02/03/12

A adopção de crianças por casais homossexuais

[Re-post, ligeiramente retocado, de um que escrevi há 2 anos; imagino que muita gente discordará]

Confesso que sou um bocado agnóstico nesta questão, mas penso que há vários argumentos para considerar que, à partida, é preferível uma criança ser adoptada por um casal heterossexual do que por um homossexual.

Em primeiro lugar, penso que esta questão deve ser separada da questão do casamento - o casamento é uma relação voluntária, entre pessoas que decidem casar-se; a adopção (pelo menos da parte do adoptado) é uma relação involuntária. Assim, enquanto o casamento homossexual é um assunto que eu aceito sem sequer pensar nisso (tal como defendo a legalização da heroína independentemente de que efeitos possa ter sobre quem a consome), acha que a adopção por casais homossexuais é um assunto que deve ser pensado e os prós e contras ponderados.

Quanto a eventualmente ser inconstitucional essa discriminação entre diferentes casamento, como é alegado tanto à esquerda como à direita, é uma questão que para mim não me interessa nada (é triste quando as propostas politicas deixam de ser defendidas de acordo com os seus méritos intrínsecos e abstractos, para passarem a ser discutidas com base se são constitucionais ou não; se vivêssemos no Irão iríamos defender a teocracia islâmica, por ser constitucional?).

Agora, porque é que eu acho que os casais heterossexuais devem ter prioridade na adopção? Acharei eu que um casal heterossexual é melhor a educar os filhos do que um casal homossexual? Não, não acho. Mas é verdade que eu também acho que, em larga medida, não são os pais que educam os filhos, são os filhos que se educam a si mesmos, embora condicionados pelo meio exterior.

As razões porque acho melhor uma criança ser adoptada por um casal heterossexual:

- Não é raro, quando têm aquelas crises de adolescência que quase todos os adolescentes têm, que os filhos adoptados tenham uma fase de rejeição dos pais adoptivos, (nalguns casos passando a tratá-los por "Sr. Fernando" e "D. Felisberta" e coisas do género); no caso dos filhos adoptivos de casais homossexuais, se essa fase de rejeição ocorrer, suspeito que pode ser mais grave: o jovem, alêm de se auto-convencer (provavelmente sem razão) de que seria muito mais feliz se não tivesse sido adoptado ou se tivesse sido adoptado por outras pessoas, se calhar vai-se também auto-convencer (provavelmente sem razão) de que seria muito mais feliz se tivesse sido adoptado por um casal heterossexual.

- Posso estar completamente enganado, mas tenho a ideia de que muitas raparigas adolescentes falam com as mães sobre assuntos íntimos (já os rapazes praticamente não têm esse tipo de conversas com os pais). Se eu estiver correcto, não será complicado para uma adolescente ter dois "pais"? (as leitoras do blogue acham que isto faz algum sentido, ou acham que estou a delirar?)

- Finalmente, duvido que já haja estudos suficientes sobre os efeitos comparados de ser adoptado por um casal homossexual vs. por um casal heterossexual para se poder dizer que uma hipótese é melhor, pior ou igual que a outra; e, na dúvida, quando se trata de decisões que afectam terceiros (neste caso, o adoptado) é melhor errar pelo lado da prudência (por outro lado, é verdade que isso poder dar origem a um ciclo vicioso - poucas crianças adoptadas por casais homossexuais » amostra demasiado pequena para se tirar conclusões » na duvida, prioridade aos hetero » poucas crianças adoptadas por casais homossexuais).

Só consigo imaginar uma situação em que, para uma criança, seja melhor ser adoptada (mantendo tudo o resto igual) por uma casal homossexual do que por um heterossexual - se ele, ao chegar a uma certa idade, descobrir que é também homossexual, sentir-se-á muito mais à vontade para contar aos pais do que se tivesse pais heterossexuais (mas mesmo isso não é certo - em certos casos, um homossexual filho adoptivo de homossexuais pode se sentir mais constrangido em revelar-se em público, com medo que as outras pessoas digam que foram os pais adoptivos que o "converteram").


No entanto, suponho que a "amostra" para se chegar a essa conclusão seja composta maioritariamente, não por crianças adoptadas por casais homossexuais, mas sobretudo crianças que vivem com o pai(mãe) biológico e o seu companheiro (companheira). Essa situação é bastante diferente, porque, como já escrevi, em larga medida não são os pais que educam os filhos, são os filhos que se educam a si mesmos: ora, mesmo que dois pais adoptivos (ou duas mães adoptivas) proporcionem ao seu filho exactamente o mesmo ambiente que um pai biológico e o seu companheiro (ou uma mãe biológica e a sua companheira), a forma como o filho irá reagir já poderá ser diferente (ver o meu ponto sobre as crises de adolescência dos filhos adoptados).

14 comentários:

JA disse...

Primeiro ponto. Isto não é sobre uma questão que se colocará no futuro mas sim sobre o presente. Actualmente há crianças que têm dois pais ou duas mães. São filhos biológicos ou adoptados de um deles mas não do outro. Se o pai ou mãe legal morrer antes da criança atingir a maioridade, será que ela terá direito a viver com o outro pai/mãe? Ou isso ficará dependente da vontade de tios, avós e outros parentes legais? Desconheço a situação.

Sobre as suas preocupações, quero relembrar-lhe as múltiplas tipologias de família que hoje existem. Por exemplo, há quem tenha mãe, madrasta e ex-madrasta com quem possa ter as conversas íntimas que refere. E há quem seja orfã de mãe e não tenha madrasta mas ainda assim encontra uma tia, uma amiga mais velha ou outra figura que possa substituir a mãe nesse papel. Aliás há quem tenha mãe e nunca tenha tido com ela uma conversa íntima tendo procurado outras figuras "maternais" para essa função - que aliás, nunca terá de ser necessariamente uma mulher.

Sobre o seu primeiro argumento, relembro que na adolescência há quem se revolte porque tem uma família monoparental, ou porque tem uma "tradicional" ou porque a família não lhe liga e não o/a compreende ou por qualquer outro motivo. Mas ultrapassada essa fase, muitos crescem e libertam-se da família, outros há que crescem e percebem que a família que têm, certa ou errada, são as pessoas com quem poderá sempre contar. Outros encontram outras soluções para os seus problemas.

Em resumo, o que lhe quero dizer é que: as tipologias de família que existem hoje são imensas e a única coisa que interessa é que as pessoas amem e sejam amadas; os homossexuais podem actualmente adoptar, desde que sejam solteiros; as tipologias e as práticas não “tradicionais” de família sempre foram alvo de preconceito (veja o que se dizia de filhos de divorciados no início dos anos 80); as crianças e os adolescentes (como todos nós) têm uma grande capacidade de adaptação a procuram encontrar no contexto que conhecem as soluções para os problemas.

Anónimo disse...

Depois de ler este texto também fui à procura de qualquer coisa que tinha escrito/pensado. Foi há quase oito anos, como o tempo passa.
"Em Espanha PS defende o casamento entre homossexuais, em Massachusett centenas de casais já o fazem, desde ontem, e aqui ficam algumas razões em como pode muito bem ser uma "Felicidade ser-se Filho de Homossexuais"

1. Ser-se filho de/e crescer com gente corajosa
2. Ser-se muito desejado, os preconceitos e a dificuldade da opção a isso obrigam
3. Crescer com o re/conhecimento da diversidade, aprender-se na diversidade,seja ela qual for
4. Ser-se filho de gente livre e não patuscamente submissa


Sr. Miguel Madeira, segundo o seu raciocínio qualquer pessoa que a sociedade que temos actualmente, com os valores que lhe conhecemos e que vingam entre nós, que não se encaixe no paradigma, deixe ver: desempregado, pobre, negro, emigrante, sem-abrigo, cigano, habitante de bairro social, e junte a cada categoria a palavra mulher para criar toda uma nova lista, qualquer grupo descriminado por um destes motvos seria alvo de consternação por parte do filho (adoptado ou não). Oh pai, porque é que não és rico? então foste adoptar-me e és um gajo pobre? o quê, também és comunista? caramba, só te falta ser homossexual!"

Quem quer mudar o mundo não fica a cozer prudências construtivas à beira da lareira patrioteira onde se costuram os buracos das meias do marido.

Josina

maria disse...

as raparigas discutem os assuntos íntimos principalmente com as amigas..pelo menos no meu caso.
agora no que se refere a estudos e tal convém saber quem os paga e quem os faz. declaração de interesses e tal.

nuno vieira matos disse...

"Mas é verdade que eu também acho que, em larga medida, não são os pais que educam os filhos, são os filhos que se educam a si mesmos, embora condicionados pelo meio exterior."
Sendo assim, a função dos pais será apenas criar o ambiente necessário para não condicionar a interacção do infante com o mundo social. Nesse caso seria indiferente o formato específico da família.

"no caso dos filhos adoptivos de casais homossexuais, se essa fase de rejeição ocorrer, suspeito que pode ser mais grave"
Acho que a rejeição será mais fácil de ocorrer (e intensa) no caso do casal de adopção ter uma relação difícil, ou quando um dos parceiros apresenta comportamentos que provoquem dano, etc.

"na dúvida, quando se trata de decisões que afectam terceiros (neste caso, o adoptado) é melhor errar pelo lado da prudência"
Ao limite socializaria-se todo o infante que estivesse ao cargo de casais homossexuais (realidade existente), uma vez que o direito de parentalidade não se sobreporia ao superior interesse da criança. De facto, considerando o facto da família não ser determinante na educação da criança, os laços se sangue não seriam força de vínculo.

Considerando a evolução da estrutura familiar ao longo dos tempos, considerar uma preferência pelos casais heterossexuais não seria mais que um reflexo de contexto o que, como a história conta, é deformável relativamente a movimentos sociais mais ou menos organizados ou institucionalizados.

brites disse...

Os portugueses não podem deixar que as crianças abandonadas e institucionalizadas fiquem à mercê de modas.

A liberdade individual não se pode fazer à custa dos legítimos direitos dos menores.

Sérgio Silva disse...

Que desilusão, Miguel Madeira. Este post não faz sentido nenhum, nem se percebe porque raio tinha que remexer neste tema. Para já parte de acepções absolutamente subjectivas (ter a impressão que -- os filhos têm "fases de rejeição", têm relações com os seus pais especializadas pelo género, etc.). Mas torna-se mesmo grosseiro quando se discute a adopção enquanto "pior, melhor, igual". De novo a questão dos critérios de eficácia, do direito da criança versus o direito dos pais, e por aí adiante. Como se um filho 'natural' não fosse já uma grande lotaria, ainda temos que cuidar com o maior zelo dos filhos dos homossexuais. Não lhe bastam os casais "de facto" que em tudo se desviam da norma? Sobre o vexame de ter pais/mãe gay, nem percebo quem é que ainda acompanha este tipo de discussão; vale a pena contraditá-lo? E se perguntássemos antes se as crianças devem ser protegidas da vergonha? Talvez devêssemos fazer isso com todo o seu post, invertendo-o para uma cartilha de direitos. O direito à confissão maternal, o direito ao orgulho, etc. E agora?

Miguel Madeira disse...

Sérgio Silva, diga-me3 lá onde é que, no meu post, eu falei em "vexame" ou "vergonha"

João M disse...

comparar o casamento homossexual e a liberalização da heroína é todo um programa de parvoíce.

Sérgio Silva disse...

Caro MM, não tenho que lhe fazer uma citação literal para denunciar o que disse. É verdade que não o diz, mas todos os seus malabarismos com a rejeição (amplificada) dos pais, ou o constrangimento em ter sido "convertido" por pais homossexuais só podem derivar da reprodução (na criança) de um sentimento social vexatório. Partindo dessa assunção, não haverá nunca educação doméstica capaz de contrariar os ostracismos que o mundo nos lega.

Miguel Madeira disse...

Noutro post que escrevi sobre o assunto (de onde tireo alguma matéria para este), dou alguns exemplos que não têm nada a ver com vergonha ou vexame:

"Ou se uma criança adoptada por dois homens a dada altura (talvez ao ver um DVD do "Marco"...) mete na cabeça que queria ter uma mãe? Ou uma criança adoptada por duas mulheres mete na cabeça que queria ter um pai?"

O que é que isso tem a ver com "vergonha" ou "vexame" (conceitos que eu defino como "ficar incomodado com o que os outros vão pensar")?

Mesmo a eventual amplificação da eventual rejeição pode não ter nada a ver com a opinião das outras pessoas; basicamente, se o adoptado passar por uma fase de "detesto esta família; quem serão os meus país biológicos?" (e se um adoptado passar pela fase de conflito com os país que muitos adolescentes passam, penso ser muito natural que tenha pensamentos desses), é muito provável que, se a família adoptante tiver alguma peculiaridade estatística, desenvolva também um sentimento do género "ao menos que tivesse sido adoptado por uma família normal". Como digo, isto não tem nada a ver com ter "vergonha" (no meu exemplo imaginário, o adoptado não está minimamente preocupado com o que os colegas dizem dos pais; está apenas zangado com qualquer coisa que os pais lhe disseram - p.ex. "estuda mais" - e a transformar a sua revolta puramente pessoal contra os pais em sentimentos homofóbicos, tal como se calhar poderia se tornar comunista se os pais fossem um casal de capitalistas).

Miguel Madeira disse...

Agora, um ponto que tenho que reconhecer: muita da minha teoria sobre as adopções baseia-se num exemplo que talvez não seja representativo:

Uma rapariga cujos país adoptivos (vivendo num bairro em que toda a gente se conhece e sabem da vida uns dos outros...) lhe esconderam que era adoptada; um dia, na escola, as colegas, num daqueles momentos de crueldade pré-adolescente, disseram-lhe "Não és filha daquela mulher; a tua mãe não te quis!" (ou coisa parecida); após essa revelação, ela passou uns anos a rejeitar os pais adoptivos e a chamá-los "Dona A." e "Sr. F.".

Admito que talvez não seja um bom exemplo (até porque uma situação dessas dificilmente aconteceria num casal homossexual).

Miguel Madeira disse...

A respeito da multiplicidade de tipos de família existentes hoje em dia: a adopção tem uma peculiaridade que a distingue das outras situações.

Na maior parte dos casos de famílias atípicas, temos uma de duas situações:

a) ou não foi algo previsto, mas que acabou por acontecer devido ao rumo que as coisas levaram (separações, divórcios, viuvezes, etc.)

b) ou foi em situações em que a alternativa era a a criança/jovem em questão nunca ter chegado a existir (p.ex., mães solteiras)

A peculiaridade da adopção por "tipos de famílias estatisticamente raros" (incluindo a já existente adopção por solteiros, seja qual for a sua orientação sexual) é que aí a criança/jovem encontra-se colocado numa família atípica por uma decisão deliberada de a colocar aí.

Se ela não se importar de ter uma família atípica, não há problema nenhum; mas se se importar (e é possível que algumas se importem, até por várias razões que expus no post e nos comentários), pode ter uma reacção contra os pais (neste caso, os adoptivos) muito mais intensa do que nos outros casos (afinal, a criança/jovem poderá achar algo como "é por vossa culpa - por me terem adoptado - que não posso ter a vida que queria ter!").

Já nos casos que não os de adopção, penso que isso já não se verificará tanto (mesmo que a criança seja contra o divórcio dos pais, apesar de todo reconhecerá que eles também terão tido as suas razões para se divorciarem; ou mesmo que preferisse ter um pai, sabe que se a mãe não tivesse decidido ser mãe solteira, ela não existiria; etc.).

Resumindo, se a criança/jovem tiver uma mentalidade "progressista", não haverá grande diferença entre ser adoptada por uma família não-convecional ou ter ido parar a uma família não-convencional por outra razão qualquer; mas se a criança/jovem tiver uma mentalidade "conservadora" (e diga-se que eu não acredito muito na capacidade dos pais moldarem a mentalidade dos filhos pela educação; aliás, se assim fosse, estaríamos rodeados por machistas homofóbicos, porque foi essa a educação que durnte gerações as famílias deram aos filhos), penso que pode haver muitos mais problemas numa "família adoptada" do que noutro tipo de família.

Sérgio Silva disse...

Creio que, além de se munir de exemplos não-representativos (o que impede de elevar o seu texto à qualidade de teoria), coloca-se em armadilhas que do meu lado são evidentes. Repare que existe uma severa diferença entre discutir o que é "o bem da criança" e tentar assumir o seu ponto de vista. Para todos os efeitos, a adopção é uma decisão tomada entre adultos. Assumir que a criança pode "importar-se" é seguramente legítimo, mas não é fundamental para o processo. A ser assim, teríamos uma irreversível alteração de poderes, em que as crianças poderiam decidir sobre os seus pais (e revogar a parentalidade, a pedido). Não quero evitar responder ao que escreveu, mas esta subtil alteração de ponto de vista informa o seu argumento, e a meu ver, perverte-o de modo irremediável.

Miguel Madeira disse...

«Repare que existe uma severa diferença entre discutir o que é "o bem da criança" e tentar assumir o seu ponto de vista.»

Tendo a concordar - há dias, ao ler este texto, estive a pensar se o meu argumento se enquadrava em algum dos pontos, mas concluí que, embora fosse parecido com o ponto 5, não era bem o ponto 5, exactamente por isso.

Além disso, ao escrever um dos comentários, estive para escrever algo do género "se a adopção ocorrer numa idade dos 5 anos para cima, e a criança expressar o desejo de ser adoptada por aquele casal, penso que as minhas objecções não se aplicam" (e até estive para linkar a este post que escrevi há uma carrada de anos - não é sobre o assunto, mas acabava por estar ligado), mas depois achei que estava a divagar demais.

De qualquer forma, não penso que "o bem da criança" e "o ponto de vista da criança" sejam totalmente distintos - isto é, se tudo o resto for igual, é melhor para a criança/jovem estar numa situação em que se quer estar do que numa situação contrariada.