26/11/12

Mais um "sinal vermelho" do Passa Palavra: "Um novo totalitarismo é o preço da mísera 'independência nacional'"

Citando, na conclusão, um post que o Jorge Valadas deixou há dias no Vias, o Passa Palava volta a publicar um "sinal vermelho", alertando para os riscos de fascização que toda uma parte da "esquerda soberanista" parece apostada em alimentar. A primeira parte de Sinal vermelho ou farol?, subintitulada 1) o sinal vermelho, apareceu ontem (25.11.2012); a segunda parte será publicada no próximo dia 2 de Dezembro.  A ler e discutir com atenção. Mas, ainda que se possam levantar questões sobre o cenário concreto  apresentado pelo texto como o mais provável em caso de "saída unilateral do euro", a tese mais geral do texto é convincente e não podia ser mais oportuna: Como escreveu Jorge Valadas no artigo que citámos, «este regresso à dita “soberania nacional” implicará necessariamente, não só mais miséria, mas também o regresso do autoritarismo por parte do poder politico. Um novo totalitarismo é o preço da mísera “independência nacional”».

8 comentários:

Pedro Viana disse...

Olá Miguel,

Espero que não leves a mal, mas, sinceramente, e em vernáculo: o Passa Palavra passou-se. Tenta ler o artigo em causa abstraindo do facto de ter sido publicado no Passa Palavra. Se o fizeres constatarás imediatamente que este mesmo artigo poderia ter sido escrito por um qualquer ferrenho neo-liberal. É que no artigo encontra-se toda a argumentação básica pró-Capitalismo:

1) a defesa da globalização financeira, e a perda da autonomia local

"O abandono do euro e o regresso ao velho escudo não significariam apenas a renúncia a uma moeda supranacional e a adopção de uma moeda nacional, o que já de si é grave."

2) a defesa do pagamento da dívida e do respeito pelos contratos (mesmo os feitos por um Estado, que julguei, era algo cuja existência abominavam...)

"(....)pregar um calote. Internacionalmente o escudo assinalaria uma economia sem credibilidade (...) todos os compromissos e contratos estão firmados em termos de euro e que a mudança para o escudo implicaria litígios sem fim e o descalabro jurídico da vida económica."

3) a defesa do investimento estrangeiro, ou seja a defesa do Capital como meio de desenvolvimento económico e social

"Acresce que o abandono do euro e o calote surtiriam efeitos negativos sobre os investimentos externos directos em Portugal, ou seja, os investimentos originários do estrangeiro e que asseguram ao investidor o controlo ou, pelo menos, um interesse duradouro e uma influência decisiva na empresa onde o capital é aplicado."

4) a crítica da nacionalização, em particular como meio de controlo social sobre a economia, vista como inevitavelmente conducente ao totalitarismo (!... aqui não há meias-palavras, digno dum João César das Neves ou do blogue Insurgente)

5) e, finalmente, uma argumentação apenas e só assente em considerandos económicos, como se a economia fosse a mais importante esfera da vida em sociedade, definidora de todas as outras relações sociais.

O que se torna cada vez mais claro é que quem escreve estes textos no Passa Palavra prefere a manutenção de todas as relações de exploração existentes na nossa sociedade, em suma todo o sistema Capitalista, a encetar por uma via com riscos, mas também com potencial para transformar para melhor a nossa sociedade. Não posso deixar de repudiar tal posição, ainda para mais vinda da alguém que se reclama de Esquerda. Esta, para além de ter na Igualdade (independentemente da interpretação de cada um) um valor fundamental, também partilha a ideia de Progresso, assente na possibilidade de construir um futuro melhor. O que tem sido sistematicamente recusado como algo possível nos textos publicados pelo Passa Palavra. Mais, para alguém que se esforça tanto por se distanciar de algumas correntes mais ortodoxas à Esquerda, quem escreve estes textos no Passa Palavra parece partilhar com essas correntes a crença no determinismo histórico.

Um abraço,

Pedro

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,
eu diria que treslês completamente o texto cuja leitura acima recomendo.
Não consigo descortinar qualquer defesa do memorando,m qualquer recusa de renegociação da dívida, qualquer aprovação do "austeritarismo".
Em contrapartida, se a análise é, sobretudo, económica, do meu ponto de vista confirma as posições que neste blogue tenho defendido e que, grosso modo, são também as do Jorge Valadas no post citado pelo Passa Palavra.
O que se passa, creio, é que tu, pelo teu lado, subestimas gravemente as ameaças de reforço do poder do Estado, confundes "nacionalização" com "controle dos trabalhadores" ou "socialização", o que te faz correr o risco de avalizares um remédio que só pode agravar os efeitos da política criminosa que domina a zona euro.
Mas não vou repetir agora a argumentação em favor da "europeização" da luta contra a austeridade e pela democracia que tenho vindo a desenvolver em intervenções constantes ao longo dos últimos anos. Já nos tempos do 5dias escrevi sobre o assunto, como talvez estejas lembrado. Por exemplo:

'Acontece, com efeito, que a “crise” financeira em curso acarreta ou torna mais ameaçadores os riscos veiculados por certas propostas de reforma ou redefinição dos regimes liberais abalados.
Por exemplo, as “intervenções providenciais”, acima da “política”, e desqualificando-a (mediante o aproveitamento e a insistência na “corrupção” e nos “escândalos”, bem reais, de resto), insistindo na sabedoria, na autoridade e na competência de um chefe, acima dos partidos e das classes, que “meta isto na ordem”, são efectivamente um risco no contexto actual. Os regimes de tipo fascista, na base de corporativismos vários, também se apresentavam, no seu tempo, como “sociais” - e propagavam uma concepção “providencial” do Estado, afirmando-se como uma espécie de “Estados-Providência” reaccionários, através da sua imposição dos compromissos entre os diferentes interesses de classe (“sócio-profissionais”).
Outra variante da mesma ameaça vem das vozes e pareceres dos que nos convidam a investir em “organizações de confiança”, em “direcções seguras”, em “rumos certos” definidos por ideologias, concepções, competências “firmes” e aplicados por equipas “capazes” - e para isso dotadas da “autoridade” necessária. Trata-se de uma orientação que encontramos em quadrantes que se reclamam de diferentes tradições, e assume muitas vezes a forma da reivindicação de um maior papel do Estado, ao mesmo tempo que alimenta a confusão entre “estatal” e “público”, ou identifica a defesa do “bem público” com o reforço dos aparelhos de Estado centrais e das suas competências de “direcção”, tanto da actividade económica como do espírito.
Trata-se de uma tendência bem patente, por exemplo, nalgumas “novas” versões direitistas da “doutrina social da Igreja”. E afirma-se ao mesmo tempo que, em certas forças e corrente de “esquerda” vemos uma reabilitação cada vez mais assumida do “socialismo real” à Brejnev, quando não à Estaline:(…) O que é sintomático são os termos cada vez mais decididos da reabilitação e da proclamação sem complexos da nova síntese, por contraste com o reconhecimento dos erros cometidos, as alegações de ignorância dos métodos dos “partidos-irmãos” no poder, etc., que, há poucos anos ainda, definiam a posição oficial e vinculativa, se bem que, conforme os casos, mais ou menos relutante ou contrafeita, do PCP.
Valeria a pena, mas é impossível aqui, continuarmos a analisar a importância e a capacidade de influência que todo um leque de propostas muito diferentes, mas tendo em comum a valorização da autoridade do Estado, de um governo esclarecido, de uma organização correctiva, de um “poder dos melhores”, etc., acompanhada nalgumas versões da insistência no papel a desempenhar por um “timoneiro”, chefe ou condutor de forte personalidade'.

Esta análise continua a parecer-me pertinente, e tenho-a mantido e desenvolvido perante a evolução da situação que atravessamos. Não vejo razão para a pôr de lado - muito perlo contrário.

Abraço

miguel (sp)

Libertario disse...

Como internacionalista que jamais abdicará de o ser estes comentários do Passa Palavra começam a me incomodar com toda a sua dramatização, arrogância e certezas.
Também sou partidário da luta por uma Europa diferente, e penso que os trabalhadores e os povos deveriam lutar em conjunto para dar uma volta à actual situação em vez de ficarem a pensar em soluções "nacionais". Mas essa ideia fixa de que a dissolução do projecto europeu, e isso é uma possibilidade, embora para mim ainda pouco provável, e o regresso a alguma forma de Estados nacionais tenha como consequência necessária um fascismo, ou totalitarismo, é daquelas certezas e determinismos que os velhos marxistas sempre gostaram de proclamar. Embora tivessem já um século para concluir que afinal há poucas certezas nas sociedades.
Porque não assumem de vez que isto está tudo numa situação tal que tudo pode acontecer e nem deus sabe no que vai dar...

Miguel Serras Pereira disse...

Só uma nota: o texto publicado no 5dias que cito data de 16 de Janeiro de 2010. Cf. http://5dias.net/2010/01/16/pontos-previos-sobre-as-presidenciais/

msp

Pedro Viana disse...

Olá de novo,

"O que se passa, creio, é que tu, pelo teu lado, subestimas gravemente as ameaças de reforço do poder do Estado, confundes "nacionalização" com "controle dos trabalhadores" ou "socialização", o que te faz correr o risco de avalizares um remédio que só pode agravar os efeitos da política criminosa que domina a zona euro."

Vou pegar neste ponto específico para ilustrar o que quis dizer.

Uma coisa é reflectir sobre o que fazer após um processo de nacionalização, em particular defendendo que nessa eventualidade as empresas nacionalizadas deviam ser geridas (ou co-geridas com o Estado, democraticamente controlado) por comissões de trabalhadores. Outra coisa é condenar as nacionalizações porque inevitavelmente conduziriam a um controlo dessas empresas por um Estado totalitário (!). Há aqui um determinismo, um fechamento a possibilidades de evolução alternativas, que sugerem demasiado conforto com a situação actual de ofensiva generalizada da oligarquia no poder. É que, digo-te, a gravidade da situação é tal, e pior ficará, que até eu interrogo-me se um Capitalismo de Estado não é melhor do que o Capitalismo Selvagem em que estamos a cair. Determinismo por determinismo... não sei como não percebes o erro em que o Passa Palavra está a incorrer, destruindo qualquer simpatia que alguém à Esquerda pudesse ter para com a sua (e nossa) visão duma sociedade radicalmente democrática!

Um abraço,

Pedro

Miguel Serras Pereira disse...

Mas o ponto, meu caro Pedro, é que um reforço da autoridade do Estado se faria essencialmente sobre os trabalhadores e a grande maioria dos cidadãos comuns e usaria as eventuais nacionalizações - ou o "dirigismo estatal" da actividade económica, sob formas "mistas" - para militarizar a sua exploração, a coberto da invocação de interesses nacionais superiores.
Sem democratização das formas de luta, sem a conquista de contra-poderes efectivos pelos cidadãos comuns, e não pelos seus dirigentes ou representantes, a revolta contra os efeitos do governo oligárquico está condenada a resultar no agravamento da miséria e da hierarquia.
Não podemos prever os acontecimentos, mas devemos saber e dizer o que quremos - e não só o que não queremos -, lutando por lhe abrir caminho.

Abraço

miguel (sp)

anarco-coiso disse...

Vou reproduzir um comentário meu a um post neste blog em 7 de novembro:

"estou convencido que os objectivos do vosso internacionalismo coincidem tacticamente e por tempo determinado, com os do movimento anarco-capitalista. Digamos que daqui a 20 anos todos os Estados teriam abolido as alfândegas, fronteiras, bem como todas os seus serviços públicos que vão sobrando, nomeadamente a saúde e educação (que custam dinheiro e têm de ser cobrados por impostos, o que pressupõe a existência de fronteiras). Neste ponto teria sido apagada da memória colectiva a enferrujada noção de "nação", e estão então criadas as condições para que se erga a pura consciência de um proletariado que não pode voltar aos nacionalismos."

Vamos supor que a crise da UE se resolve com eurobonds e uma "nacionalização" da banca à escala europeia, auto-gestão imediata dos locais de trabalho e todas as coisas boas que constam de programas de transição ao longo da História. A julgar a lógica do Passa Palavra há duas consequências que inviabilizam este programa:

1) A Europa deixaria de ser atractiva (!) para investidores externos,

2) A Europa tenderia a transformar-se uma ditadura militar.


O que tem isto a ver com o comentário que eu reproduzi acima? É simples, segundo o raciocínio que nos vem sendo apresentado pelo Passa Palavra temos de inverter para todo o sempre a possibilidade de as coisas poderem ser "nacionalizadas", temos de destruir ao máximo o Estado, caso contrário cairemos na tentação de querer construir o socialismo num só país. Há que ter sete mil milhões de almas preparadas para apoiar a ideologia socialista mais pura de todas, e isso só pode acontecer depois de se terem destruído todas as instituições hierárquicas a começar pela ideia de nação. Isto só pode ser atingido com o mercado livre, a única "instituição" que ao abolir os proteccionismos dos Estados coloca em pé de igualdade os trabalhadores de todo o mundo. Primeiro, isso, depois o socialismo. Senão já sabem, zás, mais quarenta e oito anos de fascismo.

João Bernardo disse...

Quando aparecem uns que avaliam os perigos de um caminho, em vez de se atribuírem os perigos ao caminho, atribuem-se aos que os avaliaram. É o mesmo que considerar o Dr. Koch como inventor da tuberculose. Há menos de uma semana o Passa Palavra publicou este artigo noticioso sobre a situação na Grécia:
http://passapalavra.info/?p=68001
Mas qual quê. Preferem meter a cabeça num saco e correr em frente. Não seria mau, se fosse só na cabeça deles que enfiam o saco.