07/12/11

A ONU e Kadhafi

De repente, começou a circular pela Internet uma história de que a ONU ia elogiar Kadhafi como um defensor dos direitos humanos (por qualquer razão, um artigo do "i" com um mês só agora foi alvo de atenção).

Ao que me parece, há aqui uma confusão (ou várias...). Fala-se num relatório da ONU dizendo, entre outras coisas, que "a protecção dos direitos humanos era garantida na Líbia; isto inclui não só direitos políticos mas também económicos, sociais e culturais”.

Ora, se o relatório é este [pdf] - e parece ser, já que lá tem a passagem acima referida (ver o ponto 11 da página 4) e é da mesma data, 4 de Janeiro - trata-se, essencialmente, de um relatório expondo o que a delegação líbia disse na reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU (repare-se que o subtítulo da secção onde fala disso é "Presentation by the State under review"); não é a ONU que está a dizer que "a protecção dos direitos humanos era garantida na Líbia", é a delegação líbia (o que é que estavam à espera que eles dissessem?).

Aliás, o "i" parece-me ter metido um bocado os pés pelas mãos quando fala na "delegação da ONU que visitou a Líbia" - se tivessem lido o documento com atenção, veriam que quem faz essas afirmações não é uma delegação da ONU em visita à Líbia, mas sim um delegação líbia em visita à ONU (na última página até tem a composição da delegação - era composta or embaixadores e altos quadros do regime líbio).

Também  "a nota em rodapé do relatório [com] uma lista dos países que elogiaram Kadhafi e apoiaram a decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU de o distinguir com um prémio" (onde estaria a Espanha, a Dinamrca, etc.) não me parece ser forçosamente isso - essa nota (na página 3) é na sequência de um parágrafo com vários assuntos (países que elogiaram o regime, países que elogiaram o trabalho que a delegação líbia teve a fazer a apresentação, países que queriam dizer mais coisas mas não puderam porque não houve tempo...), não sendo forçoso que seja uma lista de países "elogiadores" (na verdade, a nota aparece logo a seguir "Additional statements, which could not be delivered during the interactive dialogue owing to time constraints, will be posted on the extranet of the universal periodic review when available" - e como os comentários feitos durante a sessão aparecem no relatório - páginas 6 a 13 - mais suspeito que a nota de rodapé com a lista se aplica, exactamente, apenas aos países que não tiveram tempo para falar*) - não vejo nada no relatório dando a entender que, p.ex., a Espanha ou a Dinamarca defenderam o regime (a Dinamarca até foi um dos países que preparou um lista antecipada de perguntas...); mas pronto, admito que a jornalista tenha tido acesso aos tais "adicional statements" que eu não tive paciência para procurar.

E, finalmente, de que "prémio" está o "i" a falar (em "apoiaram a decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU de o distinguir com um prémio")?  Eu fiz uma busca no documento por "prize" e "award" e não achei nada? Ou é uma metáfora (isto é, "o prémio" ser haver um relatório da ONU em que aparece uma delegação do governo líbio a elogiar esse governo)?

*já agora, lendo o relatório similar sobre os EUA[pdf], mais fico com essa impressão - lá está escrito "During the interactive dialogue, 56 delegations made statements. Additional statements, which could not be delivered during the interactive dialogue owing to time constraints, will be posted on the extranet of the universal periodic review when available.1", e depois na nota de rodapé aparecem só 27 países, indicando mais uma vez que a lista em rodapé é uma lista dos países que não tiveram oportunidade de falar (se assim não fosse, seriam pelo menos 58!).

4 comentários:

Anónimo disse...

Rony Brauman: " A guerra ainda não acabou " na Líbia! A não perder um " diálogo " entre Rony Brauman e B-H. Lévy, inserto no Le Monde de 24 Nov último.Uma panóplia de questões decisivas nele são escalpelizadas conferindo um profundo recorte de modelo à intervenção da NATO, sério aviso para a Síria e o Irão... Nos corredores da ONU, em Janeiro, ainda não sobressaiam as démarches dos operacionais da contra-espionagem francesa - em conluio com um trio de agentes secretos libios refugiados de fresca data em Paris, em Dezembro de 2010. A argumentação de Brauman é sublime porque desmonta a inacreditável política de " ingerência " humanitária criada nos anos 90 por BHL e Bernard Kouchner. R.Brauman critica violentamente a " concepção neoleninista de uma suposta política dos Direitos do Homem ", tão cara aos dois " amigos " de fresca data do inacreditável Nicolas Sarkozy, que ressuscitou, alude subtilmente R.Brauman, os piores estigmas da politica de GWBush sobre a noção de guerra preventiva. Niet

Anónimo disse...

a esquerda conspiranóica, estalinista e anti-imperialista (no sentido estalinista) é capaz de recorrer a todo o tipo de mentiras.veja-se o artigo sobre a viagem à síria dum vermelho-castanho do 5dias.

Miguel Madeira disse...

Neste caso parece ser mais a direita conspiranóica que está a inventar coisas

Anónimo disse...

Caro anónimo das 16.30: Se é estalinista e conspiranóica não pode, efectiva e realmente,ser- alguém ou entidade- de esquerda, como bem o sabemos,não acha? Como frisa Castoriadis, a " Revolução é um nó- ao mesmo tempo culminar e mediação para que a auto-transformação da sociedade possa continuar ", tendo como principais actores a multitude em luta; e onde os partido(s) só podem e devem assumir uma acção parcelar e momentânea. Considerandos que Gadaphi e os seus colegas nasseristas nunca cumpriram... nem se deram ao cuidado de respeitar. Fugir, a sete pés, de visões bonapartistas e " policiais " da História, caso contrário, o pior acontece sempre, como bem o sabemos! Niet