do que o JB a "historicidade" ou "temporalidade metamórfica" da própria "natureza", bem como a ideia de que habitar a natureza é transformá-la e que, no nosso planeta, não há natureza puramente natural, e ainda na ideia de que, seja como for, a própria natureza não coincide sem resto - um resto decisivo - consigo mesma, como, por exemplo, mostra a própria emergência da "criação humana" ou do "social-histórico" (a linguagem, a instituição, etc.) no seu seio.
Para Castoriadis, é a instituição que investe a natureza de significação e de sentido, e não o contrário. E é do sentido que investimos na natureza, na medida em que isso é parte do sentido que nos damos a nós próprios, que podemos e devemos discutir politicamente. A prioridade da política e da democracia, da autonomia, sempre afirmada por Castoriadis exclui radicalmente qualquer concepção normativa do "natural".
msp
MSP,
Ninguém nega a historicidade da natureza, a sua transformação pelo homem ao longo dos último 20 000 ou 30 000 anos. Mas não é isso que está em questão. JB parece confundir ecologia com paisagismo. O que para mim é incompreensível. Que o homem sempre transformou a natureza de acordo com as suas necessidades é um facto; mas há uma diferença entre converter um prado numa exploração agrícola auto-sustentável, ou transformar uma floresta numa savana ou num deserto.
A questão de fundo, porém, não é a conservação da paisagem ou a sua intocabilidade, mas a incompatibilidade entre o crescimento exponencial e a finitude dos recursos naturais, ou da energia, se quisermos, que alimenta essa expansão.
Se Castoriadis afirmou que a "destruição da Terra [não] poderá continuar por mais um século ao ritmo actual" e que essa "destruição seria ainda mais acelerada se os países pobres se industrializassem", devia ter sido coerente e defender o decrescimento nos países desenvolvidos, porque mesmo uma steady state economy já representa uma fasquia demasiado alta em países como os EUA ou a Alemanha, pois não permite que o desenvolvimento dos países do 3º mundo se dê sem pôr em sério risco o futuro da vida humana na terra.
Cumprimentos.
JMS
JMS,
digamos, então, para simplificar que, se Castoriadis tem razão nos "cálculos" que apresenta em Fait et à faire, nem por isso a crítica do JB ao "ecologismo", ao imaginário das concepções ecologistas, deixa de ser fundamentada. Tornar a "natureza" fonte de direito, instância normativa, é inaceitável e, longe de conduzir à ruptura com o capitalismo, só pode legitimar formas de dominação ressacralizadas, através da naturalização, e assentes na hierarquia e na superstição.
Parafraseando a abertura de Labirintos do Fascismo, poderíamis dizer que, se o "ecologismo profundo" traduz uma revolta contra o modo de vida imposto pela dominação capitalista e hierárquica e o seu imaginário justificativo da "expansão ilimitada das forças produtivas", ou das forças da própria economia autonomizada, não vai além de uma "revolta dentro da ordem" - e, também, da nostalgia de uma hierarquia justificada pelo bem que garantiria, ou de uma casta de pastores "justos".
Acresce que constrói uma representação da política como "pastoreio", magistério médico-higiénico esclarecido, competência de sábios ou cientistas, nos antípodas da ideia da cidadania governante própria de uma sociedade democrática ou autónoma.
msp
MSP,
Confesso que as implicações político-filosóficas do ecologismo me passam bastante ao lado, porque não me parecem especialmente pertinentes. Eu não conheço a obra de JB, com a excepção de alguns textos esparsos, mas pelo que li dele, parece-me que a sua estratégia argumentativa passa pela velha fraude de imputar aos seus adversários (no caso, os ambientalistas) noções que, no seu extremismo, não são representativas da maioria dos mesmos. Haverá algum ambientalista que tenha proposto a natureza como "fonte de direito"? É possível que sim, porque neste mundo não faltam excêntricos filosóficos. Mas a única coisa que os ecologistas defendem, parece-me, é que encarar a natureza como um simples objecto, como um simples palco para a acção humana e como uma fonte de recursos inesgotável, como temos feito com particular violência nos últimos 150 anos e JB defende que se continue a fazer, é simplesmente estúpido e suicidário.
JB vê a natureza como um animal de circo, que pode ser domado a chicote pelos filhos do deus Tecno. Mas de facto talvez não fosse pior vê-la como um animal de pastoreio, do qual cuidamos para obter benefícios. Quanto a esse cuidado, não precisa de ser gerido por cientistas, até porque estes já demonstraram que só sabem resolver problemas criando novos problemas. Para gerir eficazmente e de forma sustentável a nossa relação com o sistema natural de que dependemos não é preciso ser sábio nem filósofo, basta um módico de sensatez.
Não percebo o que é que noção da nossa imbricação no ecossistema terrestre e da nossa dependência do mesmo tem que ver com a ordem ou desordem política. O ecologismo pretende apenas assegurar que o chão sobre o qual construímos os nossos sistemas políticos não desapareça a médio prazo. existência de pessoas.
Antes de decidirmos como distribuir a terra, os recursos e organizar a produção, convém que haja terra e recursos que sustentem essa produção. Noutros momentos da história esse problema não existia, porque havia muitos mamutes para caçar, muitas américas para conquistar, muito carvão, ferro, cobre, fosfato, petróleo, etc. para extrair. Mas as condições mudaram com a sobre-exploração dos últimos 150 anos. E é isso que JB prefere não ver, a fim de poder continuar a acreditar na solidez do seu castelinho teórico. Eu já recomendei a JB que tentasse refrescar o seu materialismo histórico-dialéctico com um pouco de ciência, de antropologia, de economia biofísica e de teoria sistémica, recomendando-lhe a leitura de Joseph Tainter, Craig Dilworth, Thomas Homer-Dixon, Chris Martenson e, a um nível de divulgação mais popular, Richard Heinberg ou Guy McPherson. Mas o JB está menos interessado em factos do que na preservação da sua "bella figura" de guru da esquerda, e quando assim é, não há nada a fazer.
Cumprimentos,
JMS
JMS,
eu aconselhá-lo-ia a informar-se um pouco melhor sobre o radicalismo antidemocrático e místico da "ecologia profunda".
Depois, far-lhe-ia notar que o "pastoreio" não é menos uma técnica - uma transformação da "natureza" - do que o circo. As diferenças de apreciação e valoração que queiramos fazer sobre uma actividade e outra não relevam da "natureza", mas do juízo humano e dos critérios que este se dê.
Finalmente, uma reestruturação energética é uma opção política e cultural não menos técnica do que a estrutura existente.
Mas este post tinha outro tema e, por mim, dou encerrada por aqui a discussão.
msp
Com a expressão "radicalismo anti-democrático e místico da ecologia profunda", suponho que esteja a referir-se a correntes mais ou menos esotéricas, como aquela espécie de naturismo antroposófico do início do sec. XIX, que tanto influenciou o nazismo. Mas o que eu pergunto é: o que é que essas correntes místicas têm que ver com os problemas que nós, cem anos depois, temos pela frente? As referências de JB a essas curiosidades históricas só servem para uma coisa: confundir os argumentos e "reforçar" as suas pretensas apreensões sobre o carácter fascista, ou o que quer ele lhe chame, do ecologismo.
Sim, tudo são técnicas, mas isso não significa que todas as técnicas se equivalham, que construir uma plataforma petrolífera no Alasca seja exactamente o mesmo que construir um parque solar no Arizona.
Parece-me que o MSP está, tal como o J Bernardo, mais interessado em considerar as implicações filosóficas duma CERTA IDEIA de ecologismo do que em confrontar-se com os dados factuais duma ciência chamada Ecologia. A mim, essas especulações não me interessam para nada neste momento, e portanto é evidente que este diálogo já deu tudo o que tinha para dar. Mas agradeço-lhe a atenção dispensada.
Cumprimentos,
JMS
Anónimo (das 21 e 41)
que nem todas as técnicas, nem todas as transformações, nem todas as relações com a "natureza", etc., se equivalem, é evidente. E se, por acaso, tivesse lido o que escrevi a esse respeito em posts ainda recentes, e até nesta caixa de comentários, não precisaria de vir lembrar-mo. É por isso, de resto, que, na questão dos recursos finitos, da dos "modelos de desenvolvimento", das opções urbanísticas e do ordenamento do território, a política tem a prioridade, e não há modelos ou leis naturais.
Quanto à ecologia profunda, para nossa desgraça, está hoje bem mais viva do que no século XIX: nunca ouviu falar da "hipótese Gaia" e outras tendências ressacralizadoras, que, devido ao ponto de vista "superior" que propõem, legitimam uma consideração utilitarista da realidade humana, subordinada senão ao propósito do ad majorem dei gloriam, pelo menos ao do mais perfeito equilíbrio natural?
O que o "ecologismo" mascara é que, na realidade, o conjunto da humanidade vive muito aquém dos seus recursos e capacidades e não acima deles. E que podemos viver muito abaixo das nossas capacidades e recursos próprios no desperdício, ou melhor: no meio do desperdício e da austeridade, e uma coisa porque outra - como está bem à vista no que hoje acontece.
msp
MSP,
Sobre a "hipótese Gaia" não me pronuncio porque não li o livro e só a "conheço" de uma ou outra referência ocasional. Terei de me informar.
Eu sei que a maioria do seres humanos vive aquém das suas possibilidades, e também sei porquê. Se há ecologistas que "mascaram" o facto, não são da minha família política, e portanto ignoro-os. Mas a desigualdade no acesso aos recursos naturais não torna menos real a sua finitude e a sua actual sobre-exploração. Que essa desigualdade deve ser combatida por todos os meios, suponho que estaremos de acordo; mas também há-de concordar que, para ser real e frutuoso, esse combate tem de ter como ponto de partida uma noção o mais exacta possível dos dados científicos. E o que os dados científicos nos gritam ao ouvido é: explosão demográfica, mega-cidades totalmente insalubres, sobre-exploração dos recursos, desperdício, poluição, desertificação, acidificação dos oceanos, etc. A solução para todos estes dilemas terá de ser política? Claro que sim. Mas uma política não informada pelos factos passa a ser parte do porblema e não da solução, como se diz em americano. Por outras palavras. concordo que "a política tem a prioridade". Mas não me esqueço que a política é limitada pela natureza (e suas leis implacáveis), que a política não pode tudo, e que os erros políticos (que nascem, frequentemente, de juízos equivocados) podem ter consequências catastróficas. Aconteceu no passado, muitas vezes, e acontecerá num futuro relativamente próximo, pelo caminho que isto leva.
Cumprimentos,
JMS
Gostei bastante desta troca de opiniões entre o anónimo JMS e o MS. Pereira. O anónimo JMS acena com teses " conservadoras" sobre o futuro da ecologia, ao agitar os espectros teóricos de Tainter, Dilworth e Chris Martenson. Podia ser pior,convenhamos... Isso obriga-nos a tentar pensar o passo(s) seguintes da grande questão, a vera, Ecologia pró ou anti Autonomia?. E aí, mais uma vez, ganha Castoriadis. Que escreveu um luminoso livro com Conh-Bendit em 1980, antecipado com um artigo transformacional- do ponto de vista teórico e político- Transformação social e criação cultural, em 1978, inserto no maravilhoso " O conteúdo do socialismo ". Outros grandes artigos de Castoriadis sobre a Ecologia- " o movimento ecológico apareceu como um dos movimentos que tendem para a autonomia da sociedade "- estão integrados no volume de textos e entrevistas, " Uma sociedade à deriva ", que o MS.Pereira traduziu há seis anos.Contra essas repassadas cogitações do Ser e da fatalidade da lógica serventuária das identidades amorfas, da impossibilidade da diferença e da liberdade, Castoriadis aposta forte: " " Uma ecologia integrada num projecto político de autonomia deve indicar simultaneamente esta limitação do homem( o Ser é insondável e indominável), e lembrar-lhe que o Ser não tem sentido, que somos nós que criamos o sentido por nossa conta e risco( até mesmo sob a forma de religiões (...). Não há só o facto de cada um de nós estar submetido à lei, pelo que morrerá um dia; é também que todos juntos, não podemos fazer indiferentemente seja o que for, mas devemos auto-limitar-nos. A autonomia- a verdadeira liberdade- é a auto-limitação necessária não só nas regras de comportamento intra-social, mas nas regras que adoptamos no nosso comportamento em relação ao meio ambiente. Há nos seres humanos uma potência criadora, potência de alteração daquilo que é, a qual é por natureza e por definição indeterminável e impredizível ". Salut". Niet
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