10/08/10

Lá fora, como não percebem nada disto, até nos aplaudem

É fácil ler em muitos blogues da nossa blogosfera liberal invectivas ao modo como o Estado se substitui à iniciativa privada, gastando horrores em coisas como as energias renováveis. Que a electricidade sai mais cara, que compete aos privados escolher onde se investe, que o Estado nada sabe gerir.
Trata-se de uma visão que equipara um país a uma mercearia. Esta só tem de comprar e vender, amealhando algum lucro no processo. Investir em novos expositores, em formas de atrair e satisfazer mais visitantes... isso não entra nas lojecas da Mirandéria e subúrbios. Resultado expectável? A mercearia acaba por ir à falência, esmagada pelos hipers. O país acaba como fornecedor de praias, esplanadas e SPAs para os nórdicos endinheirados.
É que investir pode não equivaler a gastar, sendo antes um garante de sobrevivência. Existem muitas áreas em que os Estados sempre têm tomado a dianteira, a princípio nada lucrativas. Onde é que teríamos internet, energia eólica, computadores (só por meros exemplos), sem que tivesse aparecido um qualquer laboratório estatal a desperdiçar dinheiro em domínios que os Mirandas deste mundo garantiam não valer a pena?
É por estas e por outras que dá algum gozo ler um artigo destes no NY Times. Isto sem termos de esperar pelo dia em que de repente se findem coisas como o petróleo e o carvão.

4 comentários:

Fernando disse...

No que toca à tecnologia, em Portugal o Estado é uma entidade que contribui e muito, naturalmente, para a investigação, dado que subsidia praticamente todas as bolsas. Mas nada indica que tenha de ser assim. Ou num mundo anarco-capitalista não teriam existido computadores? Ou a internet, que aparece em primeiro lugar como meio de troca de dados entre laboratórios, que podem ser fruto de iniciativa exclusivamente privada? Já a energia eólica, provavelmente não teria visto a massificação a que se assistiu nos últimos anos, que lhe provocaram um avanço tecnológico considerável e que a torna competitiva já sem ser subsidiada - mas não teria podido aparecer mais tarde na História apenas e só por iniciativa privada quando os combustíveis fósseis vissem o seu valor demasiado elevado?

Já imaginando um mundo socialista -nos moldes do socialismo real - acho mais provável que os computadores nunca tivessem sido massificados.

As vantagens do socialismo residem na planificação, na gestão e alocação de recursos e na socialização do conhecimento. E hoje, que a História acabou, essas vantagens aparecem como ideias intocáveis, debaixo dos escombros do totalitarismo.

Luis Rainha disse...

Num mundo anarco-capitalista, provavelmente ainda andávamos a comer os parceiros da aldeia ao lado. A Internet surgiu, antes de mais, como ferramenta de comunicação militar. E mesmo a www foi desenvolvida no CERN.
No que toca à energia eólica, a sua evolução poderá no futuro ser vista como um caso de “prevenir é melhor que remediar”: quando os combustíveis fósseis estiverem a acabar, talvez seja tarde para inventar portas de saída. Convém não esquecer que há muita coisa a depender do petróleo, como os plásticos...
No tal mundo socialista, se calhar haveria computadores massificados – um por cidadão – mas apenas para vigiar esses cidadãos :-)
É engraçado observar a evolução de alguns desses recursos e tecnologias: muitas vezes, se fossem panificadas não correriam de forma mais rápida e eficaz. E a socialização do conhecimento ainda tem um papel importante no mundo científico; nem tudo são patentes e indústrias.

Carlos G. Pinto disse...

Pagamos duas vezes mais pela energia do que os americanos, investimos dinheiro dos contribuintes em tecnologias que ficaram ultrapassadas uns meses depois ou nunca sequer chegaram a funcionar. Mas se os senhores lá de fora dizem que é bom é porque deve ser.

Luis Rainha disse...

Carlos,

Uma coisa é apontar erros e exigir correcções em casos de más práticas. Outra bem diferente é o princípio de que um Estado não deve investir no seu próprio futuro; isso parece-me uma excelente receita para a desgraça.