
“Mas só ficámos verdadeiramente surpreendidas quando abrimos uma das gavetas. Aquilo era demais até mesmo para nós, tão propensas quanto ela a acumular objectos. A gaveta estava a abarrotar de sacos de plástico. (…)”
“Estou convencida de que as gavetas da minha avó explicam não apenas como sobrevivemos ao comunismo, mas também o porquê do seu fracasso. O comunismo falhou devido ao medo e à falta de confiança no futuro. É certo que as pessoas acumulavam todos estes objectos devido à pobreza – mas estamos a falar de um tipo de pobreza muito específico, uma pobreza generalizada, partilhada por toda a gente, um estado de carência e privação praticamente irremediável, pois não podia ser resolvido pelas palavras, as declarações, as promessas ou as ameaças dos políticos. Além disso, mais importante ainda, estas práticas de acumulação e reutilização constituíam uma necessidade, porque no fundo ninguém acreditava num sistema que, ao longo de mais de quarenta anos, se mostrou continuamente incapaz de satisfazer as necessidades elementares dos cidadãos. Enquanto os líderes acumulavam palavras sobre um futuro luminoso, as pessoas comuns acumulavam quilo de farinha e açúcar, frascos e copos, meias de vidro, pão duro, rolhas, cordas, pregos e sacos de plástico. Se os políticos tivessem olhado, uma vez que fosse, para dentro dos nossos guarda-fatos, caves, armários e gavetas – sem ser para confiscar livros proibidos ou propaganda subversiva -, teriam visto o futuro que estava reservado aos seus magníficos planos e ao próprio comunismo. Mas não o fizeram.”
(De: “Como Sobrevivemos ao Comunismo Sem Perder o Sentido de Humor”, Slavenka Drakulic, Edições “Pedra da Lua”)
(publicado também aqui)
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