Como tenho dito muitas vezes neste blogue e alhures, do mesmo modo que exige mais do que a eleição periódica de representantes que legislem e decidam por nós, enquanto renunciamos a fazê-lo, a democracia exige também, mais do que o "Estado social", o exercício pelo conjunto dos cidadãos organizados do governo, aos diversos níveis, da actividade económica, tendo como ponto de partida uma repolitização democrática e explícita da esfera da economia (política). Assim, entendida, é, por outro lado, esta democracia — ou seja, a democratização generalizada do exercício das deliberações e decisões políticas que, na esfera económica e fora dela, governam a existência colectiva — que nos poderá libertar do capitalismo e da dominação classista.
A primeira parte de um artigo, Behemoth mata Leviatã e morre, hoje publicado nesse órgão de referência para quem alimenta ideias afins das que acabo de indicar que é o Passa Palavra — valendo também a pena ler a chamada de atenção que lhe dedica o João Valente Aguiar no 5dias —, analisa, com uma erudição económica rara e uma acutilância política desgraçadamente pouco frequente nos dias que correm, a natureza ideológica e mistificadora de pseudo-alternativas que têm proliferado, explorando o desespero e sofrimento causados pela reestruturação ofensiva do regime hoje em curso na Europa, e constitui, nomeadamente, mais um contributo de peso para o combate às ideologias nacional-populistas que boa parte da "esquerda"tão denodadamente se tem empenhado em difundir. A segunda e última parte do artigo do Passa Palavra será publicada na próxima terça-feira (20 de Novembro de 2012), e na introdução da que nos é hoje proposta pode ler-se:
Conforme temos vindo a defender aqui no Passa Palavra, se o nacionalismo é acima de tudo uma ideologia, então teremos de o avaliar nos seus planos constitutivos: na mensagem que veicula e onde cada palavra pesa; e nos efeitos práticos a que se propõe. Para isso iremos abordar nesta primeira parte alguns textos teóricos que se batem por uma postura que procura colocar o conflito contemporâneo num ilusório antagonismo entre finança e economia produtiva. Deste antagonismo surgiria a necessidade de agregar numa aliança social os mais justos representantes do interesse nacional – os trabalhadores e os pequenos e médios empresários produtivos. Os textos retratados têm colhido larga difusão na esquerda portuguesa, o que, por si só, justifica a sua análise. De modo complementar, também neste primeiro artigo daremos conta de um caso específico de concepção de uma aliança social e política entre trabalhadores e pequenos empresários em defesa da economia nacional. Na segunda parte, a ser publicada na próxima semana, analisaremos as similitudes dos discursos e objectivos programáticos de um sector da esquerda portuguesa – o Partido Comunista Português (PCP) – com as características fundamentais de um conceito de nacionalismo. Em suma, nesse artigo veremos como as ambiguidades que permeiam as propostas políticas desse partido concorrem para fortalecer os perigos de formação de uma aliança nacional operário-empresarial, potencialmente captável para projectos políticos de recorte fascista.
13/11/12
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4 comentários:
Tenho acompanhado a discussão em vários posts, neste e noutros blogs, sobre "Euro e EU" vs. "nacionalismo". Não acham que este maniqueísmo é um poucochinho redutor? A UE foi construída com base num ideal económico hiper-liberalizante, e nunca vai mudar. Aqueles que esperam que 1) A UE se torne democrática, 2) que uma maioria dos europeus decida mudar de rumo para uma política económica de esquerda e que 3) a Alemanha (e outros) aceitarão alguma vez os pontos 1) e 2), podem esperar sentados. Fazem lembrar os "renovadores comunistas", estão à espera que a UE se torne numa coisa que não é, nunca foi, nem nunca será. Portanto alguém que conteste este estado de coisas é necessariamente nacionalista?
Caro JPT,
se V. tiver razão e, façamos o que fizermos, não conseguirmos mais do que conseguiríamos esperando sentados, ou seja, se não for possível a resistência à oligarquia capitalista na UE nem a abertura de perspectivas de democratização na região, então, depois de esperarmos sentados ou não, o mais provável é que tenhamos de viver de rastos, espoliados dos direitos e liberdades conquistados nos últimos ´seculos, durante uma noite global, que talvez seja muito longa.
Tal é a razão por que publiquei a seguir a este um outro post que tem apenas título (além de uma ilustração) e diz o seguinte: mais democracia para a Europa, mais Europa para mais democracia.
Cordialmente
msp
Caro Miguel Serras Pereira,
Sendo a minha perspectiva mais próxima da que nas linhas acima JPT expõe, mas não tendo nada de frontalmente contra as suas convicções mas apenas no que parece transparecer por vezes de maniqueísmo, pergunto-lhe se não crê necessário distinguir e não devendo ser confundidos num mesmo grupo indiferenciado pelo menos, o que eu poderia considerar em três vertentes distintas: (1) quem foi desde sempre contra qualquer projecto de integração europeia (mais próximo do PCP); (2) quem não crê na viabilidade económica de uma moeda única (João Ferreira do Amaral, entre outros economistas anti-neoliberais, sociais-democratas keynesianos) mas que não admite ou crê viável o abandono unilateral do memorando da troika e (3) quem adopta uma terceira posição, que me parece ser a área de pensamento de alguns dos que publicam no blogue Ladrões de Bicicletas, que creem possível ou (A) uma recuperação da economia através de uma saída (não sei se temporária ou definitiva) do euro ou (B) ou forçar a União Europeia (e a troika como um todo) a negociar novas condições de financiamento da economia portuguesa. Por exemplo, nesta 3 posição, o que separa A e B parece-me ser o que separa em parte alguns dos "Ladrões de bicicletas" da posição conhecida do BE e de Francisco Louçã nomeadamente.
Independentemente de aceitar ou não esta minha tripartição de posições, pergunto-lhe qual poderá ser, no seu ponto de vista, uma estratégia de curto e médio prazo. Por enquanto fico-me por aqui, cordialmente,
Rui Santos
Caro Rui Santos,
evidentemente que distingo entre as posições que refere, e agradeço-lhe a oportunidade que me dá de esclarecê-lo. Esclareço também que não penso que a moeda única tenha sido adoptada em más condições nem meto todos os que não pensam como eu no mesmo saco. Creio, contudo, que aqueles que advogam o abandono do euro a título provisório e/ou acompanhado da permanência na UE - e que, em meu entender, não se dão conta que o abandono do euro não seria a mesma coisa que o adiamento da sua adopção - correm o risco de involuntariamente levarem água ao moinho do nacionalismo, da desagregação da zona-euro, da balcanização da região, da militarização e crispação ditatorial de Estados-nação ávidos de reconquistar a sua soberania, e por aí fora. Mais concretamente, penso também que os trabalhadores e cidadãos comuns dos países centrais e periféricos da zona euro têm tudo em comum a defender e conquistar passando por cima das fronteiras nacionais e batendo-se a nível europeu pela democratização, sem se deixarem mistificar por ideologias nacionalistas ou xenófobas ou rivalidades "nacionais".
Enfim, há outros argumentos ainda - como o que sublinha a ilusão da independência da economia nacional que supostamente a saída unilateral do euro traria, etc., etc. -, mas, depreendendo do que escreve que tem lido alguma coisa do que o Vias tem publicado sobre o assunto, não os retomarei de momento.
Cordiais saudações democráticas
msp
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