06/07/12

Tribunal Inconstitucional

Um dos atributos essenciais dos estados modernos é o primado da Lei, em particular das regras legais plasmadas numa Constituição, sobre decisões (políticas) que emanem de orgãos de governo. Esta característica dos estados modernos gera estabilidade e previsibilidade, em contraste com a arbitrariedade que deriva da existência de governantes que consideram as suas ações como não sendo passíveis de serem limitadas pelas mesmas regras (legais) a que submetem a população (vista como constituída por súbditos).

É por isso espantoso que o pretenso Tribunal Constitucional da República Portuguesa decida que a Lei Fundamental do nosso país possa ser suspensa durante certo período (2012, no caso em apreço) como resultado duma decisão arbitrária e, como ficou provado, ilegal do actual governo da República Portuguesa. O pretenso Tribunal Constitucional transformou-se num Tribunal Político que em vez de avaliar as decisões governamentais com base na sua legalidade passou a fazê-lo com base no que entende ser a sua necessidade (política). Isso é gritante neste caso, dado que é absolutamente falso que uma decisão baseada apenas na legalidade da medida governamental em apreço colocasse em causa a execução orçamental deste ano. O que aconteceria simplesmente é que tal obrigaria o governo a apresentar um orçamento rectificativo, o que de qualquer modo já se perspectiva tendo em conta a brutal queda nas receitas do Estado, onde teriam de ser incluídas medidas que tivessem em conta a ilegalidade identificada pelo dito Tribunal Constitucional.

O único aspeto positivo deste acordão do pretenso Tribunal Constitucional é que cria um precedente. Passa a ser perfeitamente legítimo, por exemplo,  um futuro governo nacionalizar empresas sem qualquer indemnização. Fá-lo por atacado num dado ano, diz que não há dinheiro para pagar as indemnizações, o dito Tribunal Constitucional da altura declara a medida inconstitucional, mas como a execução orçamental já está em curso, afirma com base na jurisprudência agora criada que só futuras nacionalizações (ie. no ano seguinte) é que terão que ser indemnizadas.

5 comentários:

Paulo Marques disse...

O que é extraordinário é a quantidade de pessoas que dizem que a constituição não devia contar, porque estamos em crise.
Salazar deixou cá um legado...

menvp disse...

Mais uma para o Tribunal Constitucional:
- o contribuinte despende milhões e milhões em 'CURSOS DE FORMAÇÃO DE DESMPREGADOS'... e depois... o contribuinte não tem acesso a determinados serviços... por... falta de profissionais!!!!!

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Anexo:
PARA UMA MELHOR GESTÃO DOS RECURSOS HUMANOS, E FINANCEIROS, DA SOCIEDADE:
A regra dos «3 ordenados mínimos»
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Os gajos de Cuba podem ter montes de defeitos... no entanto, possuem o know-how necessário para formar a quantidade de profissionais de saúde necessária às populações!
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Tal como dizem os chineses - «não dês um peixe, ensina a pescar» - ou seja: a solução não é importar médicos cubanos, mas sim, pedir ajuda ao governo cubano... para que se consiga formar a quantidade de profissionais de saúde necessária!
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NOTA:
Por exemplo, é escandaloso existir falta de médicos em 'n' serviços públicos de saúde!... De facto, oferecendo um salário de TRÊS ordenados mínimos... um serviço de saúde público não deveria ter problemas em contratar um médico.
{Uma obs: Deveria-se recorrer ao know-how cubano... para avaliar qual o número de profissionais de saúde que será necessário formar para cumprir esta «regra dos três dos ordenados mínimos»... leia-se: AVALIAR O NECESSÁRIO AUMENTO DA OFERTA... para a procura existente... }.
{Mais uma obs: não se pode ceder a determinados corporativismos... se os corporativistas se recusarem a formar pessoas... então, há que recorrer a formadores aonde eles existam: no (ou vindos do) estrangeiro (Cuba, República Checa, Republica Dominicana, etc)... leia-se: aonde existam formadores disponíveis para dar formação a estudantes: «não dês um peixe, ensina a pescar»}.
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P.S.
Como é óbvio, a regra dos «3 ordenados mínimos» deve ser aplicada a outras profissões aonde existe oferta de serviço público.
A «Regra dos 3 ordenados mínimos» não será um tecto salarial... mas sim, um indicador objectivo: se existe procura de profissionais (propondo um salário de 3 ordenados mínimos)... e não existe oferta de profissionais interessados nesses postos de trabalho... ENTÃO: há que aumentar a oferta de profissionais nessa actividade profissional - leia-se, aumentar o número de pessoas com a formação necessária para desempenhar esses trabalhos [escusado será dizer que é um escândalo estar a desviar recursos dos contribuintes... para... aonde não fazem falta!!! - leia-se, para 'CURSOS DE FORMAÇÃO DE DESMPREGADOS'].

joão viegas disse...

Ola,

Diz o artigo 282, paragrafo 4 da constituição, que define os poderes do Tribunal :

"Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.os 1 e 2."

O tema debatido no post levanta pois duas questões, que devem ser colocadas com rigor :

a) Em abstrato, sera que é boa ideia conferir este tipo de poderes a um tribunal ? Tenho duvidas e sublinho que a norma em causa pode favorecer uma confusão acerca de um principio fundamental, que é o da separação de poderes. Esta critica, no entanto, não pode ser dirigida ao tribunal, mas apenas ao poder constituinte, que somos nos. Uma vez que a norma esta na constituição, não podemos criticar o Tribunal por aplica-la. Inaceitavel seria o Tribunal reger-se por outras regras do que as que constam da constituição.

b/ Admitindo que a regra vigora e que deve como tal ser aplicada, é questionavel saber se as condições previstas no texto estavam reunidas. Não li ainda o acordão por inteiro e observo que este ponto deve ser devidamente fundamentado. A priori, não vejo como se possa considerar que a "equidade" ou a "ordem publica" exigem que se mantenham os efeitos de uma medida tida por contraria ao principio de igualdade... Ja as razões de segurança juridica podem talvez levantar mais dificuldades, mas por principio, acho perturbante que o TC tenha decidido, ao mesmo tempo que considerava inconstitucional uma medida orçamental de vigência anual, que deviam ser ressalvados os seus efeitos durante... o prazo da sua vigência !??

Boas

Pedro Viana disse...

Caro João Viegas,

A questão que levanta é muito pertinente. Com efeito, essa alínea da Constituição efectivamente permite ao Tribunal Constitucional (TC) suspender (pelo tempo que quiser) partes da Constituição, em reacção a um pedido de apreciação de inconstitucionalidade. Por via dessa alínea, o TC deixa de ser apenas um orgão de interpretação jurídica, ie. apenas um tribunal, e passa a ser um orgão com capacidade de acção política. Pelo menos os membros do TC são nomeados pelo Parlamento (e de acordo com o seu alinhamento político), e portanto têm alguma legitimidade para agir politicamente. Seria pior se tal poder estivesse nas mãos de juízes escolhidos pelos pares, como (penso que) acontece nas nomeações para o Supremo Tribunal da Justiça (STJ). Mas pergunto-me se não seria então mais claro no que se refere às atribuições do TC a sua transformação numa secção do STJ, mas apenas após a retirada da Constituição de qualquer alínea que permita a sua suspensão. Ou seja, restringindo o papel desse novo TC à interpretação estritamente jurídica de qualquer pedido de inconstitucionalidade.

Quanto à segunda parte do seu comentário, o TC invocou o "interesse público de excepcional relevo", mas não o justificou de modo minimamente fundamentado. Apenas invocou o risco para a execução orçamental que decorreria da obrigatoriedade de pagar (pelo menos) os subsídios de Natal, quando tal poderia ser facilmente resolvido através dum orçamento rectificativo (que muito provavelmente haverá de qualquer maneira).

Cumprimentos,

Pedro Viana

joão viegas disse...

Ola de novo,

Li a motivação (esta no paragrafo 6 do acordão). O interesse publico alegado é a necessidade de atingir os objectivos de redução do défice num contexto em que o orçamento ja se encontra em parte executado.

Francamente acho as razões invocadas pelo Tribunal bastante fracas : se o principio da igualdade perante os encargos publicos cede, ainda que provisoriamente (neste caso para a duração inicialmente prevista na medida impugnada, o que torna a coisa ainda mais absurda, mas passemos), diante do imperativo abstrato de combater o défice, ou seja diante da necessidade de... cumprir as obrigações que são a propria razão de ser dos encargos publicos, então o principio em causa é totalmente desprovido de conteudo. O que o Tribunal esta a dizer é "que se lixe a igualdade, desde que o Estado esteja mesmo em apuros".

O que é mais uma razão para levantar a questão de principio : dar tais poderes a um tribunal é perigoso. Estamos a pedir-lhe, não que diga o direito, mas que ajude uma das partes a enfrentar as consequências do direito, o que é muito diferente. Não devia ser esse o papel do Tribunal.

Isto não acontece so em Portugal, infelizmente, e é bastante preocupante.

Boas