18/11/12

…Para que serve, então, o BE?


Uns invocam as liberdades e direitos que fazem a "superioridade" da Europa para justificarem o seu apoio a uma governação da UE que significa a destruição dessas liberdades e direitos em benefício da exploração e da absolutização do poder da economia política dominante e das oligarquias.

Outros apelam a que renunciemos a defender e a alargar na Europa as liberdades e direitos que os primeiros atacam, em benefício de uma mítica "independência nacional" ou "recuperação da soberania", que funciona como justificação dos seus projectos de poder hierárquico reciclado e a reconversões geoestratégicas favoráveis aos seus cálculos, implicando de facto a dependência — só que rebaptizada para o efeito como "cooperação solidária" ou outra coisa do mesmo género - de potências emergentes e países creditados de "anti-imperialismo", por se oporem aos Estados Unidos e à UE, apesar de governados por regimes que equivalem a formas agravadas de dominação classista.

Se o PS, o PSD e o CDS-PP adoptam as primeiras posições aqui referidas em matéria europeia, se as segundas são as da área sob a hegemonia do PCP, e se deixarmos de parte alguns defensores da saída unilateral do euro, que não se pretendem anti-europeístas nem visam deliberadamente a desagregação da UE, mas subestimam gravemente os efeitos económicos e políticos das medidas soberanistas que propõem, o BE distingue-se pela indefinição perante a questão europeia, o que, entre outros efeitos mais graves para o cidadão comum, equivale a uma auto-condenação à irrelevância numa matéria política fundamental.

O mal deve ter raízes profundas na história e no modo de existência actual do partido, porque reproduz, na realidade, a mesma indefinição que o caracteriza quanto às questões fundamentais da democracia e das alternativas à economia política dominante. Com efeito, ao mesmo tempo que denuncia as limitações do sistema representativo e que repudia o vanguardismo leninista, que leva o PCP a declarar-se como a direcção histórica e a consciência organizada dos trabalhadores, seu dirigente e seu guia, o BE rende-se na prática ao sistema representativo, organiza-se e hierarquiza-se em função das suas exigências, e não apresenta quaisquer propostas de democratização do exercício do poder alternativas — quer dizer, caracterizadas por lutas que visem, a começar pelo modo como se travam, a extensão da participação governante dos trabalhadores e cidadãos comuns nas deliberações e decisões que os implicam.

Para que serve, então, o BE? Dir-se-á que, apesar de tudo, talvez seja nas suas fileiras ou na sua área que se situam muitos que não se satisfazem nem com as propostas dos partidos de governo nem com as soluções autoritárias e hierárquicas de tipo, digamos assim, "leninista". Mas a justificação é fraca, sobretudo tendo em conta que, na actuação do BE, a recondução das aspirações democráticas difusas à cena política dominante, e à sua economia do poder, tende a primar — e, ao que parece, cada vez mais - sobre a busca de novos caminhos.

10 comentários:

João Valente Aguiar disse...

Acho preocupante o BE querer andar atrelado ao PCP em vez de se preocupar em dinamizar e ajudar os movimentos sociais autónomos. Acho preocupante o BE incluir cada vez mais as tarefas nacionais no seu discurso. Espero que não deslize para uma deriva proto-nacionalista e não partilhe do desespero irracionalista de outros sectores da "esquerda" portuguesa.

Anónimo disse...

O BE serve para projectar o internacionalismo à Miguel Serras Pereira por esse país abaixo. Basta lembrarmo-nos daquela famosa votação em que o BE defendeu a primeira intervenção da troika na Grécia. Mas o BE serve para muito mais do que isso. O BE serve também para lutar contra a troika, é o que vos digo. O BE serve para ajudar a federar "verdadeiramente" a UE, mas rasgando o acordo com a troika, como se os outros países aceitassem federar-se com quem não cumprisse com as suas obrigações. Obrigações essas numa UE nas mãos dos capitalistas. Capitalistas esses que têm os seus dinheirinhos guardados nos offshores, por isso guardem as dores de cabeça de fazer revoluções, porque não conseguem beliscar os capitalistas, ouviram?

É para isso que serve o BE. E o MSP, já agora.

Por outro lado, se o BE não se tivesse tornado num mero partido com funcionários, como todos os outros, talvez pudesse ser bastante além disto.

Miguel Serras Pereira disse...

Anónimo (19.11.2012./00.49)

o seu comentário dispensa comentários. Escusava de ter-se maçado a escrevê-lo. Mas, de qq. modo, obrigado pela atenção.

msp

José Guinote disse...

Julgo que na caracterização que faz dos posicionamentos das diferentes forças políticas em relação à Europa introduz uma limitação que é, afinal, a de que parece padecer o BE.
Não tendo nada a dizer relativamente ao campo “ocupado” pelo PC já quanto aos defensores da Europa julgo que falta uma parte da história. Há os que defendem a actual orientação política dominante na Europa e haverá os que defendem uma orientação diferente parcialmente identificada com a social-democracia, ou com os seus fundamentos, que no pós-guerra e até ao final dos anos setenta construiu aquilo que se identificou com o modelo social europeu.
Defender a Europa com base nas liberdades e nos direitos como fazem o PSD e o PP, e lamentavelmente faz o PS e os PS`s por toda a Europa, faz todo o sentido para quem defende o projecto político da direita europeia. Equivale a defender o neoliberalismo dominante que coloca o acento tónico nas liberdades individuais e na dignidade da pessoa humana, nos direitos da propriedade privada e na diminuição do peso do Estado na economia, no livre funcionamento dos mercados e na criação de um clima favorável para os negócios. Muito interessante neste contexto é a aversão à democracia e ao governo pela maioria, entendida, quase sempre, como uma ameaça e que deve ser substituída pelos governos de perfil tecnocrático, governos de sábios, como constatámos recentemente na Grécia e na Itália e como alguns querem que aconteça em Portugal.
O problema do BE radicará no facto de não conseguir definir o seu próprio espaço tendendo a aproximar-se dos que, como faz o PCP, se manifestam contra a União Europeia enquanto projecto de dominação externa e de perda de soberania. A necessidade de enclausurar a crítica ao rumo que a Europa segue numa crítica à social-democracia europeia, que seria corporizada pelos actuais PS´s, parece impedir o BE de defender aquilo que a construção europeia teve de relevante sobretudo nos quarenta anos pós segunda guerra (embora muitas vezes anime e promova debates sobre o Estado social). Essa incapacidade e essa recusa provoca uma indefinição e a incapacidade para contrapor à situação actual uma alternativa no contexto da Europa que deve ter como objectivo a construção de sociedades mais justas. Justas não no sentido de serem apenas mais democráticas, com mecanismos de governação que envolvam os cidadãos directamente nos processos de decisão e de governo local, regional e nacional, mas de serem sobretudo sociedades mais plurais e mais igualitárias com uma maior justiça social.

Anónimo disse...

"dinamizar e ajudar os movimentos sociais autónomos" quer dizer exactamente o quê, JVA?
Tenho para mim que se são "autónomos" não precisam da influência dos partidos. Ou será, como parece que é, que há boas e más influências em relação aos movimentos sociais.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro José Guinote,
o aspecto que me merece reparo na sua análise serena e bem argumentada é, por assim dizer, prévio. Falando depressa e esquematicamente, parece-me que o regresso aos bons velhos tempos do Estado social ou do pacto "social-democrata" generalizado, muito para além das fronteiras dos partidos da II Internacional, é, por um lado, pouco realista e, por outro insuficiente. Temos de nos interrogar sobre as razões profundas da "traição" dos Partidos Socialistas - ou seja, de explicar a sua conversão ao neoliberalismo como algo que as "traições" não chegam para explicar. O Estado-Providência, com toda a carga de passividade que indica para os beneficiários, conjugado com o sistema representativo, que mantém a divisão do trabalho político própria do capitalismo e desencoraja a cidadania activa e a participação governante (tanto na esfera política restrita como na esfera económica) - o Estado-Providência e o sistema representativo foram parte activa da regressão social e civilizacional em curso: fomentaram a provatização e o "individualismo possessivo", o corporativismo profissional e a apatia política, e assim por diante… A análise seria longa e não é aqui o lugar adequado para a encetar, mas não é indispensável prossegui-la para adoptarmos razoavelmente a alternativa a que chamo da democratização efectiva do exercício do poder político (do qual o dito "económico" faz parte, claro) como a da via que melhor garante os interesses dos trabalhadores e do conjunto dos cidadãos comuns, incumbindo-os da liberdade e da responsabilidade de se governarem a si próprios, e fazendo da sua participação nas decisões que se lhes aplicam o critério da sua legitimidade.

Cordiais saudações democráticas

msp

Anónimo disse...

Olá Miguel e demais leitores,

Esse último comentário do Miguel Serras - em resposta ao José Guinote - me fez recordar de um texto instigante de João Valente Aguiar:

"Sobre a nudez forte da violência…"

http://passapalavra.info/?p=61709

Pode parecer que o assunto é outro e o tema em questão não esteja voltado diretamente ao que está escrito neste artigo supracitado. Ouso dizer, com efeito, que a questão do Estado-Providência como ideal de uma certa esquerda - com todas as consequências muito bem expostas pelo Miguel Serras - deixa de lado justamente os principais argumentos anticapitalistas desenvolvidos nesse texto do João Valente.

Vale a leitura - já que o diálogo entre referências fortalece nossa compreensão e luta coletiva.

No mais, parabéns Miguel Serras - seus posts estão sendo fundamentais para a construção anticapitalista que não se deixa levar para armadilhas nacionalistas.

Abraços,

Xavier.

José Guinote disse...

Caro Miguel Serras Pereira
O seu comentário justifica apenas o seguinte esclarecimento complementar. Não defendo o retorno ao velho modelo social-democrata do Estado Providência. Defendo que analisemos as boas experiências desses tempos, com resultados mensuráveis por exemplo no campo das políticas urbanas, e aproveitemos esses ensinamentos como contribuições para um novo compromisso político.
Concordo que o Estado Providência terá fomentado a passividade, desencorajado a cidadania activa e governante e promovido, inclusivé, um conjunto de situações propícias para a emergência do neoliberalismo. Se quisermos um exemplo, as políticas públicas de habitação, centradas nos bairros sociais, com garantia de acesso a uma habitação para a generalidade dos cidadãos - um bom exemplo de existência de um modelo social europeu não generalizável a todos os países integrantes da União Europeia – criou as condições para a segregação espacial das populações por classes de rendimento. Com a separação entre trabalho, habitação e lazer determinada pelo zonamento do movimento moderno criou uma situação de injustiça espacial que afectou milhões de cidadãos por toda a Europa. As cidades novas da região de Paris ou os bairros de habitação social espalhados pelos confins das diferentes áreas metropolitanas são disso o testemunho. Situação avaramente aproveitada pelo neoliberalismo para oferecer a mesma situação espacial mas alterando o ”estatuto” de inquilinato-cooperativo ou social para o de” proprietário” com o consequente endividamento para a vida. Mas, a realidade a que conduziram, nos casos em que essa preocupação de justiça espacial não existiu, é susceptível de ser modificada a partir da participação das populações envolvidas e da sua tomada de consciência de que devem ser elas a decidir sobre o seu futuro e a determinar o modelo de organização das sociedades em que querem viver. Afinal uma das crises maiores do modelo de democracia liberal é o conflito entre a democracia representativa e a democracia participativa sendo que, no âmbito da União Europeia, esta tende a ser esmagada e ignorada pela primeira. Curiosamente algo de muito semelhante com os modelos dirigistas em que a vanguarda iluminada liberta o povo da tarefa de se preocupar com as … suas vidas.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro José Guinote,

obrigado pelo seu comentário, do qual sublinho a límpida conclusão: "Afinal uma das crises maiores do modelo de democracia liberal é o conflito entre a democracia representativa e a democracia participativa sendo que, no âmbito da União Europeia, esta tende a ser esmagada e ignorada pela primeira. Curiosamente algo de muito semelhante com os modelos dirigistas em que a vanguarda iluminada liberta o povo da tarefa de se preocupar com as … suas vidas."

Caro Xavier,
obrigado pelos seus encorajamentos, e aqui lhe reitero o meu propósito de seguir o seu conselho no que se refere às armadilhas - ou ratoeiras mortais - do nacionalismo.

Anónimo disse...

Socialismo ou bárbarie ? O espectro aterrador da crise do sistema capitalista monopolista gere e opera com as determinações da crise(s), segundo Karl Korsch, e a dualidade da dialéctica Violência/ Movimento de Massas, proposta e analizada historicamente nos textos derradeiros de P. Mattick. A herança ortodoxa do marxismo soviético cai por fatal e letal senilidade, ao mesmo tempo que o marxismo puro de Rosa Luxemburg se revigora por dinamismo subversivo. " Não é fácil responder à possibilidade de atribuição de um papel- positivo ou negativo- à Violência. A Violência é imanente ao sistema, e portanto é uma necessidade tanto para o mundo dos trabalhadores como para o Capital. Assim como a burguesia não subsiste senão pelo controlo dos Meios de Produção, do mesmo modo é preciso defendê-la por processos extra-económicos graças ao monopólio que detém sobre os meios repressivos. Uma recusa de trabalhar chega para tirar sentido aos Meios de Produção: porque o Lucro capitalista não tem outra origem senão no processo laboral. Entre o Trabalho e o Capital, não existe só luta económica: a burguesia não evitará recorrer à violência cada vez que esta luta ameaçar a sua existência,arriscando seriamente comprometer a rentabilidade do Capital. Eis, portanto, o que interdita aos trabalhadores toda a espécie de alternativa entre a violência e a não-violência na luta de classes. É a burguesia, em possessão do Aparelho de Estado, que assim o decide. À violência não é poossível responder senão pela violência, mesmo se for preciso bater-se em situação extrema de desigualdade. Trata-se, na ocorrência, não de uma questão de princípio mas, sim, da realidade da própria estrutura da sociedade de classes . Só eventualmente poderão ser usurpados à burguesia os meios repressivos e o controlo de produção se o embate do movimento de massas face aos detentores do Capital conseguir desfazer o aparelho de Estado e dissolver as forças armadas adstritas "; P. Mattick ao Lotta Continua, Out.1977.Niet