12/11/13

Lumpen burguesia

O ministro de economia defendeu hoje que o empreendedorismo deveria ser uma disciplina do ensino obrigatório. A ideia, do ponto de vista de alguém que defende o empreendedorismo (não é o caso da pessoa que escreve este post) é estúpida. Enquanto forma de governo da conduta do indivíduo, o empreendedorismo deve ser ensinado sem que o conceito surja muitas vezes mencionado, sempre na base do conselho e nunca da autoridade (como acontece, precisamente, numa sala de aula). Deve fazer parte de todas as disciplinas da escola e não apenas de uma. Deve atravessar todos os momentos da vida de uma pessoa e não uma horas por semana.

Isto para dizer que estamos perante uma boa notícia. Obrigar os putos a ter que estudar e fazer testes sobre empreendedorismo será, provavelmente, a melhor maneira de os levar a odiar a coisa. 


1 comentários:

João Valente Aguiar disse...

Zé Nuno,

nem os capitalistas são mais a burguesia no sentido clássico (na medida em que a propriedade jurídica está sob o comando da gestão), nem o empreendedorismo é mal-sucedido junto das crianças. Existem programas da Fundação Kauffman, entre outros, que têm um grande sucesso na difusão das práticas empreendedoristas. Por outro lado, fenómenos como a Kid zania têm um impacto considerável. Pelas suas características, certamente que a obrigatoriedade escolar não será tão bem-sucedida como as práticas mais capilares e aparentemente anódinas. Mas a existência simultânea em espaços formais e informais fechará o ciclo. E será toda uma nova força de trabalho a ser integrada mais fortemente nos mecanismos do capitalismo.

Por último, sobre as crianças e os jovens virem ou não a gostar do empreendedorismo. Até certo ponto isso é secundário, na medida em que, gostem ou não gostem, nas práticas laborais dos serviços e nos sectores mais qualificados é esse o espírito que prevalece. E que as empresas exigem. Mas além disso, nós temos a tendência a ver o empreendedorismo unicamente a partir da miséria de economia que é a deste país. Ora, nas economias mais avançadas, tanto na UE, como nos EUA e nos emergentes, os trabalhadores mais qualificados têm adoptado as práticas do empreendedorismo e até as chegam a defender e valorizar. Ao contrário do que alguma esquerda pensa, ou quer pensar, o empreendedorismo não é a macacada do Relvas e do amigo dele do Impulso Jovem (não recordo do nome dele mas era aquele que nem sabia que já não fazia parte do projecto). O empreendedorismo tem uma eficácia colossal no enquadramento dos trabalhadores da mais-valia relativa. Como em Portugal os mecanismos da mais-valia relativa são, até certo ponto, superados pela mais-valia absoluta isso não se nota no plano económico e muito menos no plano cultural/ideológico. Por isso o empreendedorismo fica confinado a charadas e por isso a esquerda portuguesa, no seu afã patrioteiro, reduz uma realidade internacional e transversal ao subproduto nacional. Mas onde a mais-valia relativa prevalece, o empreendedorismo é a cola simbólico-ideológica que agrega o entusiasmo de dezenas de milhões de jovens trabalhadores qualificados ao desenvolvimento da exploração do trabalho intelectual no toyotismo. Em suma, tudo isto para dizer que não acho que se deva levar o empreendedorismo para o reino da brincadeira e da piada fácil, como noutros espaços se tem feito. Ele tem tido, em articulação com outras dinâmicas, um sucesso tremendo para as empresas. Por outro lado, creio que a facilidade com que a esquerda portuguesa equivale o empreendedorismo a uma Relvice advém da sua auto-incompreensão de como funciona a mais-valia relativa e das soluções que apresenta e que, como tu sabes, se ancoram totalmente na difusão exacerbada da mais-valia absoluta, onde a saída do euro e a saudade pelo fordismo são só dois exemplos. Enquanto a esquerda achar que os capitalistas são um conjunto de lumpens ricos, o empreendedorismo só ajudará a expandir o poder das empresas.