18/11/13

O RBI pode fazer baixar os salários? (II)

Na Rubra, Rivania Moura publica o artigo "Defendemos que as pessoas vivam com o mínimo possível?" (via Raquel Varela), em resposta ao meu post anterior sobre o RBI.

A respeito dos pontos 1, 2 e 5 (sobretudo do 2), parece-me que Rivania Moura está a argumentar que o RBI é pior para os interesses dos trabalhadores (e dos que gostariam de ser trabalhadores mas não conseguem...) do que outras politicas que poderiam ser seguidas. Mas o meu ponto é que, se tudo o resto for igual, o RBI fará subir (ou não minimo, não fará descer) os salários. Claro que se formos comparar um mundo com RBI e uma politica orçamental de austeridade e contração da economia com um mundo alternativo sem RBI com uma politica orçamental expansionista visando o pleno emprego, provavelmente os trabalhadores viverão melhor e os salários acabarão por ser mais altos no segundo do que no primeiro; mas acho que o que faz sentido é analisar os méritos de uma proposta politica comparando-a com o que aconteceria se essa proposta não fosse implementada, não tanto com o que aconteceria se, em vez dessa proposta, fosse implementada outra (ainda mais tratando-se de propostas que não são incompativeis entre si).

É verdade que, de certa forma, há um potencial conflito entre o RBI e outras politicas alternativas - o tempo dos militantes e ativistas de esquerda é um recurso limitado, e portanto cada minuto, post, manifestação, conferência, panfleto, etc., feita a defender o RBI poderá significar menos um feito a defender politicas melhores. Logo, por esse caminho, a defesa do RBI poderia levar a uma má situação para os trabalhadores (pelo efeito da "energia" gasta pelos ativistas pró-RBI deixar de ser utilizada na luta por causas mais vantajosas). Mas duvido que na prática esse efeito seja significativo.

A respeito do ponto 3, de que um subsidio pago por igual a todos não redistribui rendimentos - efetivamente, pode-se dizer que um subsidio igualitário por si só não redistribui rendimento; mas o dinheiro para esse subsídio tem de vir de algum lado. Tem sido propostas várias fontes de financiamento para um RBI, mas o mais provável é que este fosse financiado via impostos - basta esses impostos serem progressivos ou mesmo proporcionais para haver redistribuição (já que os que mais têm vão pagar mais para um bolo que depois vão ser dividido igualitariamente).

Finalmente vamos ao ponto 4, o mais relevante do meu ponto de vista:
O RBI fará baixar os salários todos, mesmo não sendo discriminatório como é o RSI (rendimento mínimo actual) ou o Bolsa família, ou o Cesta Básica da Argentina. Vejamos um exemplo. Imaginem que se fixava em Portugal o RBI a 200 euros. Ora, se existem trabalhadores a ganhar um salário de 500 euros e outros trabalhadores desempregados e sem salário, o rendimento acrescido de 200 euros fará que o primeiro passe a ter um rendimento de 700 euros enquanto o segundo terá de viver com 200 euros. Portanto, esse sistema continua a manter a concorrência entre os trabalhadores pelo emprego e continua a pressionar os salários para baixo.
De novo, não se paercebe qual o mecanismo pelo qual o RBI fará baixar os salários - Rivania Moura escreve (provavelmente com razão) que o RBI continua a manter a concorrência entre os trabalhadores; mas para o RBI fazer os salários baixar (ou seja, fazer com que sejam menores do que seriam se não houvesse RBI), não basta que a concorrência se mantenha; para o RBI originar uma baixa de salários, seria necessário que fizesse aumentar a concorrência entre os trabalhadores. Ora, não estou a ver porque a concorrência para ganhar 700 em vez de 200 há-de ser mais aguerrida do que a concorrência para ganhar 500 em vez de zero (será mais de esperar o contrário, porque 500 euros adicionais fazem mais diferença a quem não tem nada do que a quem já tem 200 euros)

5 comentários:

AP disse...

Por mais extraordinário que possa parecer, o grande desafio do RBI é convencer a Esquerda (e não a Direita liberal), não só a colocar o tema na sua agenda, mas mais, a perceber a extraordinária vantagem que um programa desses poderá ter para os trabalhadores, ao permitir a, mesmo que pequena, alteração da desigualdade na relação negocial laboral; e nisso tem toda a razão, não se vê grande justificação nos contra-argumentos para que aconteça o contrário. O conservadorismo táctico é bem patente em algum agit prop mais intrincadamente doutrinado e a margem para negociação é bem estreita (mesmo a eliminação total da defesa do RBI por um programa do género impostos negativos terá, igualmente, contra-argumentação semelhante). Será portanto, o trabalho com a Esquerda que tem de ser privilegiado por enquanto.

Carlos disse...

Caro Miguel
O RBI baixa os salários porque, quanto mais não seja, ao constituir um violento ataque a tudo o que é social e um enorme aumento das medidas austeritárias (como referi no meu comentário ao seu artigo anterior sobre o mesmo tema) irá constituir uma enorme compressão dos salários associados (precisamente constituídos por essas "regalias" socias que é o termos um SNS tendencialmente gratuito, uma Escola pública, etc.)

Miguel Madeira disse...

Carlos, portanto o que você quer dizer é que a verba para o RBI teria que vir de algum sitio e esse sitio seria o dinheiro que agora é gasto no "Estado Social", é isso? Só para ver se percebi bem o seu argumento.

AP disse...

Caro Carlos, existe um salto argumentativo e de raciocínio que me custa a acompanhar nesta discussão: a ideia que a defesa do RBI leva, consequentemente, à exclusão da defesa das prestações sociais e dos direitos constitucionais. Parece-me haver duas linhas para essa argumentação: 1 - o financiamento do rbi, que é tomado como se vindo da transferência quer de prestações sociais, quer de direitos gratuitos e universais - o que me parece estranho porque as propostas habituais de financiamento não o contemplam; 2 - a ideia que do reforço da autonomia individual do trabalhador, que o torna um pouco mais livre da obrigação do Trabalho, - (e, em última análise, e em tese, da sua própria identidade definida a partir dessa condição) - se transformará em realidade o sonho molhado do liberalismo, i.e., a total economicização da democracia, a redução do Estado à condição de simples regulador. Ora também este salto me parece abusivo, pois o reforço da autonomia individual e os processos de decisão democráticos não são, de todo, mutuamente exclusivos. Mais, um indivíduo informado e sem a pressão da procura do mínimo de sobrevivência terá, parece-me, maior capacidade para reforçar a democracia e as decisões democráticas. O que é necessário é que as propostas de RBI sejam acompanhadas, sempre, de absoluta univocidade relativamente a este aspecto.

Carlos disse...

Caro Miguel,
Sim! Parece-me, de facto, que o RBI, nas condições institucionais e políticas da UE, será sempre uma espécie de "Cheque Social" que, funcionando do mesmo modo que o "Cheque Ensino" e o "Cheque Saúde", levará aos mesmos efeitos, ou seja, a destruição do social e do público, com uma privatização completa e uma consequente dominação pelo Mercado Capitalista, sob o jugo da Propriedade Privada, de todas as áreas ainda "sociais".
Caro AP,
1- podia-me esclarecer, de modo simples e claro, como será financiado, no quadro institucional da UE?
2- meu caro, normalmente todas as medidas, hoje-em-dia, tomadas a favor da liberdade individual e de escolha, vão sempre no sentido da diminuição do social e do aumento do privado. E eu, desconfio...

E parece-me que se está a colocar o carro à frente dos bois! Primeiro teremos de resolver a questão do modo de produção capitalista, mudando de sistema. E depois, após acabarmos com o Mercado e a Propriedade Privada, i.é, após se conseguir que o Poder Popular (tradução literal de Demo+Cratia)domine de facto a Produção, então sim, poderemos conseguir condições dignas para todos, verdadeiramente solidárias. Agora, mantermos o Modo Capitalista de Produção, com a sua brutal e interminável extorsão de Mais-Valia, e pensarmos que podemos arranjar alguns paliativos que evitem a pobreza, ou que possibilitem melhores condições de vida à arraia miúda...meus caros, estas soluções reformistas de cariz keynesiano entraram em falência assim que acabou aquele chamado "Periodo de Ouro" de 30 anos após a 2ªGuerra Mundial: a partir dos anos 70 e com o fim do "Padrão-Dólar", não há keynesianismo que resista! E, na minha modesta opinião, ou vamos para vias Revolucionárias, ou então andaremos atrás das "cenouras" que nos apresentam e acabaremos, pela milésima vez, por ser enganados...