Os media locais andam felizes com o Kepler 22b. Trata-se, a fazer fé na imprensa supostamente séria, de um “novo planeta habitável”. Novo, assim como se o Grande Arquitecto tivesse ontem à noite pendurado mais um berloque de plasticina na árvore que enfeita o nosso Natal, a 600 anos-luz de Corroios.
Mais um adereço na topografia de fugas com que nos vamos fustigando: os recém-licenciados fogem para ali, a mão-de-obra pira-se para acolá. A rendição à entropia é o sonho húmido de muitos profetas; urbes desertas, auto-estradas entregues aos trânsitos de ruminantes sem pressas, bancas de jornais corroídas pelo sal dos dias... haverá fado mais poético para o nosso arremedo de país?
Quem parece ter vindo do Kepler vinte e tal é mesmo o ministro Gaspar, que só podia ter nome de rei mago, turista perdido em busca de fábulas salvíficas, mais os seus pauzinhos de incenso. Diz ele que fomos abençoados por um “amplo consenso interno”, tendo nas urnas dado um “apoio esmagador” ao roubo do nosso futuro. Mais um a sonhar com a obsolescência da ideologia, a inutilidade das alternativas; de Cavaco a António Barreto, são muitas as almas a rezar pela unidade nacional.
Muitos marcianos que nem com telescópios conseguiriam perceber que cada vez menos cidadãos se acomodam à venda da “inevitabilidade” e à mordaça do “não fazer ondas”.
Almejar a fuga – para o estrangeiro ou para o espaço – é apenas uma forma melancólica de desistência. Mas alucinar um nirvana apolítico não me parece mais eficaz.
Publicado também aqui.
1 comentários:
Luís Rainha,
Não goze com a descoberta de Kepler 20! A economia mundial está salva pois é para lá que começaremos a exportar!
Enviar um comentário