«A coberto de uma ambivalência ou falsa neutralidade política, as propostas de saída da zona euro e de reforço das soberanias nacionais consegue, reconhecendo as devidas diferenças, criar pontos em comum entre a extrema-direita e uma certa esquerda e extrema-esquerda. E qualquer ponto em comum com a extrema-direita, ainda para mais com esta dimensão, é por si só perigoso. A história não se repete porque quando os acontecimentos sucedem de novo eles assumem outras formas. Mas o facto de essas formas sucessivas obedecerem sempre a certas características invariantes indica o estabelecimento de regras. Ora, em todos os exemplos históricos de conjugação do social com o nacional, sem excepção, foi a extrema-direita quem beneficiou, com resultados trágicos para a esquerda.
Em Itália, na Primavera de 1921, Gramsci procurou obter a colaboração de D’Annunzio e dos seus inúmeros seguidores na ala radical do fascismo, dando assim seguimento a uma campanha que ao longo de Janeiro e Fevereiro daquele ano havia conduzido no seu jornal L’Ordine Nuovo, em que se havia esforçado por agravar as fricções existentes entre os seguidores de Mussolini e os legionários de D’Annunzio e atrair estes últimos para o campo dos comunistas. Ainda no Verão de 1921 havia artigos em L’Ordine Nuovo a insistir no mesmo propósito, e catorze anos depois, na série de palestras que proferiu em Moscovo perante imigrados italianos, Togliatti repetiu que o Partido Comunista deveria ter sido capaz de disputar a Mussolini os legionários de D’Annunzio. Que ilusões! Em Maio de 1925, já depois de decretada a fascização do Estado, quando o antigo sindicalista revolucionário Edmondo Rossoni, chefe dos sindicatos fascistas, interrompeu em pleno parlamento um discurso de Gramsci para, a propósito do problema da emigração, observar: «Por isso a nação deve expandir-se no interesse do proletário», o dirigente comunista viu então erguer-se contra ele a política de convergência do social com o nacional que quatro anos antes imaginara que poderia convocar em seu favor. O único resultado dessa política foi abrir a esquerda social à penetração massiva da direita nacional.
Foi precisamente ao mesmo resultado que levou a política proseguida pelo Partido Comunista Alemão desde 1923 até 1933, quando convergia com os nacionais-socialistas no ataque à social-democracia. «Nacional e social são duas concepções idênticas», exclamou Hitler num discurso proferido nos primeiros anos da década de 1920. «Ser social significa edificar o Estado e a comunidade do povo […]». Entretanto iam-se tornando cada vez mais estreitas as malhas da rede ideológica e prática tecida entre os extremos do espectro político, e que Jean Pierre Faye tão atentamente estudou, até que no último ano da república de Weimar as transferências de filiados entre o Partido Comunista Alemão e as SA, as milícias nacional-socialistas, chegaram a 80% do conjunto dos membros destas duas organizações. Hitler não mentiu quando, já durante a guerra, recordou aos seus comensais que na época da pancadaria nas ruas 90% do partido nacional-socialista era composto por elementos de esquerda. A outra faceta desta promiscuidade política foi a elevada instabilidade das filiações no Partido Comunista Alemão, onde entre 1930 e 1932 os abandonos e as novas adesões chegaram a uma taxa superior a 50% dos membros. Enquanto o social imaginava que absorvia o nacional, o nacional-socialismo estava a construir-se.
Enganam-se os que à esquerda pretendem concorrer com a extrema-direita mobilizando slogans e objectivos políticos muito semelhantes. Podem ter bons resultados eleitorais hoje, mas quando os temas da nação e da soberania nacional se tornam o senso comum das populações, é sempre a extrema-direita que vence. No actual contexto, mobilizar militantes, simpatizantes e votantes em torno de slogans isolacionistas e omitir o património político comum que une trabalhadores e trabalhadoras de todos os países, só dará força às potencialidades de crescimento de forças fascistas. Sendo assim, os resultados das forças promotoras de um ideário anti-europeu da CDU (em combinação com os de MRPP, MAS, MPT e PNR podem ultrapassar os 20%!) representam o papel da extrema-direita em Portugal: criar um campo político organizado numa base estatista, contrária a qualquer forma de democracia europeia e aspirar a um desmantelamento nacionalista da União Económica e Monetária.
3 comentários:
Caro João,
chamo a tua atençao e a dos teus leitores para um breve post da Joana Lopes que toca, noutros termos, questões afins: http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/2014/05/25-de-maio-um-balanco-telegrafico.html
O "balanço telegráfico" da Joana deu origem a uma troca de ideias entre a sua pessoa e a minha que me parece também relevante para uma reflexão sobre alguns dos problemas que motivram o teu post. Acrescento que por lapso meu na introdução dos comentários, estes aparecem não na caixa do post já referido, mas na deste outro: http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/2014/05/jose-inacio-faria.html
Abraço
miguel(sp)
Mas defender uma base "europeia" não é equivalente a um nacionalismo? Não são os EUA equivalentes em termos de população à UE? Logo, será um partido nacionalista nos EUA tão nacionalista quanto os partidos da esquerda europeísta?
De resto, não voto na CDU nem votarei, mas penso que podemos afirmar que o nacionalismo da CDU tem por objectivo criar pontes com países ou blocos progressistas (exemplo concreto: a ALBA). Logo, e mesmo considerando que nenhum desses países está hoje muito mais à esquerda que o nosso, não será isso uma forma de internacionalismo proletário?
Sobre o primeiro parágrafo. Não me parece que alguma vez nos próximos tempos se desenvolva uma "consciência nacional europeia" como a dos EUA. Por conseguinte, o defender uma consciência europeia sobre as actuais consciências nacionais representa tão-somente um passo para evitar que os trabalhadores vejam as suas reivindicações serem apropriadas por facções de gestores (nos partidos da extrema-esquerda, em sindicatos e em sectores do Estado não sujeitos a escrutínio eleitoral - tribunais, militares, etc.) para aventuras nacionalistas. Nesse sentido, se houver um crescimento de um sentimento europeu, as possibilidades de os trabalhadores se tornarem carne para canhão de sectores aspirantes a controlar a sociedade portuguesa (e a isolá-la do que chamam de "ingerência externa") é uma das possibilidades para barrar esses desígnios.
Sobre o segundo parágrafo. O internacionalismo é hoje compreendido maioritariamente como a solidariedade entre nações independentes e com políticas inflacionistas e proteccionistas. Ora, a extrema-direita também fala numa Europa de nações livres e independentes, precisamente o mesmo lema da CDU. Incautos os que à esquerda acham que podem vencer a extrema-direita no seu próprio campo.
Para terminar, a origem do internacionalismo relaciona-se com um processo de diluição de fronteiras sociais e políticas. Se calhar quando se fala neste segundo processo o melhor é começar a utilizar-se os termos de cosmopolitismo ou de transnacionalização...
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