20/11/13

O Rendimento Básico Incondicional e a Esquerda

Nestes últimos dias, tem havido uma interessante discussão sobre o Rendimento Básico Incondicional (RBI). As objeções levantadas pela Raquel Varela já tiveram resposta aqui e aqui, por exemplo. E o Miguel Madeira já explicou claramente, aqui e aqui, como é absurdo afirmar que a existência dum RBI pressiona os salários para baixo. Aliás, até acho que o Miguel se engana quando afirma que tal pressão é ainda menor no caso do RSI. A questão é muito simples: a um desempregado é proposto um trabalho em troca dum salário de X euros; todos concordamos que a sua recusa ajuda a manter o nível salarial dos trabalhadores que já executam tal trabalho, por esse salário ou superior; portanto, em que condições é que essa recusa é dada com maior probabilidade? Parece-me óbvio que tal probabilidade é tanto maior quanto maior for o rendimento que essa pessoa já possuir, pois terá menos necessidade de rendimento extra para atender ao que considera serem as suas necessidades. Dito de outra maneira, quanto maior o rendimento prévio, mais baixa será a prioridade das necessidades que este não consegue atender com tal rendimento, donde menor será a motivação que alguém terá para aceitar um trabalho (pelo mesmo salário que lhe seria oferecido na presença dum rendimento prévio inferior).

Note-se que já existem diferentes tipos de rendimento básico garantido atribuídos por vários Estados, inclusivé pelo Estado Português. Por exemplo, o acesso garantido a cuidados de saúde através do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um tipo de, ou equivale a um, rendimento garantido. Aliás, uma das estratégias que o Estado Português tem seguido, apoiado pela chamada Troika de credores, para tentar diminuir os salários em Portugal, consiste na diminuição das prestações sociais, quer monetárias (por exemplo, RSI ou subsídio de desemprego) quer em espécie (por exemplo, SNS e Escola Pública, colocando e aumentando taxas de acesso e degradando a qualidade dos serviços prestados). Tal diminuição coloca pressão acrescida sobre os trabalhadores para que estes arranjem rendimento adicional, de modo a ter acesso aos mesmos bens e serviços, não só do mesmo género mas também com a mesma qualidade, que antes obtinham através desses tipos de rendimentos garantidos, em particular aceitando salários que antes não aceitariam. Portanto, ser contra o RBI devido às implicações que poderá ter sobre o nível salarial implica, na prática e em coerência, ser contra a existência de qualquer rendimento garantido, mesmo quando atribuído em espécie, como o SNS ou a Escola Pública. O único aspecto que poderá levar alguém a apoiar a existência do SNS, por exemplo, e não do RBI, é o facto do SNS ser simultaneamente um rendimento atribuído e um serviço prestado pelo Estado, enquanto que o RBI tem em comum com o SNS apenas o primeiro aspecto. Ou seja, o RBI permite o acesso a bens e serviços que não são prestados pelo Estado. Portanto, quem ache que deve ser o Estado a providenciar (todos os) bens e serviços, pode achar que a existência dum RBI diminui a exigência para que tal aconteça, porque "basta o RBI para as pessoas terem acesso a tudo o que precisam". Obviamente, tal diminuição dependerá da magnitude do RBI. No entanto, o argumento em favor da revolução igualitária não é "permitir o acesso a tudo o que as pessoas precisam", mas antes "todo o rendimento deve ser igualmente distribuído por todos". Sublinho o todo. Portanto, a preocupação anterior só é válida para quem acredite que uma versão regulada do Capitalismo é o melhor sistema, ou de que a necessidade revolucionária desaparecerá assim que "as pessoas sintam que têm acesso a tudo o que precisam". Não me revejo no primeiro ponto, nem acho que seja verdade o segundo ponto (ver comentários a este texto do Miguel Serras Pereira). Por outro lado, e aqui há quem discorde de mim à Esquerda, não acho que o Estado seja necessariamente a melhor opção para providenciar (todo o tipo de) bens e serviços. Muitos poderão (e deverão) ser providenciados (também) por associações auto-geridas de trabalhadores, e adquiridos por outros cidadãos através do recurso (também) ao RBI.

Ainda, não acho que o RBI esteja em oposição à exigência de pleno emprego. Desde que por pleno emprego se entenda a existência de trabalho remunerado para todos aqueles que o pretendam. Isto, porque o RBI destina-se, em termos teóricos, a todos aqueles que não pretendem exercer um trabalho remunerado, e em termos práticos, também àqueles que não conseguem exercer um trabalho remunerado (enquanto não é atingido o pleno emprego). Note-se que, entre os primeiros, muitos haverá que pretendem efectivamente trabalhar, apenas não exigem um rendimento em troca pelo seu trabalho. A implementação do RBI é assim um obstáculo claro à expansão do mercantilismo a cada vez mais áreas da actividade humana, sabotando deste modo um dos vectores através do qual a classe capitalista satisfaz a sua necessidade vital de expansão do lucro, ou extracção de mais-valia do trabalho. Claro, poder-se-à defender que só os trabalhadores, ou seja aqueles que realmente desejam trabalhar, e efectivamente trabalhem, é que merecem um quinhão dos recursos disponíveis, proporcionalmente à sua produtividade. Assim defende o marxismo-leninismo, durante a denominada transição socialista para o comunismo, no qual então, finalmente, "de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades". Ou seja, para o marxismo-leninismo, a existência dum RBI poderia desencorajar o trabalho necessário à edificação duma sociedade socialista, em trânsito para o comunismo. No entanto, não é claro qual a consequência de tal posição quando o que está em discussão é a implementação do RBI no seio dum sistema capitalista. Aliás, convém relembrar que já existem em Portugal vários tipos de rendimentos garantidos, mas distribuídos em espécie, como os serviços prestados pelo SNS. E nunca ouvi objecções à sua existência baseadas no marxismo-leninismo. Na verdade, a existência dum RBI teve, e continua a ter, como uma das suas justificações, em particular à Esquerda, exactamente o possibilitar a transição do capitalismo para o comunismo sem ser necessário passar pela etapa intermédia do socialismo, que deu os resultados que deu nos países que a tentaram.

É-me ainda mais difícil compreender a objecção ao RBI vindo de quem à Esquerda não se considera marxista-leninista. Por exemplo, do ponto de vista do Anarquismo, poder-se-ia argumentar que a existência do RBI aumentaria a dependência do Estado, diminuindo a motivação para a revolta contra este, conducente à sua extinção. No entanto, tal equivaleria a supor que a razão principal para alguém apoiar os princípios anarquistas seria a expectativa de, com a sua implementação, o seu rendimento aumentasse. Não creio que tal seja verdade. Parece-me antes que a existência do RBI permitiria, com muito maior facilidade, o processo inicial de constituição de comunidades organizadas segundo os princípios anarquistas, que teriam então tempo suficiente para encontrar modos de produção que lhes possibilitassem escapar dos mecanismos de controlo do Estado, que se tornaria cada vez mais irrelevante à medida que tais comunidades crescessem em número e abrangência.

Em parte relacionada com o que acabei de afirmar, surge finalmente uma questão comum a muitas discussões à Esquerda, em particular quando se menciona a possível implementação dum RBI, e que já foi antes brevemente mencionada: o potencial para a revolução emancipatória, radicalmente democrática, capaz de fazer desaparecer o sistema capitalista, aumenta ou diminui se as condições de vida da (grande) maioria da população melhorarem, e em particular se a pobreza for erradicada? Ou seja, quanto pior, melhor? Em caso de resposta afirmativa, então não há dúvida que a existência dum RBI seria um obstáculo a essa revolução. No entanto, parece-me que não há uma resposta simples a essa questão. Não só porque há ampla evidência que não é apenas a ausência de pobreza que motiva alguém a advogar tal revolução, como existem muitos outros factores de cariz social que afectam o potencial revolucionário no seio duma população sob o jugo dum sistema de exploração capitalista.

19 comentários:

Graza disse...

Parabéns Pedro Viana por esta boa reflexão sobre o RBI.

Pedro Ferreira disse...

Caro Pedro Viana,

A minha questão é - a que nos obriga o Rendimento Básico Incondicional? Sob que condições podemos auferir o RBI?
Que justiça social? Acha que assim se redistribui a riqueza do grande capital ou se esvazia ainda mais os cofres da SS?
Não existem outras formas de garantir outra sociedade?
A questão é bem mais complexa do que a pinta.

Pedro Viana disse...

Caro Pedro Ferreira,

Em resposta às suas perguntas, tanto quanto as percebo:

o RBI não obriga a nada, para além de se estar vivo, ou seja não há condições para se auferir um RBI; no entanto, sendo o RBI atribuído por um Estado, é certo que será imposta uma condição de nacionalidade ou residência;

assim se distribui parte da riqueza do grande capital, desde que esta seja apropriada (via impostos e taxas, por exemplo) pelo Estado que atribui o RBI; o RBI não implica a revolução, como deixei bem claro no post; outras medidas terão que ser tomadas para atingir (outros) objectivos revolucionários; antes de mais, o RBI visa acabar com a pobreza (quando medida em termos de acesso a recursos monetários), o que por si só já é um objectivo de qualquer revolução igualitária (mas muitos outros ficam por alcançar);

o RBI pode ser constituído com base em qualquer tipo de recursos monetários que um Estado consiga reunir; não precisa de ser atribuído no âmbito da SS, ou com receitas desta; no entanto, havendo RBI deixa de fazer sentido algo como o RSI, que é atribuído via SS, ou o mesmo nível de despesa no pagamento de subsídios de desemprego e reformas/pensões (que continuariam a existir como suplemento); ou seja, seriam necessárias menos transferências financeiras do Orçamento Geral do Estado (OGE) para a SS, e mesmo dos cidadãos para a SS, sendo os fundos assim libertados, em conjunto com outros recursos financeiros que o Estado consiga captar (por exemplo, taxando mais o Capital), utilizados para pagar o RBI directamente do OGE;

claro que existem outras formas de garantir outra sociedade; algumas já foram tentadas e não tiveram os resultados desejados; a discussão entre alternativas é sempre bem vinda, mas a dada altura temos de tentar a sua implementação, cada um apoiando o que acha melhor, tendo em conta factores como os objectivos a alcançar, dinâmica introduzida no sistema, e viabilidade.

Cumprimentos,

Pedro Viana

João da Nóbrega disse...

«Tal diminuição coloca pressão acrescida sobre os trabalhadores para que estes arranjem rendimento adicional, de modo a ter acesso aos mesmos bens e serviços, não só do mesmo género mas também com a mesma qualidade, que antes obtinham através desses tipos de rendimentos garantidos, em particular aceitando salários que antes não aceitariam.»

Não entendi. Então quando é criada uma pressão para se ganhar mais, aceita-se trabalhar por menos?

HORIZONTE XXI disse...

Em minha opinião a grande revolução é o trabalho participativo, transitar para um sistema de trabalho participativo e nesse sentido o RBI, que eu chamaria de RHI (rendimento humano incondicional/garantido)tem potencial para acrescentar o seu contributo ao percurso realizado pela tecnologia.
É evidente que parto do principio de que o RBI satisfaz a condição de dignidade do individuo e como tal, liberto do trabalho intensivo pode dedicar-se ao "prazer do trabalho" só atingivel numa filosofia de auto-realização e satisfação pessoal, intuindo eu uma explosão de criatividade e produção.

Miguel Madeira disse...

"Não entendi. Então quando é criada uma pressão para se ganhar mais, aceita-se trabalhar por menos?"

Exatamente - se as pessoas precisam de mais dinheiro, estão mais dispostas a fazer horas extraordinárias, a fazer segundos empregos, a aceitar o primeiro emprego que lhes aparece se estiverem desempregadas, etc. Logo, como mais gente (e mais horas) disponível para trabalhar, os patrões podem dar-se ao luxo de pagar menos porque têm mais por onde escolher (aumenta a oferta de um produto, baixa o seu preço)

Miguel Madeira disse...

Já agora, façamos uma analogia - imaginemos um colecionador de antiguidades. Em que situação ele estará mais disposto a vender barato uma das suas peças: se não tiver falta de dinheiro, ou se estiver numa situação financeira desesperada?

HORIZONTE XXI disse...

Pelo que li se percebi bem o RBI tem caracter universal ou seja tanto recebe o zé dos anzóis como o belmiro de azevedo, condição fundamental para não ser mais tijolo colocado na construção do muro de uma sociedade de classes.

Pedro Viana disse...

João Nóbrega,

O Miguel Madeira já lhe respondeu, mas vou também tentar.

Na verdade, não sei se percebo bem a sua dúvida; "rendimento adicional" ou "ganhar mais" refere-se à situação em que é efectivamente retirado rendimento a um trabalhador (por exemplo, subindo as taxas de acesso, ditas "moderadoras", no SNS), e este, se quiser ter acesso aos mesmos bens e serviços a que anteriormente acedia, tem de encontrar rendimento que compense o que lhe foi retirado. Vai assim aceitar empregos secundários que antes não aceitaria, tendo em conta o baixo salário que lhe oferecem em troca do trabalho que terá de fazer, ou aceitar um outro emprego mais bem remunerado, mas onde tem de proporcionalmente trabalhar muito mais. Em qualquer dos casos, "safa o patrão", que se não fosse este trabalhador desesperado, teria de aumentar o salário oferecido (em qualquer um dos casos mencionados) de modo a ter alguém a trabalhar para ele.

Pedro Viana disse...

HORIZONTE XXI,
Concordo totalmente com o seu primeiro comentário.
Quanto ao segundo comentário, o RBI é como o nome indica: incondicional. Isso quer dizer que mesmo um assassino, condenado, a cumprir pena na cadeia, tem direito ao RBI. Parte do princípio que qualquer ser humano (e o objectivo último do RBI é ser atribuído a todo o ser humano, habite onde habitar), pelo simples facto de estar vivo, tem direito ao acesso aos recursos que lhe permitam viver na plenitude das suas capacidades.
Não há ideal mais radicalmente igualitário do que este. É o objectivo último do comunismo: "de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades".
Qualquer condicionalidade que se atrele à atribuição do RBI implica um exercício de distinção de seres humanos quanto ao seu valor intrínseco: aquele merece mais do que aquele outro. Há Direita este pensamento é natural. Todas as ideologias de Direita partem do princípio de que há uns que merecem mais do que outros (porque são da raça X, tem a côr de pele Y, adoram o Deus H, são mais fortes, produzem mais, são mais valorizados pelo "mercado", etc). A Esquerda distingue-se da Direita por ser igualitária, pugna pela igualdade como objectivo principal a ser atingido pelo exercício da política. Portanto, só concebo a defesa da desigualdade à Esquerda, como estratégia transitória para se atingir posteriormente uma maior igualdade. É por isso, que não sendo marxista-leninista, consigo compreender a lógica por detrás da fase de transição socialista, durante a qual algum nível de desigualdade é mantido por razões estratégicas, de modo a tornar mais provável atingir-se a fase do comunismo, onde a desigualdade será minimizada tanto quanto for materialmente possível. Mas, sinceramente, não percebo qual é o interesse estratégico de atribuir o RBI em função do rendimento de alguém, como uma espécie de RSI para a classe média. Parece-me muito mais interessante e defensável/implementável atribuir o RBI ao Belmiro de Azevedo e impor-lhe impostos de tal modo elevados sobre os seus outros rendimentos, que no final ele até recebe bem menos do que receberia se não auferisse do RBI e mantivesse os seus rendimentos actuais. Ou seja, a mensagem é: o Belmiro de Azevedo é alguém como os outros, e devia ter o mesmo nível de rendimento. Melhor que mais impostos, claro, seria expropriar os bens do Belmiro de Azevedo. Lá chegaremos...

HORIZONTE XXI disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Miguel Serras Pereira disse...

Ó caro Horizonte XXI

seria benéfico que os que se querem democratas deixassem de acreditar no Pai Natal ou em histórias da carochina (se laicos).

Uma sociedade livre e igualitária é uma sociedade humana não uma fantasia desperta nem um ditoso sonho nocturno. Não há sociedade humana - porque não há socialização possível - sem coacção. Uma sociedade democrática acabará com a dominação, com as desigualdades (de riqueza e de poder, sempre associadas), mas não poderá funcionar sem impor certas regras, sem tomar decisões vinculativas, etc. A liberdade é autonomia: significa que somos nós, em pé de igualdade, que decidimos as linhas com que nos cosemos, mas não dispensa as linhas nem a costura.
Desculpe - desculpem-me todos o à-parte "filosófico" geral -, mas é que convém não esquecer estas truísmos, ainda quando a discussão incida sobre matérias precisas, como a questão do RBI.

Com os meus melhores votos democráticos

msp

HORIZONTE XXI disse...

Caro Miguel Serras Pereira

Posso de facto estar a sonhar, mas uma 2ª leitura que faço do RBI é como instrumento de erosão do capitalismo, a possibilidade de o tornar obsoleto, o que torna o capitalismo muito resistente é a sua apelatividade ás massas ou seja raramente confronta, promove-se auto-elogiado.
Assim no meu sonho existem 2 caminhos; o do confronto e destruição que me parece dificil mesmo no contexto actual(vê-se pelos passeios de autocarro e pelas assentadas nos degraus da assembleia)e outro o de idealização e concretização de instrumentos que intelectual e materialmente desgastem o dito e se apresentem como efectiva e real alternativa nas vidas das pessoas, esta é a contribuição do RBI.

Exaltei a frase da expropriação precisamente por causa da imposição de regras numa sociedade livre, coisa diferente da construção de regras emanadas da aceitação plena dos individuos dessa mesma sociedade e mesmo assim num constante esforço de limitar ao maximo a construção de regras tendo em conta que a melhor regra é aquela que resulta do acordo entre 2 partes de livre vontade sem uso de violencia.

Mas isto sou eu que sou uma larva de homem.

Um abraço livre.

Miguel Serras Pereira disse...

Horizonte XXI,

em primeiro lugar, não compreendo porque é que apagou o seu comentário anterior, deixando a minha resposta a responder… a coisa nenhuma. Assim não vale.
em segundo lugar, não compreendo porque é que V. diz que é uma larva de homem, fantasia que não me parece ser para aqui chamada - ou insinuação, de gosto duvidoso e alheia à verdade, de que eu ter
á sido maltratado ou desatendido.
quanto ao fundo da questão, nada tenho a mudar. O RBI, se deixar de ser um sonho, não será vinculativo e obrigatório? Se V. decidir aplicar uma política redistributiva por via fiscal, os impostos serão baseados na persuasão? Uma coisa é dizer que as leis e decisões que nos vinculam devem ser deliberadas e tomadas através da participação igualitária daqueles que vinculam, outra é dizer que visamos construir uma sociedade em que cada qual só observará as regras que quiser, se e quando quiser, sejam essas regras quis forem. Era só isto que estava a ser discutido - e já não era pouco.

Saudações democráticas

msp

Anónimo disse...

visto que o debate continua aqui neste blog...

deixei a minha opinião sobre isto no site dinheirovivo, a qual reproduzo aqui novamente..



«Não me surpreendo quando vejo a esquerda convencional a defender uma proposta como o RBI. Os seus proponentes demonstram o mesmo sentimento de "solidariedade aos mais pobres" da mesma maneira que os grupos de caridade social, normalmente conotados com a direita cristã..

É verdade que a Dr. Raquel, parece não ter percebido que o RBI é realmente uma proposta a ser aplicada a todos os cidadãos. Mesmo aqueles que vivem de rendas não declaradas, sobre propriedades, edificios e outros bens..

A pior ilusão desta proposta é fazer crer que realmente o RBI aumentaria os salários dos trabalhadores ou a qualidade de vida dos desempregados. Isto é completamente falso porque:

- o sistema capitalista precisa realmente de desempregados. São estes que diminuem o custo da mão-de-obra, ou seja, sem produzir riqueza real, aumentam os lucros finaceiros das empresas.

- Na actual revolução capitalista (chamada de crise), a melhor forma de inutilizar uma parte da população que deixa der ser rentável a trabalhar, é dar-lhe um rendimento básico incondicional ou um subsidio minimo de reinserção (sim, são duas coisas diferentes que completam o mesmo objectivo).

- No actual cenário, quem pagaria esse subsidio? Quem paga o rendimenta básico de reinserção? Os bancos? As empresas? Errado! São precisamente os outros trabalhadores a quem parte do salário já é expropriada.

- Concordo com a Raquel num ponto: estes subsidios ou rendimentos dados gratuitamente, são hoje um complemento a outros trabalhos precários, que os empregadores não precisam de pagar, ou seja, uma parte do salário é paga com impostos de todos. Mais uma vez os subsidios a beneficiarem os empregadores..»

HORIZONTE XXI disse...

Caro MSP,

esclareço que quando apaguei o comentario não constava resposta alguma ao mesmo.
Quanto à larva de homem refere-se, como dizia o filosofo, ao - homem em contínua procura daquilo que é!

Abraço livre.

Pedro Viana disse...

Anónimo,

Não percebo as duas primeiras objecções. Se um desempregado passa a ter mais rendimento, ou mesmo, passa a ter rendimento (pois muitos nenhum possuem), isso não melhora a sua qualidade de vida?! Pode argumentar que outras medidas poderiam ser tomadas que aumentariam ainda mais a sua qualidade de vida, mas não afirmar o que afirma sem parecer desesperado por encontrar argumentos contra o RBI. O sistema capitalista não precisa de desempregados. Precisa de quem esteja disposto a tudo para ter emprego. São situações muito diferentes, como o Miguel Madeira já muito bem explicou. A introdução dum RBI permite, entre outras coisas, a que um desempregado não se torne em alguém disposto a tudo para ter emprego.

O que quer dizer com "inutilizar uma parte de população"? Será "neutralizar a contestação social duma parte da população"? Quanto pior, melhor? Já respondi a isso na parte final do post. Sempre achei, em qualquer situação, lamentável que haja quem esteja disposto a sacrificar outros em nome dos seus ideias, mesmo que ache que é "para o bem deles".

Quem paga o RBI? Quem paga o SNS, a Escola Pública? Está a defender que o Estado deixe de oferecer o rendimento gratuito que já oferece em espécie? No limite, que se acabe com toda a despesa do Estado, porque quem a sustenta são os impostos dos trabalhadores? Tem de haver coerência. A existência dum RBI é perfeitamente compatível, e até politicamente conducente, à expropriação duma maior parte dos rendimentos e recursos nas mãos da classe capitalista.

Quanto ao seu último ponto, mais uma vez: e o SNS, e a Escola Pública? O que são? Quem beneficiam?… Acha que se desaparecessem os empregadores aumentavam os salários dos empregados, já para não falar dos desempregados?!...

Anónimo disse...

Caro Pedro, sou o anónimo ao qual respondeu no post anterior..

Não estou desesperado em tentar encontrar argumentos contra o RBI, da mesma maneira que espero que o Pedro também não esteja desesperado a encontrar argumentos a favor do RBI. No meu caso, como não tenho interesse em nenhuma reforma aplicada ao estado, ou vinda do estado, fica clara a minha intenção..

Quando diz:

"Se um desempregado passa a ter mais rendimento, ou mesmo, passa a ter rendimento (pois muitos nenhum possuem), isso não melhora a sua qualidade de vida?!"

é claro que para quem vive excluido, sem trabalho e sem rendimentos, mais vale uns trocos do que nada.. Mas parece-lhe isso uma solução? O Pedro acha que quem está neste momento a receber o RSI tem qualidade de vida?

Segundo alguns exemplos que conheço de pessoas que recebem o RSI, na prática esse subsidio serve apenas de complemento ao emprego precário, "a dias", extremamente explorador de quem está nessa situação. Não provoca isso um reajustamento salárial?
Pergunto novamente: não estará o Estado a dar um complemento que corresponde a uma parte do valor que não é pago pelos patrões?


Quando diz: "O sistema capitalista não precisa de desempregados. Precisa de quem esteja disposto a tudo para ter emprego"

O sistema capitalista está em parmanente mutação. Se no passado precisava de quem "estivesse disposto a fazer tudo para ter emprego", hoje começa a dispensar e excluir uma parte da mão-de-obra do processo productivo, pela constante evolução tecnológica, pela monopolização dos mercados em beneficio das grandes empresas, resultado de uma economia globalizada que perdeu qualquer dimensão real, local, humana.

Quando digo "eliminar uma parte da população" digo eliminá-la do processo productivo. Acredito também que um dos objectivos do RSI ou do RBI é "neutralizar a contestação social duma parte da população" ou seja, amenizar as hostilidades...


Quando diz:

"Está a defender que o Estado deixe de oferecer o rendimento gratuito que já oferece em espécie? No limite, que se acabe com toda a despesa do Estado, porque quem a sustenta são os impostos dos trabalhadores?"

É óbvio que quem sustenta o estado são os impostos da população e a gestão dos recursos de uma dado território. Como o estado é sempre o pior gestor, ilegitimo, invasor e usurpador, defendo não que se acabe com a despesa do estado, mas com o estado como um todo. Talvez porque contráriamente ao que pensa o pedro, o estado existe precisamente para conceder privilégios, para regular a economia a favor de quem tem capital, de quem tem influência politica...

acredita mesmo que esse rendimento a ser implementado hoje, seria pago pela clase capitalista ou pelos bancos? Não é lhe parece óbvio hoje isso significaria mais um imposto (fosse ele qual fosse) sobre quem já é explorado, empregado ou desempregado?

Pedro Viana disse...

Caro anónimo,

Repito, mais uma vez, o RBI não é, nem vai provocar por si só uma revolução. Justifica-se do ponto de vista prático por (pretender) acabar com a pobreza, e do ponto de vista estratégico por (do meu ponto de vista) permitir, devido a razões descritas no post, sabotar os mecanismos de produção capitalista. O RBI não é comparável ao RSI, em múltiplas vertentes, a começar pelo facto de, por definição, o RBI ter um valor muito mais elevado do que o RSI, permitindo "viver condignamente". De qualquer modo, diga-me, defende a extinção do RSI?! Estaria muito bem acompanhado… diz que defende outras medidas. Muito bem. Aqueles que nenhum rendimento possuem podem manter o RSI, e esperar sentados enquanto essas medidas não se materializam? Ah, e já agora, também se pode aumentar o RSI significativamente e atribuí-lo a todos, sem condicionalismos, muitos deles humilhantes? A isso chama-se RBI. Ou prefere que os mais pobres continuem a receber a miséria que constitui o RSI, enquanto são "inspecionados" para determinar se o "merecem"? Eu "sei" que são os mais pobres que demonstram maior fervor revolucionário, e seria "uma pena" passarem a viver com "tal conforto" que às vezes até se "esquecessem" que a "revolução" é o seu único objectivo de vida. "Amenizar as hostilidades" porque algumas pessoas poderiam passar a viver melhor seria mesmo uma pena…

Quanto ao Estado, concordo em absoluto consigo. E abordo a questão no post. No entanto, lamento sinceramente, mas ainda estamos muito longe duma situação em que o Estado esteja em vias de dissolução, substituído pela auto-organização social. Como defendo no post, o RBI abre a porta, dá espaço de manobra temporal, à constituição duma sociedade auto-determinada relativamente ao sistema capitalista, e relativamente aos próprios mecanismos de controlo estatal.

Relativamente à questão dos impostos, voltamos ao mesmo: nada impede que antes ou depois da instauração dum RBI não se aumentem os impostos sobre o capital e os lucros que gera. Mas, mesmo que parte do RBI (o resto, talvez a maioria, viria da soma das despesas com RSI, burocracia, e parte das feitas com subsídio de desemprego e reformas/pensões), fosse obtido via IRS, é óbvio que só aqueles que perdessem mais via IRS do que ganhariam via RBI, perderiam rendimento. Mas, sendo o IRS um imposto progressivo (quem ganha mais, percentualmente paga mais), é claro que só as classe média-alta e alta perderiam rendimento, para as classes populares, em particualr para os desempregados.

Cumprimentos.