08/08/10

A esquerda e a "solidariedade privada"

Carlos G. Pinto, em resposta a Daniel Oliveira, fala do "mau estar da esquerda com a solidariedade privada".

Em primeiro lugar, penso que há vários exemplos que contrariem que a esquerda tenha um "mau estar com a solidariedade privada"; um caso clássico é a tendência de alguma esquerda (como Eric Hobsbawn) será  para idolatrizar "bandidos sociais" que "roubam aos ricos para dar [pelo menos uma fracção] aos pobres", o que pode ser considerado "solidariedade privada".

Mas imagino que, quando o CGP fala em "solidariedade privada", esteja acima de tudo a pensar em "solidariedade feita respeitando os direitos de propriedade", por oposição aos casos em que um terceiro (seja o Estado ou um salteador vindo das montanhas) tira a uns para dar a outros.

Mas aí faz todo o sentido que a esquerda não se entusiasme por essa solidariedade - afinal, a partir do momento em que se parte do pressuposto que a actual distribuição da propriedade é injusta e/ou que os "ricos" exploram os "pobres", não há nenhuma razão para ser particularmente desejável que a redistribuição da riqueza seja feita pela vontade dos actuais proprietários; talvez muito pelo contrário - se uma situação é injusta, a correcção dessa injustiça não deve estar dependente da vontade caprichosa dos beneficiários da injustiça (afinal, os entusiastas do combate à criminalidade também não costumam defender que é preferivel ser os ladrões a devolverem voluntariamente o que roubam do que a policia intervir).

Ou seja, se se considera que os "pobres" têm direito à (ou a parte da) riqueza dos "ricos", não faz sentido que esse direito esteja dependente da boa-vontade dos "ricos" (assim nem chega a ser um direito) - para ser um direito, tem que ser  garantido, ou pela lei do Estado (para a esquerda mais estatista), ou pela acção directa das classes exploradas auto-organizadas (para a esquerda mais libertária).

Claro que se pode discordar do pressuposto que a actual distribuição da riqueza seja injusta (ou eventualmente achar-se que a injustiça até é em sentido contrário), mas a partir do momento em que se aceita o pressuposto, a conclusão lógica é defender a "expropriação forçada" (independentemente de feita pelo Estado ou pela "acção directa").

2 comentários:

Carlos G. Pinto disse...

Miguel, o argumento que colocas, parece-me um pouco deslocado da discussão em causa, porque me parece que falamos de esquerdas diferentes. Mas de qualquer forma, a questão é que a esquerda em geral não defende apenas impostos sobre a riqueza mas também sobre o rendimento. Não se corrigem potenciais injustiças na distribuição de riqueza com impostos sobre o rendimento (antes pelo contrário). Se eu visse a esquerda a defender um sistema fiscal baseado apenas em impostos sobre a propriedade, dar-te-ia razão, mas não é esse o caso. Eu até concordo com um sistema fiscal baseado em tributação de propriedade (princípio básico de que a função do estado é defesa e segurança, portanto quanto mais propriedade um indivíduo tiver, mais beneficiará dessa funçao e portanto, mais deverá pagar).

Miguel Madeira disse...

Talvez eu não tenha sido muito claro na forma como me exprimi.

Realmente eu falei em "distribuição da propriedade" e "distribuição da riqueza", mas podia ter também falado em "distribuição do rendimento".

Ou seja, o meu ponto é que a esquerda acha que a actual distribuição da riqueza/rendimento/propriedade é injusta, e portanto faz sentido que ela (a aprtir do momento em que aceita esse pressuposto) ache que a correcção dessa injustiça não pode estar dependente da boa vontade dos beneficiários da injustiça.