18/11/12

José Manuel Pureza sobre uma "outra Europa"


Embora não compartilhando de todos os pontos de vista que exprime ou sugere, penso que o texto A eurogreve e a outra Europa, publicado por José Manuel Pureza no esquerda.net — que mais não seja por destoar do silêncio escandaloso e da indefinição atabalhoada do BE perante a questão europeia, a situação na zona euro e, last but not least, a ameaça de ressurgência, com maquilhagem de "esquerda", de um nacionalismo populista e militarizado que aclama os "direitos soberanos de Portugal" acima da defesa e extensão dos direitos e liberdades dos trabalhadores e cidadãos comuns da Europa — merece ser lido, discutido e divulgado por todos os que sentem a urgência de combater os riscos — fatais para qualquer contra-ofensiva democrática verosímil — de desagregação da zona euro e da UE, bem como da balcanização que daí decorreria, juntamente com o regresso a regimes autoritários e belicistas na região.

Se, a meu ver, estamos, ao contrário do que afirma José Manuel Pureza, ainda longe de ver movimentos sociais e lutas em que os trabalhadores e a grande maioria dos cidadãos comuns assumam aquilo a que ele chama a "natureza incindivelmente europeia da política da crise e das alternativas a ela", ou se mostrem decididos a "[a]rticular a contestação em escala europeia contra a fragmentação nacional das políticas de empobrecimento", em resposta à "estratégia de confinamento nacional das crises e das políticas oficiais" — não deixa de ser verdade que, de um ponto de vista democrático, não há tarefa mais urgente, no momento actual, do que batermo-nos por que assim seja de facto. No interesse tanto da imensa maioria da população portuguesa, como da imensa maioria dos cidadãos europeus, sem esquecer a imensa maioria dos homens e das mulheres de todo o mundo.

5 comentários:

nando disse...

Não sei qual a posição do Miguel Serras Pereira perante o pagamento da dívida por parte dos estados membros, por isso a questão que lhe quero deixar é a seguinte: na eventualidade de um país ter de escolher entre pagar a totalidade da dívida (podendo por isso permanecer no euro), ou ser expulso da UE por incumprimento da dívida, qual será a posição que um estado deve adoptar, se efectivamente virmos um partido de esquerda a ganhar eleições? É que por muito líricos que sejamos, não há muito além destas duas posições, e como bem escreveu o JVA no 5dias, os discursos tanto da CGTP como do BE parecem indicar que estamos a caminhar de vitória em vitória, quando bem sabemos que a realidade é a oposta.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Nando,
a minha respota é que devemos, nsta matéria, adoptar uma posição semelhante ao do Syriza: exigir a renegoiciação da dívida, procurar federar esse combate com outros à escala da UE, intensificar a luta perante a eventual ameaça de "expulsão".
Sem me deter em aspectos económicos, que o João Bernardo, o JVA, os textos do colectivo do Passa Palavra, têm analisado convincentemente, insisto nos efeitos políticos catastróficos que a balcanização europeia - em direcção à qual a saída unilateral do euro seria um primeiro passo, voluntário ou não.

Saudações democráticas

msp

João Valente Aguiar disse...

Diz o comentador Nando o seguinte: «ser expulso da UE por incumprimento da dívida». Ora, ao contrário do que se tem ventilado não há nada que confirme que se um país sair da zona euro ou da UE não tenha de pagar a dívida. Pode ocorrer um perdão de parte da dívida - do género que a própria Grécia teve aquando do segundo "resgate" ou do tipo que o FMI sugeriu aí há semanas com a compra de dívida por parte do próprio estado grego. A questão é que o remanescente (a maioria) seria convertido em escudos. Com os custos de câmbio a dívida não deixaria de crescer. Perante isto o Estado iria aumentar a emissão monetária para pagar a dívida mas se a dívida até poderia diminuir em termos relativos nesse contexto, a inflação iria subir ainda mais.
De modo muito franco, não há outra soluçao que não seja a europeização das lutas sociais e a europeização da apresentação de reivindicações dos trabalhadores. Nesse aspecto, por muito ardúo que seja o caminho, medidas que possam federalizar/transnacionalizar as políticas fiscais, orçamentais e monetárias serão sempre preferíveis ao fechamento de cada país em si mesmo. Fechamento que implica uma linha divisória em relação aos restantes e que, por isso mesmo, não viverá sem um acirrar de nacionalismos hoje já bem explícitos.

Quanto à questão colocada por Nando sobre a questão do optimismo irrealista da cgtp, subscrevo totalmente. No pequeno post que coloquei os pcpistas preferiram passar-se em vez de pensarem porque os sindicatos e os trabalhadores não estão a conseguir organizar-se nos locais de trabalho. Ora, isso implica questionarmo-nos sobre o modo como o capitalismo se reorganizou nas últimas décadas e porque conseguiu uma paz nos locais de trabalho talvez nunca vista. Enquanto se achar que o capitalismo de hoje é o mesmo do século XIX (apesar de manter algumas caracteristicas fundamentais), nenhuma alternativa pode ser construída pelos trabalhadores.

Anónimo disse...

" Pode ocorrer um perdão de parte da dívida - do género que a própria Grécia teve aquando do segundo "resgate" ou do tipo que o FMI sugeriu aí há semanas com a compra de dívida por parte do próprio estado grego. A questão é que o remanescente (a maioria) seria convertido em escudos."

Pegando na deixa de MSP, a posição do Syriza não é a renegociação da dívida, é o "default" ou "romper com a troika", o que pressupõe - penso eu - o cancelamento total da dívida (corrijam-me se estou errado). Nesse caso não importa se a dívida está em novos dracmas ou em euros.

Até pode ser que a posição do Syriza seja oportunista e não o diga abertamente, preferindo uma versão soft de "renegociação". Mas a Grécia não está em posição de negociar coisa nenhuma.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Anónimo,
creio que há que distinguir entre denúncia do memorando e ruptura com a troika, por um lado, e recusa liminar de qualquer renegociação. E parece-me que a posição do Syriza, equivale aos dois primeiros pontos, mas não exclui a renegociação.

Segunda questão: é também tendo em conta a fraqueza da Grécia ou de Portugal, e de cada país deficitário isoladamente, que, a par de considerações mais amplas, qualquer solução não catastrofista passa, como escreve o JVA, pela "europeização das lutas sociais e a europeização da apresentação de reivindicações dos trabalhadores", e que "medidas que possam federalizar/transnacionalizar as políticas fiscais, orçamentais e monetárias serão sempre preferíveis ao fechamento de cada país em si mesmo".

msp