05/03/12

E o povo pá?

Ao contrário do Nuno Teles, acho o vídeo de Mélenchon pouco estimulante. E não vejo nada de original na forma, ao contrário, também, do Nuno. Sim, é verdade que o homem não aparece em palco como um líder de claque, mas o tom paternalista que assume não é, creio, muito mais recomendável. O que eu ali vejo, naquele vídeo, não é um pedagogo que nos explica o funcionamento dos mecanismos ocultos do neoliberalismo. Ou melhor, é isso mas é também Mélenchon a justificar a sua própria existência. Mélenchon, que de quando em quando relembra a quem o ouve que estas coisas são difíceis de perceber - isto é, que ele percebe e eles não -, está a tentar criar a necessidade de si próprio, ele, o educador.
Enfim, haveria que perguntar ao que vem a expressão "educação popular" que dá título ao post do Nuno. O povo não tem educação e precisa de ser educado, é isso? E por quem? Por quem não pertence ao povo, supõe-se, uma vez que se aquele que ensina pertence ao povo então não tem educação para que lhe permita ser educador. No fundo, em vez de termos o Camilo Lourenço a dar a lição matinal em todos os media teríamos um dos nossos amigos dos Ladrões? Não tenho dúvida que ficaríamos melhor servidos, mas guardem a forma como nome para outras mudanças. A ter alguma salvação democrática, e é discutível que tenha, a expressão educação popular deverá libertar-se deste tipo de rituais pedagógicos.

4 comentários:

Nuno teles disse...

Pena que não tenhas achado o vídeo do Mélenchon estimulante. Não foi o meu caso. Aprendi bastante e fiquei mais esclarecido. De qualquer forma, a pertinência do conteúdo não merece qualquer análise da tua parte. Deves andar farto de ouvir falar sobre o assunto.

Interessa-te a forma, o que é obviamente importante. Dizes que Mélenchon adopta um ar paternalista, porque diz que “estas coisas são difíceis de perceber”. Eu sou daqueles que acha que aquilo é mesmo difícil perceber. Mais, como é claro pelo discurso do candidato do Front de Gauche, os recentes acordos europeus, com enormes implicações nas nossas vidas quotidianas, são deliberadamente “difíceis de perceber”. E é neste esforço de os desmontar ele embarca no seu discurso, admitindo a suas limitações (na língua, por exemplo).


Mas o que realmente te faz espécie foi o meu uso da expressão “educação popular”. Não sei porquê. É interessante notar (na versão longa do discurso) como Mélenchon promove a ideia de aquilo não é uma multidão ali presente para aplaudir, mas sim uma assembleia constituída em torno de um programa político concreto. Uma assembleia que se multiplica em pequenas assembleias por todo o país – vi este comício, por mero acaso, num pequeno café onde militantes do FG montaram um televisor e onde a troca de ideias era uma constante. Por isso, este movimento político adopta claramente a ideia de educação popular contra hegemonia reinante, no sentido de encorajar o diálogo, o questionamento e o posicionamento crítico de uma aprendizagem que é mútua, como defendia Paulo Freire.

Ainda assim, admito aqui um limite aqui. O da participação previamente politicamente determinada de quem se junta, colocando de fora quem não está para ali virado. Certo, mas não é isso que me conduz a pensar que basta estar fora de uma qualquer estrutura política ou académica para ser logo popular.

Quanto ao Camilo Lourenço, sinceramente não percebi o que querias dizer.

Zé Neves disse...

Nuno, centro-me na forma, porque foi aí que tu encontraste algo de novo. E eu sinceramente não vejo muito de novo na forma comício. Mesmo que ele diga que o comício tem a função de dar impulso a um processo mais descentralizado de espalhar a boa nova. Se ele quer chamar a isso uma assembleia, esteja à vontade. Mas eu não vejo nenhuma aprendizagem mútua em curso naquele formato. Talvez o Paulo Freire, que, consta, era um tipo muito generoso, visse.

Eu também não acho que estar fora de uma qualquer estrutura académica ou política implique logo ser popular. Na verdade, a ideia de uma esquerda grande e popular não me é familiar. Não que defenda a ideia de uma esquerda elitista e pequena, como sabes. Mas há muita coisa no caminho.

abç

ps - já que falas na língua, devo dizer que uma das partes mais criticáveis é o modo como ele se refere à língua do "ocupante" (creio ser esta a expressão).

Anónimo disse...

Não vejo o que faz alguém que vai a uma conferência do Toni Negri no Maria Matos ser mais popular do que aquele que vai a um comício do Mélenchon.

Zé Neves disse...

anónimo,

já somos dois.

eu aliás até acho que essa estratégia de procurar classificar o que é e o que não é povo é um caminho que por regra não leva a bom sítio.